Pular para o conteúdo principal

Destaques

Soltar o peso e seguir em frente

Criar memórias. Ouvir músicas antigas. Aprender algo novo. Pequenas coisas que fazem a diferença. É a soma dos pequenos hábitos que vão transformando nossa vida. Às vezes, seguir para frente é o único modo de se desprender de um passado que não te serve mais. Em vez de escolher o papel de vítima do outro, que caia tão bem ao outro, é preciso buscar caminhos alternativos para cuidar de si mesmo. Foi ao se reconectar consigo mesmo, que precisava reaprender a viver com leveza, deixando de lado o peso que era do outro. Era levando um dia de cada vez que mais tinha certeza de que havia feito o certo: abrir mão de quem estava deixando sua vida pesada, cheia de reclamações e problemas. Somente ao deixar ir, foi notando que a vida poderia ser leve. Estar próximo de quem reclamava de tudo e tinha uma visão tão negativa sobre a vida, estava afetando a própria saúde mental, gerando estresse, alimentando a ansiedade e afetando sua estabilidade. Enquanto fazia bem para o outro desabafar, ela estava...

Resenha: O Amante Alemão – Lélia Almeida

O Amante Alemão, livro escrito por Lélia Almeida, publicado em 2013 pelo Instituto Estadual do Livro (IEL) e Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas (Corag), conta a história da jornalista Duzília Flores e do seu envolvimento com um alemão que ela conhece após se mudar para uma cidade no Sul do Brasil chamada Santaluz.

Duzília Flores aborda o seu caso com o alemão Johan Hermann, paralelo a outros acontecimentos da cidade. Santaluz é um lugar que a princípio fascina a jornalista pela sua beleza natural e influência alemã, mas com o passar dos anos revela uma cidade desagradável graças ao comportamento dos seus moradores, os segredos e problemas relacionados a uma das fontes de renda local, a cultura do fumo.

Além da protagonista, o leitor se envolve com a história dos outros personagens, nesta narrativa em que a autora costura diferentes pedaços de tecido, vivências e psicológicos em uma colcha encantadora. Lélia Almeida utiliza diferentes símbolos para identificar os diferentes pontos de vista na narrativa, contando diversas histórias ao mesmo tempo e mantendo o leitor intrigado e suspenso até que o narrador apareça novamente.

As descrições da cidade onde se passa a história são um convite para uma viagem ao Rio Grande do Sul, pelos municípios em que o alemão é falado fluentemente pelos seus cidadãos e a cultura gira ao redor da tradição, culinária e modos de vida influenciados pelos seus colonizadores. No entanto, ao mesmo tempo em que a escritora ressalta os pontos positivos de se visitar e conhecer essas cidades rurais do sul do país através da perspectiva de uma jornalista recém-chegada, com o desenvolver da narrativa, ela faz uma análise e mostra o desconforto, sofrimento e dramas vividos na pele por Duzília Flores e outros moradores da cidade.

A história também aborda o abafamento de problemas e estilo de vida dos cidadãos, além de refletir sobre os desafios de se morar em um lugar onde só se fala alemão como se fosse sua língua nativa, mesmo dentro do Brasil, e a exclusão de pessoas que não possuem características germânicas e são tratados com indiferença e repulsa à luz do dia, porém como Duzília, se tornam amantes desses hipócritas alemães, homens e mulheres do lugar.

À medida que Duzília Flores se envolve mais com Johan Hermann, a jornalista imagina a esposa do alemão, uma mulher frágil e frígida chamada Brigitta que pela visão da amante, deseja se libertar da vida que escolheram para ela e de si mesma. Neste jogo de só ver Johan quando vai ao Brasil, Duzília não só se torna dependente de sua paixão, como cria uma intimidade com a esposa alemã, na qual imaginação, misticismo e histeria se combinam. As duas mulheres se comunicam através de sonhos e pensamentos, compartilham segredos, desejos e conselhos. Por mais que Duzília não consiga se afastar do alemão, a brasileira constrói uma amizade com Brigitta e promete ajuda-la, como é mostrado na narrativa psicológica.

Se no início do livro o ponto principal é o caso entre Ducília e Johan, com o desenvolvimento da narrativa o leitor se envolver com todos os personagens e fica faminto de curiosidade para saber mais sobre suas histórias, conflitos e resoluções. O leitor se torna cúmplice do affair, dos mistérios, casos de suicídio e mortes de Santaluz, da frustração e renascimento de Brigitta, entre uma séries de dramas, retalhos que estão interligados e não poderiam ter sido costurados melhor por Lélia Almeida.

O Amante Alemão tem um final surpreendente e depois de cativar e envolver quem está lendo, da primeira até a última página, a autora proporciona um encontro catártico entre personagens e leitores, os iniciando neste ritual entre amantes.

Ganhei o livro como prêmio do Concurso de Narrativas Morro Reuter 2013, do terceiro lugar da categoria Graduação e Pós-Graduação com o conto Monga, e me surpreendi com esta deliciosa história, em que a boa literatura se combina ao prazer da leitura. O Amante Alemão é só mais uma prova de que o Brasil possui bons escritores e que devem ser mais valorizados, como Lélia Almeida. O tipo de leitura que vale a pena a cada página, cada minuto.

Sinopse: O amante alemão de Duzília Flores, portanto, se chamava Johan Hermann e vinha com as águas de março, no final de verão, durante um curto período de tempo. Vinha de muito longe. Duzília Flores nunca sabia de onde e não perguntava, essa era a regra. Encontravam-se para ser bom, e sem os problemas concretos da vida real que minam os romances e acabam com o erotismo.

O encontro entre Duzília Flores e Johan Hermann era uma celebração erótica e nada mais. Lúcidos, namorados, envelhecendo assim, uns poucos dias em março, todos os anos, durante doze anos já.

Sobre a autora – Lélia Almeida nasceu em Santa Maria (RS), em 1962. É autora de Antônia (1987), Senhora Sant’Anna (1995) e Querido Arthur (1999) – novelas; 50 ml de Cabochard (1996) e Mujer de palavras (2011) – crônicas; A sombra e a chama: as mulheres d’O tempo e o vento (1996) e As meninas más na literatura de autoria feminina (1996) – ensaios; As gregas do Mangue (2011) – esquetes. Participou da antologia O livro das mulheres, organizada por Charles Kiefer, em 1999. Foi professora universitária e, atualmente, é tradutora e trabalha como consultora do gênero, direitos humanos e segurança pública em Brasília, onde vive. Mantém o blog mujerdepalabras.blogspot.com e escreve para vários veículos eletrônicos de todo o país.

Comentários

Mais lidas da semana