Minha terceira leitura de fevereiro foi o
livro Selvagens, do autor
Don Winslow, de 288 páginas, publicado no Brasil, em 2012, pela
Editora Intrínseca, com tradução de
Alexandre Martins.
O título original do livro é
Savages e a capa da edição brasileira é a mesma do cartaz brasileiro de sua adaptação cinematográfica, Selvagens, dirigido por Oliver Stone e lançada em 2012. Já havia assistido ao trailer do filme e tinha visto na livraria, mas não fiquei tentado a comprar. Um amigo comprou o livro durante a Bienal Internacional do Livro de São Paulo, porque estava na promoção, e como ele acabou comprando mais pelo preço do que pela história em si, acabou não gostando e me deu – quase não gosto de ganhar livros, né? Sem mais enrolações, vamos ao que interessa!
Uma das vantagens de não se criar tanta expectativa sobre um livro é que ele pode acabar te surpreendendo e assim foi com Selvagens. O romance é um thriller sobre o tráfico de drogas. Os personagens principais são Ben, Chon e Ophelia, jovens amigos que moram na Califórnia e ficaram ricos por causa de uma variedade da maconha que eles desenvolveram e venderam, a ponto de despertar o interesse do Cartel de Baja, do México.
“Chon não fala muito. As pessoas que não o conhecem acham que é por falta de vocabulário. Mas a verdade é o oposto: Chon não usa muitas palavras por gostar demais delas. Ele as valoriza, então tende a guardá-las para si”.
A história é narrada em terceira pessoa, através de uma linguagem bem ágil e cinematográfica, como se cada uma das subdivisões da narrativa cortassem para uma cena diferente e, às vezes, literalmente, quando Don Winslow usa a linguagem de roteiro. As características contemporâneas de Selvagens são seus grandes diferenciais. O autor consegue dosar bem a questão dos jogos com as palavras e as inúmeras referências da cultura pop.
Ben é inteligente e apesar de ter ganhado milhões de dólares com a venda de drogas, ele tenta compensar viajando para outros países e investindo em maneiras de ajudar os moradores destas regiões inóspitas a melhorarem suas vidas. Chon é um ex-mercenário treinado pelos fuzileiros navais que conhece os horrores do mundo. Além do utópico Ben e do niilista Chon, existe Ophelia, também conhecida como O., que vive um triângulo junto com os rapazes. A personagem é impulsiva e, por vezes, caricata, por causa de seus conflitos internos e como ela se posiciona diante da vida.
“Ben é madeira quente, Chon é metal frio Ben é carinhoso, Chon, indiferente Ben faz amor, Chon faz sexo Ela ama os dois. O que fazer, o que fazer?”.
Então, cansado de continuar neste negócio, Ben quer mudar de vida. Ele e Chon são convocados pelo Cartel de Baja, um dos mais perigosos do México, e diante da recusa dos dois, Ophelia é sequestrada. Esse desenrolar das coisas e as reviravoltas são envolventes. O leitor não só acompanha o que acontece aos “mocinhos”, mas também com os seus antagonistas.
Don Winslow escreveu um romance com uma dose acidez e realismo. Nas primeiras páginas do livro, não pude deixar de pensar em Clube da Luta, do escritor Chuck Palahniuk, talvez por causa do personagem Chon, de alguns discursos e suas contradições. O termo “Selvagens”, por exemplo, na narrativa, para os mexicanos é a maneira que eles descrevem os norte-americanos e vice-versa. A ideia de que algum dos dois lados seja menos violento, ou melhor, mais civilizado do que outro, por questões regionalistas, é só uma das críticas presentes na narrativa.
Ainda sobre a questão da linguagem. Alguns termos perdem sua potência na tradução, mas o tradutor fez um ótimo trabalho de manter a intencionalidade do autor. Esqueça aqueles romances comerciais, cujos capítulos parecem ter a mesma média de caracteres. Don Winslow faz uma série de quebras ao longo da narrativa, consegue ser bem conciso quando quer e adora brincar com o ritmo das palavras, que fica bem evidente, por exemplo, quando ele descreve as cenas de sexo. Os personagens também têm suas próprias maneiras de criarem palavras.
“Doce, doce Bem, tão lento e gentil tão forte e gentil, tão quente quente quente quente, cacete, seus olhos castanhos olhando nos dela questionando, perguntando se esse prazer pode ser real perguntando se esse prazer realmente pode ser encontrado, e seu sorriso uma resposta, o sim porque seu sorriso dá a ela um pequeno gozo, a primeira pequena onda”.
Os conflitos acontecem tão rápidos, que fica difícil resistir a continuar lendo. Como algumas partes são mais curtas do que outras, quando você vai ver, já está envolvido com outra cena. É prazeroso ver as diferentes encrencas que Ben e Chon se metem para tentar salvar Ophelia, ainda que o cativeiro dela não pareça tão ruim assim e um tanto ‘pós-moderno’. Não dá para fechar o livro até saber como a história termina!
Outras relações de narrativas que fiz enquanto lia Selvagens: o filme Spring Breakers (2012), da diretora Harmony Korine, o livro nacional Voláteis (2005), do escritor Paulo Scott, publicado pela Editora Objetiva e a extinta série Weeds que contava a história de uma dona de casa que vendia maconha e se envolveu com o tráfico de drogas, até mesmo com o cartel mexicano.
Sobre o autor – Don Winslow é ex-detetive particular, consultor e autor aclamado de outros doze romances, entre eles The Dawn Patrol, The Winter of Frankie Machine, The Power of the Dog, California Fire and Life e The Death and Life of Bobby Z. Winslow mora no sul da Califórnia.
É isso... E você, já leu Selvagens? Assistiu ao filme? Curioso par ler? Não deixe de interagir!
Oi Ben!
ResponderExcluirÉ tão bom mergulharmos em um livro sem expectativas e sermos surpreendidos. Em geral, quando a expectativa é muita, acabamos nos decepcionando, mesmo que o livro seja bom, não é mesmo?
Gostei da descrição "com acidez e realismo".
Confesso que esse livro não me desperta muito interesse, mas li outro do autor ("O Inverno de Frankie Machine") e gostei bastante.
Não assisti a adaptação do Stone, nem os filmes e a série com os quais você fez relação (só "Clube da Luta", claro!)
Beijos
alemdacontracapa.blogspot.com
Oi, Mariana!
ExcluirMinha expectativa sobre o livro era nula... Para dizer a verdade, esperava algo meio trash, porque nem todo best-seller vale a pena ler. Porém, me surpreendi. Se você gostou de Clube da Luta, é provável que goste de Selvagens. O personagem é bem niilista. Ainda não li outros livros do autor.
Obrigado por sua visita e comentário!
Beijos
Da primeira vez que vi esse livro a sinopse me remeteu ao filme Traffic. E foi o que me desanimou a lê-lo, porque detestei o filme. Já a sua alusão ao Clube da Luta me fez mudar de ideia, já que amo esse filme. Além do que, estou lendo Reze Pelas Mulheres Roubadas, que me despertou o interesse pelo impacto social e político que o narcotráfico tem causado no México. E referência à cultura pop então eu AMO. Ótima dica.
ResponderExcluirOi, Ronaldo!
ExcluirSe você gostou de Clube da Luta, vai ver muitas ideias parecidas, como a questão do 'trabalho x fazer aquilo que gosta', além do niilismo. O thriller tem uma pegada muito boa. A linguagem também. Se fosse somente uma história do tráfico de drogas no México, eu não teria me interessado. O que faz a diferença é a maneira que ele escreveu a narrativa.
Abraços! Na dúvida, assista ao filme antes de ler o livro (deve tirar um pouco da graça, mas tudo bem).