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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: RedRum: Contos de Crime e Morte – Caligo Editora

Durante esta semana concluí uma leitura pendente do livro RedRum: Contos de Crime e Morte, organizado pelo autor Vitor Toledo, de 150 páginas, publicado em 2014, pela Caligo Editora (parceira do Blog do Ben Oliveira). Para quem gosta de contos policiais e de mistério, a antologia conta com a participação de 7 escritores brasileiros contemporâneos e proporciona um ótimo entretenimento – impossível não lembrar de autores como Edgar Allan Poe e Agatha Christie durante a leitura.


Refração é o título do primeiro conto do livro, escrito por Diogo Bernadelli. Narrado em primeira pessoa, a história está dividida em 5 partes – logo no primeiro parágrafo temos noção de que algo estranho aconteceu, já que o narrador encontra uma personagem abaixada e uma motosserra funcionando. O personagem principal é um anti-herói que se mete numa confusão – o autor brinca com as expectativas do leitor, mostrando 3 lados da mesma história (perspectiva dos três personagens envolvidos no conflito principal).

“Eu lido, todo dia, com o lado mais negro da infância, e posso afirmar que meu trabalho não faz de mim um homem engrandecido, de maneira alguma. O mundo depois das janelas perde todos os atrativos que a infância acumula, somos para-raios apontados para cima enquanto a tempestade se amontoa em um canto do mundo como uma poderosa ferida inflamada. Somos rostos pálidos numa página de jornal e, na maioria das vezes, nossas memórias não importam a ninguém”. – trecho do conto Refração, do autor Diogo Bernadelli.

O conto Segunda Sombra foi escrito por Vitor Toledo, responsável pela organização da antologia. Um homem obcecado com o acidente de uma velha não sabe é tudo um sonho ou real. Das narrativas foi uma das que mais me cativou, por me lembrar de Edgar Allan Poe, desde as descrições, a questão da loucura e estranheza, até detalhes como os olhos da personagem.

“Se escrevo estas linhas é porque sucumbi à utopia de buscar alívio sem trair o meu silêncio. Bem sei que isto não me traz nenhuma dignidade; não pretendo que sejam lidas. Talvez as destrua tão logo as termine, findas as palavras, as folhas ou a vontade do confesso”. – trecho do conto Segunda Sombra, do autor Vitor Toledo.

Conto escrito por José Geraldo Gouvêa, A Noiva Liberdade traz uma história interessante sobre um personagem que conhece um coveiro com sua vida marcada por tragédias. Desta troca de palavras, desabafos e solidões, o narrador-protagonista se vê diante de uma reviravolta que marca sua vida. Às vezes nos esquecemos do poder do que dizemos e sempre há um preço a pagar.

“Padeço de uma condição sutil chamada compaixão. Talvez por isso tenha sido reduzido à miséria de na tarde da vida habitar um apartamento de solteiro em bairro pobre, com uma vista invejável para o cemitério”. – trecho do conto A Noiva Liberdade, do autor José Geraldo Gouvêa.

Bia Machado me surpreendeu com seu conto Benevolência. Gosto da contradição do título com o que se passa na narrativa. No primeiro parágrafo, o leitor descobre que o narrador-personagem está tentando contar informações sobre o caso Torres. A filha da vizinha está sempre trancada em casa e a protagonista tenta descobrir o que se passa com a garotinha. Num jogo de mistérios e esconde-esconde, o qual a mulher acaba se envolvendo sem saber. O sobrenatural e a loucura andam juntas, impossibilitando ao leitor separar as coisas. Um ótimo conto de terror, nada benevolente, do jeito que adoro! A narrativa me lembrou o filme Os Outros (inspirado no livro A Volta do Parafuso, do escritor Henry James) – e segundo a autora, acertei em cheio, já que a novela de fantasmas foi uma de suas inspirações enquanto escrevia o conto).

“O fato é que, na época disse apenas o necessário para me livrar de qualquer culpa que viessem a colocar sobre mim, o que consegui, e não poderia ser diferente, já que sou realmente inocente. Só não houve jeito de me livrar de mim mesma. Porque eu sabia de muitas coisas. Não posso mais negar.” – Trecho do conto Benevolência, da autora Bia Machado.

A Vidente, do Pedro Viana, foi outro conto que me encantou, em primeiro lugar pela idade do autor (nascido em 1996), depois pela dose de entretenimento. A epígrafe do livro A Hora da Estrela, da Clarice Lispector, me deixou curioso para saber o que vinha pela frente: “Minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias, pois eu também sou o escuro da noite”. Outro ponto que chamou a minha atenção é que é o único conto da antologia narrado em terceira pessoa. A personagem principal é uma vidente chamada Cordélia, uma farsante que está sempre enganando suas clientes, até conhecer Ingrid e ter uma visão. Ela corre contra o tempo para tentar salvar a garota. Bela reviravolta!

“Seus olhos cansados e pesados, quase cegos pela escuridão, pousarem sobre a pobre criatura do outro lado da mesa e ali permaneceram, buscando compreender a razão pela qual ela estava ali”.Trecho do conto A Vidente, do autor Pedro Viana.

O conto A Marca, do Fabio Shiva, conta a história de Daniel Pádua, um Doutor em Engenharia Genética e seu aluno Márcio Belarmino. Uma relação de amor e ódio entre os dois personagens, conflitos sobre diferentes pesquisas e a obsessão pelas tabuletas sumérias, tudo isto é só a ponta do iceberg perto das reviravoltas finais!

“Meu grito provocou um silêncio profundo e inesperado no laboratório. Belarmino cessou seu entusiasmo lengalenga. Olhava para mim completamente aturdido. Sofia também me fitava com os olhos arregalados, séria e atenta”.Trecho do conto A Marca, do autor Fabio Shiva.

O último conto do livro é intitulado Uma Noite no Farol, do A. Z. Cordenonsi. Para quem gosta de narrativas detetivescas, o narrador-protagonista é o Inspetor Laws, um homem chamado para investigar as ameaças recebidas pelo Sr. Weiss. Cabe ao inspetor descobrir quem foi responsável pela confusão. Uma narrativa à la Hercule Poirot.

“O cenário era de devastação. Uma luta encarniçada acontecera no quarto, com resultados sinistros. Não havia ninguém ali e a única rota de fuga visível era a janela estilhaçada”. – Trecho do conto Uma Noite no Farol, do A. Z. Cordenonsi.

RedRum: Contos de Crime e Morte é um livro para quem gosta de narrativas com personagens que revelam o lado sombrio do ser humano, seja quando os próprios protagonistas estão envolvidos de alguma forma ou quando o narrador testemunha essas ações que marcam profundamente suas vidas. Minha única vontade era a que tivesse mais contos! A temática é muito boa.

Sobre os autores:

Diogo Bernadelli – Nascido em 1989, é filho da inquieta geração Y. Paranaense, vive em Curitiba e é natural de Bandeirantes. Desde a adolescência dança a dança das cadeiras com as palavras, mas acredita ter se tornado algo próximo de um verdadeiro escritor nos últimos anos. Quando cavou fundo o bastante, até vencer a lama e encontrar água.

Vitor Toledo – Nasceu no interior de São Paulo, no último dia do agosto de 1987. Passou a escrever contos aos 16 anos. Graduou-se como cirurgião-dentista em 2009, e já nesta época conheceu grandes amigos na comunidade Contos Fantásticos. Participa da antologia “!” de Contos Fantásticos com os contos “O óbolo e o ébrio” e “Além da Miragem”.

José Geraldo Gouvêa – Autor mineiro de ficção. Criatura do inteiro, nasceu e sempre viveu na Zona da Mata Mineira, em cidades pequenas e de muita proximidade com o universo rural Sua ficção reflete isso. Casado e pai de duas filhas que também adoram “inventar histórias”, escreve desde os 14 anos, mais intensamente desde 2006. Formado em História e pós-graduado em Administração, é bancário. Publicou o romance Praia do Sossego, pela Editora Multifoco. Publicou contos em diversas antologias e participou como tradutor da antologia “O Mundo Fantástico de H. P. Lovecraft”, da editora Clock Tower.

Bia Machado – É a feliz proprietária de uma máquina do tempo. Com ela pode ser mãe, esposa, professora, leitora voraz, escritora compulsiva, revisora, editora. Formada em Pedagogia pela UFMS, ainda quer fazer uma graduação relacionada à escrita, não sabe ainda se Letras ou Jornalismo. Publicou um livro de contos em 2011, de forma independente, chamado “Certa Estranheza”. Participou de várias antologias e é autora do livro infanto-juvenil “Chuva de Madalena”.

Leia: Entrevista com a editora Bia Machado

Pedro Viana – Mineiro, de 1996, é estudante de Direito, leitor compulsivo, designer editorial e, sempre quando pode, escritor. Tomou gosto por histórias desde pequeno. O primeiro reconhecimento de sua carreira literária ocorreu em 2012, quando sua história “Lágrimas de Criança” foi uma das vencedoras do Prêmio Henry Evaristo de Literatura Fantástica. Desde então publicou em diversas antologias.
Fabio Shiva na noite de autógrafos do livro RedRum: Contos de Crime e Morte. Foto: Divulgação / Caligo Editora.

Fabio Shiva – É músico, escritor e poeta. Como alguns de seus escritores favoritos, exerceu diversas profissões: revisor, ghost-writer, camelô, body piercer, analista de RH, corretor imobiliário, diagramador, produtor cultural, secretário social, radialista, compositor de jingles políticos, professor de violão. Fundador da Comunidade Resenhas Literárias, que já fez circular mais de 1.500 livros pelo país. Publicou em 2013 o Sincronicídio, pela Caligo Editora. Atualmente escreveu seu segundo romance, Favela Gótica.

Leia: Entrevista com o autor Fabio Shiva

A. Z. Cordenonsi – É, na verdade, Andre Zanki Cordenonsi, um autor gaúcho de fantasia e aventura. Nasceu em 1975, em Santa Maria, Rio Grande do Sul, onde mora com a mulher, dois filhos, dois cachorros e um hamster chinês. Escreve sobre o que lhe passa na cabeça e não o deixa dormir à noite, quando as ideias se derramam no teclado como um trem descarrilhado. Apaixonado por tecnologia antiga, divide seu tempo entre ser pai, marido, professor e escritor. É romancista e contista, espalhando fantasia e terror por antologias diversas.

O livro RedRum: Contos de Crime e Morte pode ser comprado no site da Livraria Caligo. A antologia também está cadastrada no Skoob!

Comentários

  1. Adoro coletâneas de contos. E essa parece promissora. As referências a Edgar Allan poe e Hercule Poirot já demonstram tanto o nível, quanto a atmosfera dos contos. Pedro Viana, premiado aos 12 anos, maravilha.Fabio Shiva eu já acompanho e admiro muito. E seu comentário sobre o peso das palavras, a respeito de A Noiva Liberdade, é bem intrigante.

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    1. Oi, Ronaldo! Fico feliz que goste de coletâneas de contos. Espero que goste da surpresa que te enviei.
      Poe e Agatha Christie <3 Também tem referência ao russo Dostoievski, mas ainda não li as produções literárias dele. Preciso me organizar para me aproximar da literatura russa.
      Fabio Shiva é bom demais! Quanto ao Pedro, ele faz uns projetos gráficos lindos de livro.
      Abraços

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  2. Oi Ben, Tudo bem? Não sou muito ligada em livros de contos. Eu até curto ler contos vez ou outra. Mas não consigo gostar quando tem vários deles sabe? Acho que pra mim não funciona ler vários contos, um atras do outro. Por isso agora, tomei uma decisão. intercalo leituras de contos, com outros livros. E tem funcionado bastante pra mim. Estou gostando bem mais dos contos e aproveitando muito melhor a leitura :) . Mas você gosta bastante de livros de contos né? É aquilo mesmo, cada leitor tem seu estilo e sua técnica de leitura , heheh :)
    Mas gostei dos temas abordados nessa coletânea. Gosto de histórias que retratam esse tipo de coisa.
    Beijos
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

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    1. Oi, Gih! É terrível ler um livro de conto atrás do outro. Confesso, prefiro narrativas longas, mas como você disse: é uma boa decisão intercalar. Aliás, às vezes, é preciso dar um descanso para a mente da ficção e se aventurar pelos livros de não ficção também, sejam de ensaios ou teóricos. Para nós que lemos muito, é impossível não lidar com a 'ressaca literária', como costumam dizer.
      Muito obrigado por sua visita!!
      Beijos

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