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Para onde vão todas coisas que não dissemos?

Para onde vão todas coisas que não dissemos? Essa é uma pergunta que muitas pessoas se fazem. Algumas ficam presas dentro de nós. Outras conseguimos elaborar em um espaço seguro, como a terapia. Mas ignorar as coisas, muitas vezes pode ser pior. Fingir que as emoções não existem ou que as coisas não aconteceram não faz elas desaparecerem. Quando um relacionamento chega ao fim, pouco importa quem se afastou de quem primeiro. Mas há quem se prende na ideia de que se afastou antes – em uma tentativa de controlar a narrativa, como se isso importasse. O fim significa que algo não estava funcionando e foi se desgastando ao longo do tempo. Nenhum fim acontece por mero acaso. Às vezes, quando somos levados ao limite, existem relações que não têm salvação – todos limites já foram cruzados e não há razão para impor limites, somente aceitar que o ciclo chegou ao fim. Isto não significa que você guarde algum rancor ou deseje mal para a pessoa, significa que você decidiu por sua saúde mental em pri...

Resenha: Confissões ao Mar – Kadu Lago

Confissões ao Mar é o nome do livro escrito por Kadu Lago, lançado em 2000 e que está em sua 2ª edição (2010), com 256 páginas e publicado pela Copacabana Books. O romance com temática gay mescla fluxo de pensamentos, cartas e a estética visual para contar a história do protagonista Mateus, suas experiências de vida, o amadurecimento, a autodescoberta da sexualidade, as paixões, os amores, suas lembranças e confissões.

Narrada em primeira pessoa, a história se passa no Nordeste, para ser mais preciso em São Luís, Maranhão, onde Mateus nasceu e viveu com a sua família, e no Norte do Brasil, em Belém. Com uma escrita envolvente, o leitor viaja pelas memórias do personagem, entre paisagens de tirar o fôlego – não dá para ler sem se imaginar naquelas praias, com muito sol e mar ou até mesmo no ambiente rural, onde está a fonte de sobrevivência do protagonista.

Com um irmão e uma irmã, Mateus é o filho do meio e é muito ligado à sua família e às tradições. Em Confissões ao Mar o leitor acompanha o desenvolvimento do adolescente com suas dúvidas, inseguranças e medos até a sua transformação em um homem de negócios, na qual ele tenta preencher uma lacuna de sua vida e mesmo com o amadurecimento, algumas questões continuam o incomodando.

O processo de descoberta de todo homossexual acontece gradualmente. No livro fica claro como desde a infância o personagem já tinha suas inquietações e sentia atração por pessoas do mesmo sexo, por mais que tentasse esconder ou negar para si mesmo. Um colega de Mateus se apaixona por ele em sua adolescência, no entanto o medo do desconhecido e das reações da sociedade e da própria família faz com que o rapaz deixe aquela chama se apagar e afaste Giovanni de sua vida. Depois daquele primeiro mergulho no desconhecido, com o passar do tempo Mateus viaja para a Europa e termina um namoro com uma jovem e mais tarde se envolve com uma mulher chamada Fátima.

Alguns episódios do livro definem a personalidade do protagonista, com os seus altos e baixos, mas é durante uma viagem para Belém, na qual Mateus conhece Alejandro que o jovem começa a experimentar os verdadeiros prazeres da vida. “Não adianta medir forças com a mente, muito menos com o coração. O intocável é sempre aquilo que mais nos toca” – frase do personagem em que fica óbvio como não dá para dominar nossas paixões, sentimentos, vontades e desejos, principalmente quando estamos diante de algo avassalador.

Mesmo sabendo de sua inegável atração por Alejandro, os valores morais, familiares e religiosos de Mateus o impedem de ser verdadeiramente feliz. O livro aborda o preconceito das famílias contra gays, a saída do armário, o amor entre dois homens e os conflitos internos de quem não se aceita como realmente é.

Meu trecho favorito do livro: 

“Não sei se nós é que somos como as mariposas ou se as mariposas é que são como nós. Porque, como mariposas, muitas das vezes somos atraídos por uma beleza, um prazer, um sentimento... Algo que desejamos muito e que mais tarde nos matará. Mas, quando atraídos, a única coisa que conseguimos enxergar e sentir é a luz do objeto do nosso desejo. O calor que aquece a nossa vontade... E quanto mais a gente se entrega, mais deseja se entregar. No fim, somos todos, nós e as mariposas, seres suicidas” (Confissões Ao Mar, Kadu Lago, página 91).

Para quem gosta de romances gays, Kadu Lago transmite a inocência do amor, sem deixar de lado o erotismo, tornando a leitura agradável e estimulando todos os sentidos. No meio desta brincadeira de palavras, torna-se impossível não se emocionar ao longo das páginas com a trajetória de Mateus, seus conflitos dramáticos, demônios e o desfecho da história. Entre perdas e ganhos, o protagonista tenta se reconstruir já que depois daquele relacionamento, sua vida muda completamente.

Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência, já que segundo informações da Saraiva Conteúdo, escritas por Andreia Mayumi, parte do enredo do livro contém trechos autobiográficos, sendo inclusive o autor acusado de expor sua família na obra. Na época em que foi lançado em 2000, Confissões ao Mar fez tanto sucesso que esgotou rapidamente nas livrarias.

Em relação ao mercado literário gay internacional, o Brasil ainda está dando seus passos na publicação de obras e projeção de autores com esta temática. Em Confissões ao Mar, Kadu Lago deixa a sua contribuição com essa narrativa emocionante e romântica, mostrando que há um público interessado em consumir estes livros – em contraste com as editoras que só abordam a homossexualidade do ponto de vista científico, psicológico e filosófico, deixando de lado o mundo das narrativas literárias.
O gosto por ouvir – ou melhor, ler – uma boa história é retomado, onde o leitor é entretido e tira as suas próprias conclusões sobre a vida, levando a uma reflexão sobre um tema que ainda não é tão abordado nos meios de comunicação.

Sobre o autor – Kadu Lago também é autor de Dolores – Aluga-se um quarto num apartamento de família, editado em 2005, e escreveu outros textos para o teatro. Confissões ao Mar foi o primeiro romance escrito por Kadu e uma de suas maiores paixões. O autor já escreveu para jornais e foi cronista de O Imparcial, no Maranhão. Em 2013, o escritor lançou o livro O Girassol.

Confira a página no Facebook do livro Confissões ao Mar

*Ben Oliveira

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