Uma
graphic novel emocionante, que nos faz refletir sobre o preconceito e a dificuldade de lidar com o inesperado.
Não Era Você Que Eu Esperava, do ilustrador francês
Fabien Toulmé, foi publicado no Brasil pela
editora Nemo (Grupo Autêntica), em 2017, com tradução de Fernando Scheibe e conta a história de um pai que descobre que a filha nasceu com Síndrome de Down.
Sempre fui o tipo de pessoa tão fissurada pelo texto e com uma dificuldade muito grande de me deixar levar por ilustrações. Nas últimas semanas tenho tentando me aventurar pelo universo dos livros ilustrados e a experiência tem sido incrível. Com Não Era Você Que Eu Esperava deu para perceber como o artista utilizou diferentes cores para mostrar a passagem do tempo e também como filtros emocionais, segundo o contexto da história.
Não Era Você Que Eu Esperava é a autobiografia de Fabien Toulmé e de um evento que acabou mudando sua vida: o nascimento de Julia. A novela gráfica nos leva forma breve para a infância do autor e isso nos faz perceber de onde começou o medo dele de que a filha pudesse nascer com trissomia 21.
“Não era você que eu esperava… Mas estou feliz por você ter vindo” – Fabien Toulmé
A um primeiro momento o leitor pode ficar um pouco incomodado com a sinceridade do autor, mas é isto o que torna a graphic novel mais importante ainda. Os franceses são bem diretos e o ilustrador não tentou ocultar seu choque inicial. Não se trata de um preconceito velado, algo tão comum no Brasil e essa jornada em busca de mudar sua percepção sobre as coisas e de se aproximar da própria filha fazem a história mais envolvente.
A história em quadrinhos também é bem informativa, nos fazendo acompanhar os desafios e como as pessoas reagem de formas diferentes. Patrícia, a mulher de Fabien, por exemplo, apesar do baque, demonstrou ter mais resiliência e empatia do que o marido. Assim é a vida, cada um lida com os acontecimentos com os recursos emocionais que tem no momento. Mesmo quando o casal começa a se arriscar e conhecer mais pessoas, leva determinado tempo até eles se ajustarem, passando por fases, como negação, raiva, negociação, depressão até a aceitação.
Por explorar o preconceito de Fabien e as diferentes fases que ele passa até conseguir se adaptar com a filha, a história vai além do entretenimento e nos leva a refletir bastante sobre como somos movidos pelas expectativas e as dificuldades que muitas pessoas enfrentam na vida em sociedade, principalmente crianças que nasceram com Síndrome de Down. Se para a família já é difícil se adaptar, recebendo os olhares de julgamento, além das próprias necessidades de aceitação, empatia e desapegar das comparações, imagine como é para quem percebe essa diferença de tratamento. Perceber-se diferente e, ao mesmo tempo, precisar se encaixar: é algo impactante e que exige muito trabalho interno. Não podemos mudar o outro, somente nós mesmos. As pessoas, muitas vezes, funcionam como espelhos e essas imagens e mensagens podem ser bem diferente das que esperávamos e de quem realmente somos – algo bem filosófico, afinal, o que é a verdade?
Fabien Toulmé escreveu uma graphic novel que revela como o amor pode transformar as pessoas e como a união de sua família fez a diferença. É uma leitura que não esconde as emoções e esse tom tão realista do ser humano que se sente desorientado até reencontrar o seu equilíbrio e fazer escolhas sensatas, acaba servindo também como um consolo para famílias na mesma situação, como se fosse um daqueles encontros de pessoas compartilhando suas próprias experiências, uma terapia de fala. Pessoas não são perfeitas. Acredito que há uma tentação grande de julgar as vivências dos outros, mas cada um sabe que somos muito mais complexos e estamos em constante transformação. É preciso coragem para sangrar no papel e mostrar para o mundo. Sem dúvidas, um livro ótimo para entender mais sobre o comportamento humano, um exercício de empatia que proporciona uma dose de catarse.
Sobre o autor – Fabien Toulmé nasceu em 1980, em Orleans, França. Apaixonado por quadrinhos, resolve encarar longos e penosos estudos de engenharia civil e urbanismo a fim de adquirir as bases essenciais da construção de uma página de HQ. Em 2001, viaja para os trópicos – Benim, Guiana, Brasil, Guadalupe. Por fim, cansado do mar azul e dos coqueiros, volta para a França e se instala em Aix-en-Provence. Desde então, vem publicando ilustrações e quadrinhos em diversas revistas como a Lanfeust Mag, a Psikopat e a Spirou, e em projetos coletivos como o Alimentation générale (Vide Cocagne), o Vivre dessous (Manolosanctis) e o Les austres gens (Dupuis). Não era você que eu esperava é sua primeira graphic novel.
Ainda no clima das graphic novels, em breve devo ler
Alena, de Kim W. Andersson! Também já adicionei mais um livro ilustrado para minha wishlist:
A Diferença Invisível, das autoras Mademoiselle Caroline e Julie Dachez.
E você, ficou curioso para ler Não Era Você Que Eu Esperava?
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror
Escrita Maldita, publicado na Amazon e do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1), disponível no Wattpad.
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