Um
cenário pós-apocalíptico em que poucos sobreviveram a uma infecção que os cientistas não descobriram completamente como funciona e uma garota que tem a mesma fome dessas criaturas que agem como zumbis, mas em determinadas condições é autoconsciente e capaz de se controlar. Assim é a trama do livro
A Menina Que Tinha Dons, do autor
M. R. Carey, publicado no Brasil pela
Editora Rocco através do
selo Fábrica231, em 2014, com tradução de Ryta Vinagre.
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Para quem gosta de histórias de zumbis, A Menina Que Tinha Dons talvez não apresente tantas novidades. Um dos diferenciais deste romance é o foco que o escritor deu para a personagem Melanie e outras crianças que foram mantidas em uma base do exército para análise dos seus comportamentos e também de suas alterações biológicas.
“Algo se abre dentro dela, como uma boca se escancarando cada vez mais e gritando o tempo todo – não de medo, mas de carência. Melanie pensa que tem uma palavra para isso agora, embora ainda não seja nada que tenha sentido na vida. É fome. Quando as crianças comem, a fome não entra no cálculo. As larvas são servidas em uma tigela, você as apanha e põe na boca. Mas, nas histórias que ela ouve, é diferente. As pessoas nas histórias querem e precisam comer, e quando comem sentem-se preenchidas de alguma coisa. Isso lhes dá uma satisfação que nada mais pode gerar” – M. R. Carey, A Menina Que Tinha Dons
Os personagens principais do livro são Melanie, a garota infectada pela doença responsável pela destruição de pessoas; o sargento Parks, um homem encarregado de cuidar de uma das bases militares e que acaba se responsabilizando pela sobrevivência diante dos perigos do mundo exterior e a professora Helen Justineau que ministra aulas para as crianças e acaba se afeiçoando por uma de suas estudantes favoritas, Melanie.
Ao mesmo tempo em que nos entretém com as descobertas dos personagens relacionadas aos organismos e de que forma eles influenciam as pessoas infectadas e o ambiente, o livro nos faz refletir sobre as questões humanas diante de um cenário de tragédia, medo do desconhecido e segurança. Assim como as outras crianças, Melanie está aprisionada e é somente ao desenrolar da trama que ela vai começar a entender porque é diferente das outras pessoas e de que forma sua existência é vista como uma ameaça para os outros.
“A sensação – a fome torturante e aguda – dura muito tempo. Mas não é tão forte quanto a que Melanie teve quando sentiu o cheiro da própria Srta. J, bem perto dela, sem spray químico nenhum. Ainda é de dar medo – uma rebelião de seu corpo contra a mente, como se ela fosse Pandora querendo abrir a caixa e, sem importar quantas vezes disseram para não fazer, ela simplesmente foi feita assim e tem de abrir, não pode se conter” – M. R. Carey, A Menina Que Tinha Dons
É somente quando o equilíbrio da base militar é quebrado e Melanie é exposta à confusão que se transformou o mundo, que ela se dá conta de que ela e os seus colegas são usados como objetos de pesquisa, em uma tentativa desesperada de entender sobre como agem os fungos no corpo humano e uma possível cura. Tudo acontece de forma tão rápida, que à medida que a protagonista digere sua utilidade e o que teria acontecido aos outros infectados, ela é levada para uma jornada de vida e morte ao enfrentar as pessoas de fora e perceber que o mundo real no contexto atual é bem diferente dos livros e informações que ela aprendeu na escola.
Entre conflitos internos no grupo, especialmente com uma cientista obcecada por analisar Melanie e o caos externo de violência e disseminação da infecção mortal, os personagens passam por dilemas morais, tentando manter viva a humanidade que não foi engolida pelo autoritarismo e pela ansiedade de não entregar os pontos em um cenário cada vez mais sem esperança.
“O choque daquele primeiro gosto de sangue e da carne quente é tão intenso que quase faz Melanie desmaiar. Nada em sua vida foi tão bom. Nem mesmo ter o cabelo acariciado pela Srta. Justineau! A onda de prazer é maior do que ela. A parte dela que consegue pensar curva-se nessa catarata, tenta resistir, e se agarra ao que pode para não ser levada” – M. R. Carey, A Menina Que Tinha Dons
M. R. Carey mostra como a dinâmica dos personagens – ou estar perto de alguém confiável quando as estruturas se colapsam – pode fazer toda diferença. Do início ao final do livro, o leitor torce para que os personagens encontrem um modo de seguir em frente, ainda que o destino pareça ser o desmoronamento de tudo que se manteve. Os dramas humanos, as reviravoltas e as revelações da doença mostram o quanto a sociedade é frágil e assim como os personagens, nos colocamos no papel e ficamos andando em círculos, na esperança de que Melanie possa usar sua consciência para salvá-la de si mesma, dos seus iguais e de tudo aquilo que representa o seu fim.
Sobre o autor – Nascido em Liverpool, em 1949, M. R. Carey é roteirista e romancista de horror e fantasia. Escreve para as duas maiores editoras de quadrinhos norte-americanas, Marvel e DC, incluindo passagens pelas séries X-Men, Quarteto Fantástico e Batman. Para o selo Vertigo, foi responsável pelas séries Lúcifer (baseado no personagem criado por Neil Gaiman em Sandman) e Hellblazer, protagonizada pelo mago inglês John Constantine. Seus trabalhos aparecem regularmente na lista de graphic novels mais vendidas do New York Times.
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror
Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem
Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e
O Livro (Vol. 2), disponíveis no
Wattpad e na loja Kindle.
Que demais! Eu estou com esse livro parado na minha estante e quero muito dar uma chance pra ele <3 Adorei sua resenha
ResponderExcluirSai da Minha Lente
Oi, Clayci! Também estava com o livro na estante parada há um tempo. No começo, achei que minha leitura não seria tão prazerosa, mas acabei me surpreendendo. A única coisa que não gostei muito foi do título do livro. Acho que não combina muito com a obra.
ExcluirAbraços e obrigado pela visita!