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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: No Escuro – Elizabeth Haynes

O livro No Escuro é o primeiro romance da autora Elizabeth Haynes, publicado em 2011, nos Estados Unidos, e em 2013 no Brasil, pela Editora Intrínseca. A obra de 335 páginas conta a história de Catherine, uma mulher traumatizada, com crises de pânico, por causa do seu ex-namorado, Lee, um policial que a agredia fisicamente, sexualmente e verbalmente.

A história é narrada em primeira pessoa em dois tempos: na época em que Cathy conheceu Lee, em 2013, e após ele ter sido preso, a partir de 2007. O leitor, então, conhece duas Catherines diferentes, que somente ao aproximar das datas se revelam sobre os seus passados sombrios. Antes de namorar o sedutor e perigoso Lee, Cathy, por exemplo, vivia em bares e boates, sempre saindo para dançar e se divertir com suas amigas; depois das cicatrizes, literalmente, deixadas nela, a mulher desenvolveu transtorno-obsessivo compulsivo e está sempre verificando se a porta do apartamento está trancada.

Catherine vivia em Lancaster, na Inglaterra, quando se viu apaixonada por Lee. O jeito selvagem e intenso dele, por qual ela se encantou, foi o mesmo que a fez se arrepender de tê-lo conhecido um dia. O que iniciou como um relacionamento cheio de fogo e impulsividade se revelou, com o passar do tempo, um relacionamento abusivo e destrutivo.

“Passei a trancar a porta da frente, dando duas voltas na chave, toda noite, assim que chegava. Ao entrar, procurava indícios da presença dele lá dentro, mas não havia nada fora do lugar. Pelo menos nada que eu percebesse”.

Houve um fator de identificação com a protagonista por ter passado por algo parecido, ter vivido um relacionamento co-dependente. Gostei bastante das reflexões da personagem, de como ela costumava julgar outras mulheres que se envolviam com rapazes violentos, até ela se ver presa ao lado de um, percebendo que nem sempre há essa opção de escolher ficar longe do outro.

À medida que a história do passado vai se desenvolvendo, Cathy vai se mostrando mais triste. Ela deixa de sair com as amigas, está sempre tentando esconder os ferimentos deixados por Lee, tenta evitar ao máximo o ciúme do namorado... A mulher, cheia de energia e sociável, acaba se fechando no seu próprio mundo com o homem, tornando-se uma sombra de quem costumava ser.

“Quando abri os olhos, meu primeiro pensamento foi: Hoje eu vou morrer. Eu sabia disso por causa das dores. Haviam atingido outro nível, vindo em minha direção como um trem a partir do instante em que abri os olhos. Eu tremia, suave e, embora devesse ter passado horas entre a consciência e a inconsciência, de repente a realidade me atingiu com clareza e eu soube que morreria”

Quatro anos depois de Lee ter sido preso, Catherine ainda lida com as marcas deixadas na sua mente. Além de verificar várias vezes o seu apartamento, para ter certeza de que a porta foi trancada corretamente e ninguém entrou lá, ela também se preocupa com a segurança do prédio. O medo que ela sente de Lee voltar e atormentar sua vida até certa parte é criado pela cabeça dela, até que ela recebe uma ligação do setor de Violência Doméstica e descobre que o rapaz vai ser liberado.

Neste meio tempo, Cathy conhece o seu vizinho Stuart e os dois começam a se envolver. Ele é psicólogo e a orienta a buscar ajuda para lidar com seu TOC. Desde o início do tratamento, a mulher aprende a controlar aos poucos o seu nível de ansiedade e para de se preocupar tanto com coisas que fogem ao seu controle, no entanto dois dos seus maiores medos são persistentes: de que Lee a encontre e de que ninguém acredite nela, pensando que ela está ficando louca.

Diariamente, Catherine ficava apavorada sempre que via algum homem parecido com Lee. Em seus flashbacks, o leitor mergulha em suas dolorosas memórias e entende o motivo de seu pânico. Além das agressões físicas, das vezes em que foi estuprada por Lee, Cathy também viu suas amizades se dissolvendo, principalmente quando suas melhores amigas, como Sylvia, não acreditaram nela quando ela acusou o namorado.

"O pânico me atingiu pouco antes das quatro da manhã. Eu estava tentando dormir, mas obviamente não conseguia. Deitada na cama, eu pensava sobre tudo aquilo e ao mesmo tempo tentava não pensar. Eu tinha me arriscado ao sair. Minha casa estava violada, assim como eu, apesar de tudo ter acontecido lá fora. Podia sentir a presença dele em todo lugar. Só havia uma coisa que talvez pudesse me ajudar a me sentir melhor, então me levantei e comecei a conferir tudo"

Efeito colateral do seu trauma ou não, Catherine sabe que uma hora ou outra Lee apareceria. E esse é o ponto mais esperado do livro, no qual podemos acompanhar o desenvolvimento interno da protagonista, no qual ela deixa o papel de vítima e precisa encarar os seus medos, para sobreviver e salvar pessoas importantes em suas vidas. Eu esperava um final mais catártico, com um pouco mais de emoções, mas gostei da dose de realismo na história. O romance é um thriller e a possibilidade de poder acontecer a qualquer um é o que o torna tão assustador.

Sobre a autora – Elizabeth Haynes foi criada em Sussex, na Inglaterra. Trabalha como consultora para o serviço de informações confidenciais da polícia e vive em Kent com o marido e o filho. No Escuro (In The Darkest Corner) é seu primeiro romance.

Comentários

  1. AMEI a resenha do livro, já tinha ouvido falar dele e agora gostei mais ainda. Adoro livros com esses lados mais obscuros da personalidade de uma pessoa, incrível...
    http://leiturasemfrescuras.blogspot.com.br/

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    1. Mariana,
      Fico feliz que tenha gostado! Eu também gosto de personagens obscuros. Bem melhor do que aqueles mocinhos e mocinhas sem sal.

      Abraços!

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  2. Oi Ben. Adorei a sua resenha. Gosto da forma que vc fala dos livros. Isso não é tao comum. O livro me chamou a atenção, mas não sei se leria. Já iria com o preconceito de que ela não devia ter se envolvido com um cara que aparentasse ser perigoso. Mas uma coisa é verdade, nem sempre sabemos, quem é e quem não é. E o fato das amigas mesmo não acreditarem nela, também torna a história mais real. E mais dolorosa. Porque isso acontece mesmo. Mas acho que eu não conseguiria ler.
    Abraços
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

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    1. Oi, Gih! Fico feliz que tenha gostado da resenha! Então, o fato de Cathy não se afastar dele no começo, é por causa da cegueira da paixão, e quando ela tenta, bom, ele simplesmente não a deixa. Ele a agride, a estupra e está sempre contando mentiras. O vilão mente tão bem que as amigas acabam dando as costas para a protagonista.
      Abraços e volte sempre!

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  3. Gostei da resenha.Parece muuuito boa *_*


    Beeijos ^^

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    1. Obrigado, Carolina!
      Se tiver a oportunidade, procure o livro. Comprei o meu por R$ 4,90. Estava muitoooo barato!

      Beijos

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  4. Legal esse lance dela julgar as outras mulheres até se ver numa situação como a delas. Aliás, Haynes foi muito habilidosa ao mostrar lentamente, mas não arrastadamente, a transformação de Cathy. Quanto ao final, também esperei mais reviravoltas, mas tenho que admito que ela amarrou tudo muito bem e manteve o suspense até a última página. Foi uma obra prima, pena que seu segundo me decepcionou e o terceiro, é bom, mas não excepcional. De qualquer forma eu te recomendo ler esse último. Se quiser dar uma olhada na resenha que fiz dos três:
    http://porquelivronuncaenguica.blogspot.com.br/2014/04/toc-pole-dance-e-solidao.html

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  5. Olá, Ronaldo! Adorei tuas resenhas...
    Confesso que fiquei curioso para ler o terceiro livro que você recomendou da autora (Restos Humanos). O final é meio parado mesmo, dá a impressão de que ela está contando uma história verdadeira. Talvez tenha sido intencional... Talvez a autora tenha dado uma bola fora! De qualquer forma, também quero ler o segundo dela, para poder tirar minhas próprias conclusões, mesmo tendo lido várias resenhas negativas.
    Abraços! Obrigado por seu comentário.

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