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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: Zon: O Rei do Nada – Andrei Simões e Lupe Vasconcelos

O livro Zon: O Rei do Nada, do autor Andrei Simões e ilustrações de Lupe Vasconcelos, de 239 páginas, foi publicado em 2013, pela Editora Empíreo. A obra de Literatura Fantástica me surpreendeu por causa da criatividade do escritor que construiu uma narrativa rica em metalinguagem, intertextualidade e reflexões, dando um bom exemplo de como o gênero literário pode ser explorado, proporcionando uma viagem filosófica, literalmente, pelos recantos da mente humana.


Zon é o nome do protagonista do livro, descrito como um parasita de mentes. Sua história é narrada por Aquele Que Escreve e para que ele exista, se faz necessário Aquele Que Lê. O que isso nos faz pensar? O personagem principal é consciente de que ele é um personagem, e sem o escritor e o leitor – não bastaria que sua história fosse escrita (texto) e guardada em uma gaveta trancada – ele não existiria: esta tríade é fundamental para que a obra literária se torne viva, haja interação e possa ser analisada.

“Zon é como toda personagem, um parasita. Existirá enquanto lembrarem dele, toma a forma de quem o imagina; seu rosto se torna um reflexo de quem lê”.trecho de Zon: O Rei do Nada.

A obra está dividida em várias histórias que se entrelaçam que poderiam ser vistas como episódios ou contos. A criação de Zon é tão complexa, que não cabe aqui a tarefa de tentar classificá-la, mas abordar um pouco do que o leitor pode encontrar ao mergulhar nesta leitura. Outro ponto que chama a atenção logo no início são as artes de Lupe Vasconcelos: cada peça dialoga com uma sinergia extraordinária. Vale a pena ficar atento aos traços, aos símbolos, bem como ao tema recorrente do início ao final do livro: o reflexo (espelho).

Na introdução do livro, o autor descreve Zon: o personagem, a obra e por conseqüência a experiência que o leitor terá ao entrar neste universo de espelhos retorcidos, de descobertas e redescobertas do que é viver e divagações de alguém que grita pela sua inexistência, toda construída em torno de paradoxos, como criatura e criador; criação e destruição; verdade e mentira; realidade e ficção, entre outros que perpassam as diversas narrativas.

“Anulamos as existências dos outros por nunca estarmos em órbita com a nossa própria”. – trecho de Zon: O Rei do Nada.

Como todo parasita, Zon precisa de outras criaturas para continuar existindo. A ideia de que dentro de um espelho e seu reflexo, há uma série de outras realidades, amplia ainda mais as possibilidades de leitura, de construção de sentido e pontes com outras obras da literatura, bem como com as memórias e experiências do próprio leitor. Afinal, ao recontar a própria história, todo ser humano está fadado a fabular, a dar sua visão e consequentemente transformar sua vida em narrativa – como um reflexo, uma representação, algo que se assemelha ao real, mas passou por uma série de filtros subjetivos.
`Para quem ficou curioso sobre as ilustrações, aqui vai uma arte da Lupe Vasconcelos. Foto: Ben Oliveira.
Antes de entrar neste labirinto fictício, o leitor conhece Zon, professor e artista, um homem de 41 anos frustrado com o rumo de sua carreira. Certo dia, ele repara o próprio reflexo, seus olhos sem vida e percebe que há outro Zen o encarando. Desta epifania surge o desenrolar da trama. Uma história dentro de outras histórias, um personagem real e sua autoficção, a arte dançando com a literatura. Da insatisfação consigo mesmo, cresce em Zon a vontade de continuar existindo e não deixar tudo o que já foi desaparecer. Então, o herói entra numa jornada metafísica.

“Nesse dia o espelho era o abismo. Os olhares se cruzaram por um momento, e um se viu no outro, mas o outro não era um, e esse um não era outro, apesar de um ser reflexo e o outro ser o que era.” – trecho de Zon: O Rei do Nada.

Nos mundos visitados por Zon, o leitor encontrará dragões, memórias, sonhos e demais elementos que se relacionam com a mitologia, misticismo, filosofia, arte e, claro, com a própria literatura. Não há como não se deixar incomodar pelo estranhamento proporcionado pelo livro, revirar lembranças, cutucar as feridas da alma e inquietações que surgem ao longo de nossas existências, principalmente, se somos artistas e lidamos com os momentos de bloqueio criativo, de mediocridade e demais desafios: afinal, a arte da escrita, muitas vezes, nasce desta alquimia da dor.

“A serpente de Ouroboros de si é a busca de cada ser que pensa” trecho de Zon: O Rei do Nada.

Se o ser humano tem esta necessidade de criar signos, entender a origem dos diversos acontecimentos e elementos que nos transformam, nos envolvem e precisamos aprender a lidar desde o dia em que nascemos até nossas mortes, Zon nos direciona para lugares misteriosos, oníricos, fictícios, em uma jornada de muita reflexão.

Andrei Simões com sua flexibilidade da escrita e múltiplos gêneros e temáticas que se dialogam fazem até parecer algo fácil, tamanho o seu domínio e confiança – habilidade de quem tem um profundo contato com outras leituras, para fundir e subverter sua literatura de acordo com suas intenções. Não tem como não admirar como o autor conseguiu transformar um assunto tão hermético em algo tão gostoso de ler! Fica o convite para quem desejar mergulhar neste mundo de espelhos. Cuidado para não se perder pelos labirintos da alma.

Sobre os autores:

Andrei Simões – É biólogo e um dos autores de destaque da nova geração de escritores do país. Amante das artes e da ciência, o paraense procura, por meio de seus textos, subverter a literatura fantástica e provocar uma profunda reflexão no leitor, usando como instrumentos temas ocultos, místicos e filosóficos.

Lupe Vasconcelos – É arista e ilustradora. Graduada em Artes Visuais, ilustrou diversos livros infantis e coletâneas de quadrinhos, e recentemente tem se dedicado a projetos de natureza mais autoral e pessoal. Nascida em Goiás, Lupe hoje vive em Teresópolis (RJ).

Sobre a editora – A Editora Empíreo surgiu com a missão de publicar literatura de qualidade e rica em cultura que edifique seus leitores usando os mais variados temas e formatos. A partir do latim Empyreus, uma adaptação do grego antigo, “dentro ou sobre o fogo (pyr)”, Empíreo é o mais alto dos céus, o local reservado para as divindades e para a perfeição.

O que acharam da recomendação de leitura? Espero que tenham gostado! 

PS: Não custa ressaltar que Zon é Literatura Nacional. Se você apoia escritores brasileiros, não deixe de adquirir o seu exemplar.

Zon pode ser comprado no site da Editora Empíreo, Livraria Saraiva, Americanas e Livraria Cultura. O livro também está presente no Skoob – Maior Rede Social para Leitores do Brasil!   

*Este livro foi enviado como cortesia da Editora Empíreo devido à parceria com o Blog do Ben Oliveira. Se você gostou da dica, não deixe de recomendar a postagem para seus colegas, amigos e demais interessados em Literatura, para que eu possa continuar trazendo mais novidades e resenhas de livros.

Comentários

  1. Aquele momento que tu lê uma resenha e te sente pequena ( e não to falando por ter apenas 1, 50 de altura) mas pela qualidade do texto escrito.

    Eu amo a capa desse livro, até agora todas as resenhas que li sobre ele são positivas. É um daqueles que está no topo da lista dos próximos livros a ser comprado. ( já que meu aniversário ta muito longe pra uma alma boa e generosa me dar de presente euehueu).

    Em fim, eu vim por que vi o post no grupo, e acabei me apaixonando pelo blog.
    Acostuma-se com minha presença!
    Bjs da Le
    Le Versos & Controvérsias

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    1. P.S. Juro que achei a foto do "Sobre o autor" fosse do Ansel Elgort, como Gus de A culpa é das estrelas! ahahah

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    2. Oi, Letícia!
      Fico muito feliz em saber que tenha gostado da qualidade da resenha. Dá sempre para melhorar, embora nem sempre seja possível pela falta de tempo, energia e outras preocupações.

      Confesso para você: as ilustrações são lindas e o encantamento vai além da capa, para as artes e o texto literário magnífico. Espero que sua leitura seja tão prazerosa quanto a minha.

      Grato pela visita e comentário.
      Beijos!

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  2. Confesso que não é i tipo de livros que eu curta, mas sua resenha é tão "colorida", digamos assim, que dá uma nuance nova ao estilo.

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    1. Ronaldo, tenho certeza de que Zon vai te surpreender. Foi muito prazeroso ler este livro. Se você já leu autores mais filosóficos, como o Borges, é provável que goste desta obra do Andrei Simões. As ilustrações da Lupe Vasconcelos fazem um diálogo muito gostoso e bem-vindo. Está aí um livro que eu desejo reler um dia.
      Grato pela visita!

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  3. Esse foi o melhor livro que li esse ano e creio que nenhum vai barrar. A obra te permite aprofundar em conceitos de significante e significado a todo instante, sem contar o toque de niilismo e existencialismo satreriano que é sempre bem-vindo na literatura, principalmente em uma época onde é cada vez mais difícil aproximar arte de filosofia, por incrível que pareça. Leitura muito fértil e resenha mais do que coerente com uma obra de tamanha importância.

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    1. Olá, Anônimo! Fico muito feliz que tenha gostado do livro e da resenha. Zon é um livro marcante. Deu até vontade de reler!
      Abraços

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