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Destaques

Um último adeus sem volta

As coisas nunca seriam como antes. Uma vez que uma decisão era tomada, dificilmente voltava atrás, especialmente quando era a segunda chance que dava a alguém.  Tem coisas que não só o tempo ajudam a levar para longe, mas também uma tomada de ação consciente de que não importava o quanto esperava que o outro fosse mudar e amadurecer, as coisas não funcionavam só com base nas expectativas. Era preciso deixar ir quem um dia havia fingido que tinha a intenção de ficar. Era no mínimo hilário como a história se repetia e repetia, como se o outro não houvesse aprendido nada com o passado. Havia aprendido, no entanto, que o lugar de algumas pessoas era fora da nossa vida. Que uma vez que você tomasse uma decisão deveria sustentá-la por quanto tempo fosse necessário e que havia uma razão para você ter feito isso.  Ia, então, se acolhendo dia após dia, deixando o outro desaparecer, alguém que não tinha interesse nem de lembrar o nome, quem dirá o rosto. Alguém fadado ao completo esquec...

Mulher-Maravilha: Motivos para comemorar o sucesso do filme

O sucesso do filme Mulher-Maravilha (Wonder Woman) nos cinemas de diferentes países do mundo é motivo para se comemorar. Quando a escolha da atriz Gal Gadot foi anunciada para o papel da super-heroína, inúmeras pessoas reagiram negativamente, tentando dizer que ela não seria boa o suficiente. A atriz israelense não só se saiu muito bem, como junto com a diretora Patty Jenkins, ambas conseguiram se destacar em um universo desafiador repleto de estereótipos e ainda cheio de desigualdades, embora as mulheres tenham tanto talento quanto os homens. Vale lembrar que todo preconceito nem sempre vem só do polo oposto, como muitas vezes é interno, independente do grupo social.


A ficção em diferentes formatos não tem como premissa levantar bandeiras, mas acaba nos proporcionando inúmeras reflexões. Em tempos de extremismo, xenofobia, machismo e diferentes formas de disseminação de preconceitos e ódios, o filme Wonder Woman proporciona uma bela dose de catarse e levanta discussões pertinentes nos dias atuais.

A visão de Diana sobre a vida não é só fruto da convivência em uma sociedade matriarcal, mas também do olhar ingênuo de quem se aventura em outro mundo, outra cultura – ponto fundamental, já que a obra explora a guerra entre nações. Como uma criança inquieta, ela não hesita em questionar: uma das melhores mensagens do filme. Patty Jenkins conseguiu balancear o lado comercial do filme, sem abrir mão das sutilezas nas entrelinhas. Quando a secretária de Steve, por exemplo, revela qual é o ofício dela de fazer tudo o que o chefe manda, Diana revela que de onde ela veio isto é chamado de escravidão.

Diana se compromete com a humanidade. Mesmo estreitando laços com Steve, o amor da protagonista está mais para amor universal do que para o amor romântico – ponto que incomodou alguns que esperavam a completa independência emocional da heroína, sem se dar conta de que a ideia foi a de mostrar justamente o contrário: a de que o ego, em suas diferentes manifestações, pode levar a escolhas erradas. Mulher-Maravilha dá um show de empatia e nos lembra da importância de lutar pelas coisas que acreditamos, mesmo que muitos decidem ser coniventes e omissos. Em tempos de guerra, Diana não escolhe lados de acordo com bandeiras, mas mede as consequências por trás das ações – não se trata da figura da super-heroína que defende os ingleses só por defender, o que fica bem claro até o final do filme. Mesmo sendo aconselhada de que ela não pode salvar todos, ela resiste e não desiste de sua missão. Em nenhum momento ela se posiciona como alguém melhor do que os outros, seja por ser filha de Hipólita, a rainha das amazonas em Temiscira, por se destacar nos treinamentos ou durante a convivência com personagens que carregam diferentes cicatrizes.

"É sobre o que você acredita. Eu acredito em amor. Somente o amor pode salvar o mundo" – Diana, Wonder Woman

Diferente de super-heróis elogiados pela personalidade sarcástica, egocentrismo, poderes e posses, a principal ideia por trás da Diana do filme, confirmada pela própria diretora Patty Jenkins, é a de apresentar uma heroína que acredita no poder do amor, das mudanças e no aperfeiçoamento do ser humano. Jenkins revelou em entrevista ao New York Times a importância da arte de levar beleza para o mundo. O filme explora a importância do equilíbrio e do discernimento em diferentes aspectos da vida: não se trata da Mulher-Maravilha se sentir superior aos outros, seja por ser mulher ou por ter superpoderes, mas de lutar pela justiça, pela verdade e se manter fiel ao seu juramento de proteger aqueles que são vítimas de Ares, o Deus da Guerra. A humildade e abnegação de Diana servem como lembretes de que mesmo com privilégios, é importante respeitar os outros.

As cenas de ação do filme não deixam a desejar, mas a personalidade de Diana é o diferencial de Mulher-Maravilha. Ela poderia ser uma anti-heroína diante do seu passado, mas a personagem se transforma em um símbolo de resistência, imagem poderosa levando em conta os problemas mundiais que estamos enfrentando, como as possibilidades de guerra diante de políticos egocêntricos e mimados, que acham que o dinheiro pode comprar o mundo e que promovem o ódio àqueles que são diferentes. Diana simboliza a paz e por mais utópico que pareça, talvez seja exatamente o que precisamos em tempos que parecemos viver em uma trama de distopia. O roteiro não explora somente o silenciamento e opressão das mulheres, como de homens em posições mais baixas de poder e de como guerras matam milhares de inocentes, independente de como eles se sentem em relação aos governos. Aliás, apesar de mostrar a força feminina, uma antagonista ajuda a aplacar os egos frágeis que poderiam dizer que a mensagem do filme é a de mostrar uma mulher com virtudes e homens com seus vícios: a natureza da corrupção humana, da violência e do ódio é inerente a qualquer um, independente do sexo, identidade ou nacionalidade.

Assim como Anthony Burges em Laranja Mecânica questiona a liberdade e a capacidade do homem de escolher, condição que se anulada significaria também o fim de sua humanidade, Diana não só entende que os homens não são perfeitos e carregam suas próprias dualidades, muitas vezes, pendendo mais para a escuridão, como ela reconhece – o que não significa que ela aceita cegamente. As tentativas de dominação do ego e de superioridade nacionalista são responsáveis pelas guerras e se Diana acolhesse a ideia de Ares, ela seria tão ruim quanto ele. Se nem mesmo os deuses são perfeitos, por que esperar a perfeição do ser humano? O que não significa que precisamos manter o silêncio, assim como os artistas não temem se posicionar diante dos últimos anos caóticos, especialmente quando nossos destinos estão nas mãos de tolos que podem colocar tudo a perder a qualquer minuto. O mundo precisa de mais mulheres-maravilhas e de homens-maravilhas, não só nas telinhas, mas fora delas também – de pessoas que percebam que o mundo não gira ao redor de seus umbigos e que cada um de nós pode fazer sua parte para tornar o planeta um lugar melhor habitável. Mulher-Maravilha valeu cada minuto e cada centavo!



*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1), disponível no Wattpad.

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