Os anos passam mais algumas músicas continuam fazendo sucesso. Neste mês do Orgulho LGBTQIA , Born This Way , da Lady Gaga , permanece sendo reconhecida como um hino LGBTQIA. Mais do que cantar sobre a causa, a importância da própria identidade e aceitação, a cantora da música lançada em 2011 é também co-fundadora de uma fundação que apoia comunidades LGBTQIA. Segundo informações do site da Born This Way Foundation , a missão é: “Empoderar e inspirar os jovens a construírem um mundo mais gentil e corajoso que apoia a saúde mental e o bem-estar deles. Baseado na relação científica entre gentileza e saúde mental e construído em parceria com os jovens, a fundação incentiva pesquisa, programas, doações e parecerias para envolver o público jovem e conectá-los com recursos acessíveis de saúde mental”. Mais do que uma música para inspirar a Parada do Orgulho LGBTQIA ou ser ouvida o ano inteiro, Born This Way deixou esse grande legado que foi a fundação que já ajudou muitos jovens LGBTQIA. E o...
O livro Sete Cabeças, de 304 páginas, foi escrito por Bruno Godoi e publicado em 2014, pela Editora Empíreo (Editora parceira do Blog do Ben Oliveira). Para quem gosta de romances policiais e narrativas sobrenaturais, o autor consegue trançar essas temáticas, desenvolvendo duas histórias paralelas: Caso 132 e Frigorífico. O que elas têm em comum? Personagens sombrios, com tramas surpreendentes. Conheça mais sobre a minha leitura da semana!
Sete Cabeças traz duas narrativas, com alguns elementos em comum que fazem parte do estilo e essência do Bruno Godoi nesta obra: a associação de palavras (dá ritmo à narrativa e lembra o método psicanalítico inicialmente proposto por Freud), os Testes de Rorschach (avaliação psicológica por meio de imagens espelhadas de tinta), os Simbolismos que dão tons de mistério e misticismo para as histórias, além das referências às passagens bíblicas.
As narrativas Caso 132 e Frigorífico são contadas de maneira intercalada, sendo que cada uma das duas está dividida em três atos, o que lembra um pouco a estrutura do gênero dramático, no entanto Bruno Godoi desconstrói e reconstrói de acordo com seus propósitos. Há uma forte influência do gênero detetivesco (os dois protagonistas são detetives Anton Levey, em Caso 132, e Eric, em Frigorífico) com outras temáticas, como thriller, terror sobrenatural e suspense. É interessante como o autor usa sua bagagem cultural para deixar suas narrativas originais – embora este conceito seja fortemente discutido dentro do universo literário, sobre o que ainda não teria sido criado um dia.
Ao longo do livro, há todo um zelo do escritor com a linguagem, seja imprimindo o seu estilo, trabalhando o diálogo entre os dois textos (além da intertextualidade com outras referências, algo que pode ser visto como a possibilidade do leitor preencher esses espaços com suas próprias leituras, bagagens cinematográficas e demais formatos de narrativas) e demais elementos textuais que contribuem para a experiência de leitura, como as notas e as epígrafes presentes na abertura de cada ato. A divisão estrutural e o projeto gráfico também tornam a leitura mais prazerosa, possibilitando ao leitor respirar ou acelerar o ritmo. Poderia o leitor ler primeiro um texto e depois o outro? Claro! Acredito, no entanto, que o que aumenta a tensão e o suspense, é este intervalo entre uma leitura e outra.
Caso 132 conta a história do detetive Anton Levey. Desde as primeiras linhas, o leitor já pressente que algo sombrio irá acontecer. Bruno Godoi intercala o ritmo rápido, com as palavras precisas e cortantes, com as angustiantes descrições que nos prendem à narrativa, literalmente – por meio dos seus ganchos no final de cada cena, mantém-se do início ao fim o desejo de avançar.
“A mancha alastrava-se para os lados, em alguns pontos esticando-se verticalmente feito chifres. Em outros, concentrava-se em formas ovais como cabeças. São sete cabeças e dez chifres. Ao centro, no encontro das paredes, assemelhava-se a um rosto ferido e deformado. Um rosto espelhado em agonia, meia face em cada parede. Uma mancha em uma prancha a se projetar noutra prancha. Simetria”. – trecho de Caso 132.
Alguns elementos presentes em Caso 132: Urbanismo (grande parte da narrativa se passa em ruas, avenidas e demais cenários de uma cidade, os quais não se limitam às paisagens, mas incluem também seus personagens, como mendigos, travestis e demais personalidades que transitam e/ou vivem nestes ambientes, nos quais a linha entra a segurança e a criminalidade é cruzada a todo instante); Trevas (manchas, podridão, obscuro, sombras, chifres – para que o lado escuro seja visto, é preciso que haja a luz (antagonismo), porém há uma predileção pelo underground); Erotismo (implícito ou explícito, há menções aos prazeres sexuais, o que teria uma relação com as criaturas noturnas e também fazem parte dos conflitos internos (ponto fraco) do detetive; Misticismo (Religiosidade, símbolos, números, cruz, igreja e demais elementos que dão dicas ao leitor, e ao mesmo tempo, criam mais mistérios).
Algumas suposições: O nome do personagem Anton Levey, intencionalmente ou não pode ser relacionado à figura de Anton LaVey, um norte-americano que fundou a Igreja de Satã (Church of Satan) e tinha forte relação com o ocultismo. Outro nome que me vem à cabeça, embora eu não tenha lido suas obras para argumentar melhor (pela falta de tempo – uma das minhas frustrações será morrer sem ter lido tudo o que eu queria), é o do escritor russo Anton Tchekhov que talvez venha a contribuir com seus enigmas, detalhes, sonhos e fluxo de consciência.
O tempo é bem trabalhado em Caso 132. Não vou entrar em detalhes, para não estragar as surpresas, mas cabe ao leitor ficar atento às dicas deixadas pelo narrador, como as cenas e suas datas – tal como um jogo de mistérios, no qual o jogador vai liberando novas fases e obtendo mais informações. Entre as pistas estão as obsessões de Anton, a simetria e o estranhamento provocado pelas outras personagens e suas ações, levando em conta que numa boa narrativa nada acontece por acaso e mesmo as distrações do foco principal fazem parte da trama.
“O tum, tum do esmagar do crânio reverberava pelo corpo, vibrando tal rajadas intempestiva de gélido e cortante turbilhão, porém não de ar, mas de insetos. Rajadas de insetos. Anton estapeou o corpo, livrando-se de algo. Limpando-se de algo. Algo que a seus olhos lhe aderia. Deixando a mente para se materializar no corpo. Delírio. Milhares de insetos acertando-o em cheio. Dilacerando-lhe o corpo, adentrando na carne, riscando e lascando-lhe os ossos. Estilhaços de músculos desprendendo dos membros. Os ossos em ruína; a começar pelas pernas, como a estátua do Arcanjo Miguel. O detetive Anton Peter Levey ruía”. – trecho de Caso 132.
Não há como ficar indiferente diante dos mistérios de Anton, um personagem virtuoso, mas com a própria alma corrompida. Tal qual o teste do borrão de tinta, há um espelhamento na narrativa que me lembrou o universo fantástico criado por Borges (ou qualquer outro autor de Literatura Fantástica) com suas regras próprias. O tom realista e detetivesco prende o leitor neste limiar real e fantasia, criando instantes de suspensão da descrença.
No primeiro ato de Caso 132, Eric faz uma breve aparição. Porém, na narrativa Frigorífico, o detetive é o protagonista. O homem acorda ao lado de outros dois desconhecidos, sendo que um deles é um açougueiro e o outro, um professor de Física. O que esses personagens têm em comum? Quem teria os aprisionado neste cômodo? Para quem gosta de terror psicológico e sangrento, além dos já citados elementos, os personagens entram numa espécie de jogo, no qual precisam seguir instruções, cujos resultados podem levá-los a sair dali – não há como não pensar em Jogos Mortais e outros filmes e narrativas nos quais há todo um sadismo por trás de quem arquitetou os planos.
À medida que a trama vai se desenrolando, alguns fatos vão iluminando o leitor, enquanto outros permanecem obscuros até o final. O próprio autor apresenta em uma das notas o conceito de aporia – por sinal, muito interessante para quem gosta de mergulhar em histórias de suspense e se delicia com elas, mesmo que nem todas as respostas sejam ‘resolvidas’, afinal, assim como na vida, há sempre o fator incerteza, a subjetividade e o espaço para a imaginação.
“Aporia (do grego): dificuldade, sem saída, pensamento impossível. Paradoxo – dúvida ou incerteza. Algo que turve o sentido real de algo. Ideia criadora de tensão que possa impedir a verdade de algum texto. Caminho que se mostra ambíguo, apresentando algo oculto à leitura convencional. O texto é vivo. Possui vida. Intenções. Compete ao leitor – pela leitura e abstração – matá-lo ou deixá-lo viver”. – trecho do livro Sete Cabeças.
Frigorífico apresenta uma estrutura temporal mais linear do que Caso 132. Outro elemento diferenciador é a delimitação espacial: grande parte da narrativa se passa num ambiente fechado – esta mistura de personalidades e um jogo doentio e sangrento dão mais emoção e impulsividade à trama. Uma das forças desta narrativa é a questão do livre arbítrio, da escolha de quais caminhos seguir. Novamente, o leitor se sente dentro de um jogo – sensação ainda mais marcante do que em Caso 132, já que as outras cenas (espaços) são liberadas gradualmente, aumentando a tensão, provocando o surgimento de outros eventos e de mais elementos simbólicos / misteriosos.
“O escuro e a ausência de olhos repreendedores tornava o ser humano um animal ativo, e mais agressivo. No silêncio e cumplicidade das trevas, os homens demonstravam aquilo impresso na alma, o ato simples de: ser. Estar e ser. O sangue derramado”.– trecho de Frigorífico.
O que fazer? Qual caminho seguir? Qual é o propósito da vida? O medo levanta a dúvida e os instintos parecem imperar sobre a racionalidade. A contraposição entre razão e emoção, luz e trevas, salvação e perdição – Bruno Godoi brinca com os elementos paradoxais em sua narrativa, bem como usa uma linguagem ácida e humor negro para criar mais atrito entre os personagens e explorar a imprevisibilidade do ser humano quando é submetido à pressão, ao encarceramento e se vê diante de um labirinto do qual precisa seguir as instruções para conquistar sua liberdade.
“Há momentos em que a humanidade se esvai feito sangue a escorrer por pulsos cortados”. – trecho de Frigorífico.
Recomendo a leitura de Sete Cabeças para os fãs de romance policial e de narrativas sobrenaturais. Bruno Godoi traz o melhor dos dois mundos, proporcionando horas de entretenimento, mas também de reflexões sobre a condição humana. Como boa leitura, o escritor não reproduz um modelo de narrativa, muito menos se preocupa somente em agradar ao leitor – ele desconstroi técnicas de construção de romance e teorias (já que Aristóteles foi um dos pais da Teoria da Literatura). O livro traz um bom exemplo de como a literatura pós-moderna pode ser muito mais do que os clichês e do que a visão quadrada dos críticos literários que tentam reduzir a literatura policial a uma subliteratura. Fiquei envolvido com o livro desde o início e seu final não me decepcionou!
Sobre o autor – Conhecido por seus livros de suspense policial e sobrenatural, Bruno Godoi nasceu em Divinópolis (MG). Amante dos livros, em 2014 tornou-se membro da Academia Divinopolitana de Letras (ADL). É também autor de O Grito Vermelho, romance que conquistou milhares de seguidores pela internet.
Sobre a editora – A Editore Empíreo surgiu com a missão de publicar literatura de qualidade e rica em cultura que edifique seus leitores usando os mais variados temas e formatos. A partir do latim Empyreus, uma adaptação do grego antigo, “dentro ou sobre o fogo (pyr)”, Empíreo é o mais alto dos céus, o local reservado para as divindades e para a perfeição.
A obra nacional de ficção está cadastrada no Skoob – maior rede social de leitores do Brasil.
Assista ao teaser do livro Sete Cabeças:
Gostaram da resenha do livro? O que acharam de Sete Cabeças? Espero que tenham apreciado mais uma recomendação de leitura aqui no blog! ;-) Compartilhe com quem possa se interessar pela obra. Valorize a literatura nacional!