Finalmente tive a oportunidade de ler
A Menina que Roubava Livros, do
Markus Zusak, publicado no Brasil, pela
Editora Intrínseca, com tradução de
Vera Ribeiro. O livro tem 480 páginas e é narrado em primeira e terceira pessoa pela
Morte, cuja protagonista é uma garotinha chamada
Liesel Meminger.
A Menina que Roubava Livros é um desses romances emocionantes. Sabe quando você assiste ao filme antes de ler o livro? Mesmo tendo feito isso, a cada virada de página me vi cada vez mais envolvido na história. Não importava se eu já sabia o que iria acontecer, eu queria mais e mais, assim como Liesel e sua necessidade de roubar livros. O texto da contracapa por si só já é um ótimo gancho:
“Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler”.
Desde a chegada de Liesel até a
Rua Himmel, onde acompanhamos a sua oportunidade de recomeçar ao lado de
Rosa e Hans Hubermann, até os minutos finais, somos inundados por um sentimento de simpatia e compaixão pelos personagens principais, com uma catarse esperada e libertadora.
Logo no prólogo somos envolvidos pelos braços da Morte que nos convida para um passeio, no qual um livro e sua memória são misturados. Logo nas primeiras palavras de abertura, a narradora passa suas impressões, as quais acompanhamos até a última página do romance.
“Primeiro, as cores. Depois, os humanos. Em geral, é assim que vejo as coisas. Ou, pelo menos, é o que tento. Eis um pequeno fato: Você vai morrer”.
O cenário e a protagonista são introduzidos de forma breve no prólogo, até o início da primeira parte (de um total de dez partes). Alguns dos títulos das partes são nomes dos livros roubados pela protagonista, enquanto outros marcam alguns pontos principais da história.
Eu poderia dizer que a história é linda, mesmo diante de tanta tragédia, mas minhas palavras jamais seriam justas em relação ao livro. Se até a Morte ficou sem palavras ao descrever a
brutalidade e a beleza do que aconteceu, creio que eu também possa me reservar ao direito de entender que a obra toca aquilo que há de mais íntimo em cada um de nós e provoca reações diferentes. Antes de ler A Menina que Roubava Livros, por exemplo, eu não me lembro de quando foi a última vez que tinha lido um romance e me deixado levar pela onda catártica, derramando lágrimas.
“Quando Max ficava só, sua sensação mais clara era a de estar desaparecendo. Todas as suas roupas eram cinzentas – houvessem ou não começa assim –, desde as calças até o suéter de lã e o paletó, que agora escorria dele feito água. O rapaz verificava com frequência se sua pele estava escamando, pois era como se ele estivesse em processo de dissolução”.
O que é tão encantador em A Menina que Roubava Livros é o poder que as palavras (e livros) exerce sobre as pessoas. Podem os livros salvarem, literalmente, as pessoas? As histórias ganham contornos poderosos, servindo não só como uma distração e esquecimento por alguns instantes do caos que acontece pela Alemanha, em tempos de
Guerra e Nazismo, mas também servem para abrir os olhos e salvá-los da ignorância, daquilo que é aceito como uma verdade sem ser questionado e pode causar o sofrimento de outro ser humano.
Não é preciso ir muito longe para entender o poder que as histórias exercem nos escritores, por exemplo. Muitos deles, assim como eu, comentam a necessidade que tem de escrever, encontrar sentido para a vida, relembrar momentos, inventar outros. De qualquer forma, A Menina que Roubava Livros é uma história não só sobre uma menina que furtava obras, numa época em que muitas deles eram proibidas e o
Mein Kampf (Manifesto de Adolf Hitler) era tido como a verdade absoluta, porém de Liesel e de como as palavras a salvaram do sofrimento, da impotência, de tudo aquilo que fugia ao seu controle e de como ela precisava escrever sua própria história, seus sonhos e lembranças para compreendê-los e sentir-se viva.
“Ao observar tudo isso, Liesel teve certeza de que aquelas eram as mais pobres almas ainda vivas. Foi o que escreveu sobre elas. Seus rostos macilentos esticavam-se pela tortura. A fome os devorava, enquanto eles seguiam em frente, alguns olhando para o chão, para evitar as pessoas que ladeavam a rua...”
Confesso, tive que me controlar ao ler o livro para não marcá-lo inteiro. Tenho o hábito de marcar meus trechos favoritos, mas na história de Markus Zusak não o fiz, seja porque ele estaria cheio de frases e parágrafos sublinhados ou para não quebrar o ritmo da leitura. A diagramação do livro ajuda neste freio na leitura, causando uma sensação prazerosa e angustiante, principalmente nas passagens tristes, em que você deseja que elas cheguem logo ao fim.
Além de Liesel e sua família, o leitor também acompanha a amizade da menina com Rudy e com Max, sendo o primeiro o seu amigo desde o início e o outro um judeu amparado por Hans e Rosa, o qual tem um papel fundamental na narrativa e na vida da protagonista.
Alguns dos pontos interessantes do livro:
– O autor explora a intertextualidade (diálogo do livro com outras obras) e intratextualidade (diálogos com textos dentro do livro);
– As metáforas e analogias que tornam a história mais gostosa de ser lida e imaginada;
– O contexto histórico e o local em que o romance se passa possibilitam uma viagem pelo tempo e enxergar a situação vivida pelos alemães (principalmente, os que não simpatizavam com o nazismo ou a guerra, que enfrentavam a pobreza) e as situações deploráveis aos que os judeus e prisioneiros de guerra foram submetidos, lembrando que da mesma forma que as palavras têm o poder de emocionarem e criarem coisas belas, elas também são responsáveis pela destruição e morte, por causa da persuasão de Hitler.
“Após uma pausa abortada, a mulher do prefeito deu um passinho à frente e apanhou o livro. Estava machucada e abatida, e não por sorrir, dessa vez. Liesel pôde vê-lo em seu rosto. Havia sangue a lhe escorrer do nariz e lhe empastar os lábios. Seus olhos tinham-se arroxeado. Cortes se abriram e uma série de ferimentos aflorou à superfície da pele. Tudo por causa das palavras. Das palavras de Liesel”.
Recomendo o romance A Menina que Roubava Livros não só pelo envolvimento emocional com os personagens ou por ter sido um best-seller (nem todo livro que vendeu muito tem qualidade literária), porém por sua história ter sido bem escrita e pelo escritor ter explorado diferentes recursos estilísticos que tornaram sua leitura tão prazerosa.
Sobre o autor – Markus Zusak nasceu em 1975 e é autor de cinco livros, incluindo A garota que eu quero e Eu sou o mensageiro, acolhidos com críticas radiosas nas revistas Publishers Weekly, School Library Journal, KLIATT, The Bulletin e Booklist, e recebeu o Prêmio Livro do Ano para Leitores Mais Velhos, concedido pelo Conselho Australiano de livros infantis. O escritor mora em Sydney, na Austrália, com a esposa e os dois filhos.
Excelente resenha Ben, não tenho essa paciência toda para descrever uma historia que li.
ResponderExcluirOlá, Thiago! Muito obrigado por sua visita e comentário...
ExcluirProcurei abordar os pontos principais, os que mais me marcaram, sem tirar a diversão de quem ainda não leu o livro. Dá um pouco de trabalho, mas vale a pena!
Abraços e volte sempre!
OI Ben, otima resenha mais uma vez. Tenho uma relação de muito amor com esse livro. A historia é linda, ainda que triste. E a morte contando a historia foi uma grande jogada. "Eis um fato: Voce vai morrer", melhor narradora não teria. Abraços!!!
ResponderExcluirhttp://profissao-escritor.blogspot.com.br/
Oi, Gih! Muito obrigado por seu comentário!
ExcluirConcordo contigo... A morte foi uma ótima narradora! Uma vez, li um conto, no qual a morte era uma personagem e estava cansada do trabalho dela... Foi bem bacana também.
Abraços!