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Destaques

Ressignificar dia após dia

A linha era tênue entre a verdade e a autoficção, mas a literatura era um espaço para criar e não tinha compromisso com a realidade. Como tinta invisível, personagens às vezes se misturam e podem confundir. Um personagem pode ser vários e a graça não está em descobrir quem é quem, mas de aproveitar a leitura. Escrever em blog poderia não ser a mesma coisa do que escrever um livro de ficção ou de memórias, mas a verdade era que acabava servindo para as duas coisas. Às vezes o passado estava no passado. Às vezes o presente apontava para o futuro. Mas nunca dá para saber sobre quem se está escrevendo e há beleza nisso. A beleza de que personagens não eram pessoas, de que não precisava contar a verdade sempre, que às vezes quatro personagens poderiam se tornar um. Saber quem é quem parecia o menos importante, mas apreciar a beleza das entrelinhas. Ia escrevendo como uma forma de esvaziar a mente e o coração, sentindo o corpo mais leve. Escrevia e continuaria escrevendo sempre que sentisse ...

Vencendo o Medo - Julio Mesquita


A cada ano, a invencibilidade da idade vem me atemorizando, ao passo que percebo, de tempo em tempo, que não sou mais o mesmo, que tudo em mim tem-se modificado, principalmente nos quesitos força, flexibilidade e durabilidade. Contudo, há de se valorizar outros créditos, bem como a inteligência mais ávida, a intuição com o mundo ao redor e o relacionamento com as pessoas mais próximas.

Morrer nunca foi um temor, um precipício do qual procuro me esconder, mas estar velho me aterroriza intensa e profundamente. Como homem, penso logo na ineficiência sexual, depois nos dentes que amolecem, na pele inconsistente e na inevitável decrepitude do meu adorável e inseparável corpo. Ah!...

O declinar da vida sobre mim me apavora, ainda mais se penso em todas aquelas limitações que obviamente virão. Não dá para aceitar que, sendo o que sou, tornar-me-ei no que está por vir. Ser velho, estar velho, terminar velho é o pior que poderia me acontecer. Quero acreditar que isso não é um fato, que serei eternamente jovem, viril, másculo, fértil, progenitor, forte e que a tão mencionada velhice é coisa que só acontece com os outros.

Digo-lhes, isto com todo o respeito de quem chegou aos quarenta: a velhice, como bem sabem, é o prenúncio da descaracterização moral e anúncio do fim. Descobri recentemente, por meio de um amigo de setenta anos, que os pêlos pubianos, além de ficarem branquinhos, também podem começar a cair, tal qual os dele. Não é um horror? E como se não bastasse, urinar na cueca é só um dos primeiros sinais de que envelhecer é assustadoramente real! É evidente que pretendo viver um pouco mais, e isto significa ficar velho. Porém, na minha concepção de envelhecer muito é estar morto com os olhos abertos, penso eu.

Hoje, sou um homem de meia-idade, bem cuidado, que não fuma, que bebe vinhos de boníssima qualidade, apenas nos finais de semana, que pratica exercício regularmente, que come de tudo um pouco, que pratica sexo entusiasmadamente, e que, além de tudo isso, ainda lê e escreve. Venho enfrentando esse medo conversando comigo mesmo, único terapeuta em quem acredito e confio totalmente. Estou progredindo bastante, acreditem. Tento manter este convívio sempre pacífico entre o gato e o rato. Enfim, vou continuar vivendo para ver no que vai dar esse tempo de vida que me resta. Quero muito que envelhecer seja uma fase boa, que além de tudo o que eu já mencionei, envelhecer não passe de uma fase de preparação para o eternamente jovem. Assim espero...

*Julio Mesquita é publicitário e escritor. E-mail: mesquita.julio@uol.com.br Site: www.juliomesquitaescritor.com / www.projetoeducacaoedignidade.com

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