Hoje decidi ir a uma biblioteca ler. Sem internet em casa e com vontade de aprender mais sobre escrita, saí da minha zona de conforto e fui visitar este lugar encantado, onde as pessoas deveriam visitar mais. Para quem gosta de mergulhar nos livros, aprender sobre assuntos desconhecidos e aproveitar o tempo para conhecer obras que não têm em casa, para mim ainda não há lugar melhor do que uma biblioteca.
Quando penso em bibliotecas três palavras vêm a minha cabeça: livros, estudos e silêncio. Cheguei ao lugar pela manhã na expectativa de continuar escrevendo o manuscrito de um romance, pesquisar mais sobre o assunto e entender melhor sobre o universo da criação literária. No entanto, o tempo era pouco e tudo o que eu pude fazer foi aproveitar cada minuto para absorver o máximo de informação.
Encontrei com uma amiga no local brevemente e juntos procuramos os livros que eu precisaria. Quando não conseguia encontrar o material de leitura que gostaria, esta amiga me ajudou a pesquisar. Como era a primeira vez em que eu ia lá, ainda estava perdido. Foi só anotar o código do livro que logo me localizei.
Despedi-me desta amiga que trabalharia em outro andar e fui até a mesa com três livros, meu caderno e canetas. Sentei e a primeira impressão que eu tive foi de como o lugar estava vazio. Com tantas opções de leituras interessantes, me alegraria ver a biblioteca repleta de pessoas. Sabendo que não teria todo o tempo do mundo lá e que não conseguiria fazer o meu cadastro no dia, pois estava sem um comprovante de residência, dei prioridade para a obra que me ajudaria mais no processo de criação do meu romance – até mesmo quando se trata de ficção, é preciso pesquisar bastante, para a narrativa ter certa verossimilhança e não parecer tão improvável.
Então, comecei uma leitura e depois de dois capítulos, para não ficar preso só em um livro, abri o outro. Tudo estava tranquilo e apesar de não se tratar de uma obra de ficção, eu estava viajando pelo texto de um homem que investigou bruxos, gravou documentários sobre o assunto, entrevistou personagens, acompanhou rituais e desmistificou a prática da feitiçaria para os leitores. O livro se chamava A Verdade sobre a Bruxaria, de Hans Holzer. Depois de algumas páginas, aproveitei para ler o livro Redação e Criação, de Assis Brasil. Quando vi o título da obra e quem era o autor, logo fiquei curioso, pois para quem não conhece, Assis ministra oficinas e cursos de criação literária e escrita criativa no Brasil. Porém, ao perceber que o livro era voltado para quem ia prestar o vestibular, me desanimei um pouco, mas fiz questão de ler até o final.
No meio da leitura, fiquei distraído com o som ambiente. A bibliotecária estava sentada em frente a um computador e falando alto no celular – aparentemente o sinal da ligação não estava bom. Fechei os olhos e pensei: “Isto não está acontecendo”. Eu tinha saído de casa para ler, não só por estar sem internet no momento e sem livros sobre os assuntos que queria pesquisar, mas também porque gosto do silêncio e de como o conteúdo é absorvido com mais facilidade quando estamos concentrados no que estamos fazendo. Olhei para trás, na esperança de que ela percebesse que estava atrapalhando ou que outro funcionário pedisse para que ela atendesse o celular em outro lugar, e nada.
A mulher continuava falando no celular. E o problema de telefone móvel em lugares públicos é que dependendo do volume da conversa, você pode até não escutar o que a pessoa do outro da linha está dizendo, mas acaba ouvindo, mesmo que sem querer, quem está no mesmo ambiente. E no meio de um texto sobre linguagens, eu me esforcei para me concentrar, mas a bibliotecária estava conversando tão alto que não pude evitar em ouvi-la perguntando como fazer uma farofa, se era temperada e se ia ovo ou não na receita.
“Que legal”, pensei. “Se a própria bibliotecária não faz silêncio, quem dirá os outros”. E como se o meu pensamento não fosse óbvio o suficiente, quando girei a cabeça para trás, notei que eu era o único que estava lendo livros no ambiente. A poucos metros de mim, um velho usava o computador e navegava pelo Facebook. Em outra direção tinha um homem dormindo na mesa. Atrás de mim, em outro computador, estava uma mulher verificando o e-mail.
Algum tempo depois, o celular do velho tocou e ele saiu do ambiente para atendê-lo. Ótimo. Seria melhor ainda se o próprio público da biblioteca também respeitasse o silêncio. Quando ele se sentou, dividido entre o livro e as pessoas, percebi que agora ele estava se divertindo com um jogo de cartas no computador. Outra mulher atendeu o celular e ficou marcando um encontro. “Agora não posso falar. Se é que você me entende”, ela dizia alto, que até eu “entendia” sobre o que ela dizia.
Vencido pela fome e pelo cansaço, decidi ir embora. Saí de lá pensando até que ponto valia a pena ler lá ou emprestar os livros e devorá-los na minha própria casa. Eu estava em uma biblioteca, mas parecia que as pessoas estavam mais interessadas nas outras tecnologias. Apesar de ninguém comentar nos dias atuais, o livro por si só é uma tecnologia também, utilizada para transmitir informações e conhecimento, que tem perdurado ao longo dos tempos. Mas, dentro do lugar, as obras estavam em suas estantes, solitárias, esquecidas, enquanto o público se distraía com o computador, internet e celular.
Nem tudo está perdido. Apesar do ambiente físico da biblioteca estar perdendo público e sua função cada vez mais na pós-modernidade, ao menos os usuários estão criando suas próprias bibliotecas virtuais, compartilhando dicas de leituras e ebooks gratuitos disponíveis liberados pelos autores. E como fica a biblioteca na pós-modernidade? Sinceramente, não sei responder. Não se trata da tecnologia estar ultrapassada, afinal, os livros sempre fizeram e espero que sempre façam sucesso, mas do hábito das próprias pessoas. E no mundo pós-moderno, onde a aparência vale mais do que o que realmente é, tudo é possível, até mesmo escutar “estou na biblioteca”, como se a pessoa de fato estivesse usufruindo do seu acervo, quando, na verdade, ela está fazendo qualquer coisa, menos lendo.
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