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Destaques

Limites

Limites: linhas que não devem ser ultrapassadas. Espaço onde a paz permanece. Ausência de conflitos desnecessários. Deixar claro que o que incomoda deve ser respeitado. Era na falta de limite que crescia o desrespeito. Era na falta de limite que tudo ficava estagnado. Era na falta de limite que elos podem ser quebrados, sem qualquer necessidade de adeus. Os dias passavam e quanto mais se dera conta da importância dos limites, mais entendia a decisão de quem escolhera não fazer mais parte da sua vida.  Era ao dizer adeus que abria espaço para o novo. Era ao deixar para trás tudo aquilo que pesava que aceitava que algumas coisas simplesmente não eram para ser. Era ao desapegar quando percebia que o que algo fazia sentido antes, agora era indiferente. Escrevia para lembrar. Escrevia para esquecer. Escrevia na esperança de que o aqui e agora deixassem o passado no passado, sem perder tempo pensando no futuro. Escrevia como quem sabia que ciclos encerrados faziam parte da vida. Escrevia...

O dia em que a professora chorou

Ela acordou pela manhã, tomou um banho de água gelada, comeu seu pão, bebeu café, deu um beijo nas duas filhas, abraçou o marido e saiu de casa. Todos os dias ela repetia as mesmas coisas. Não importava se estava com dor no corpo, enxaqueca, cansada ou triste. Ela amava o seu trabalho.


Ainda era cedo quando ela chegou à escola e entrou na sala dos professores. Ninguém podia imaginar a notícia que escutariam e como ela afetaria a jovem professora. A prefeitura atrasaria mais uma vez o pagamento.

– Assim não é possível! – berrou um dos professores.

– Eles acham que não temos contar para pagar? – lamentou outra.

– Precisamos fazer uma greve. Não podemos ficar de braços cruzados.

Ela só escutava. Remoía aquelas palavras dentro de si. Nada acertado, ela foi para a sala de aula.

– Bom dia, professora! – disse uma das alunas.

– Bom dia, minha querida!

A aula passou voando. Quando se deu conta, já estava na hora da chamada. 37 nomes. Ela dizia cada um dos nomes com toda paciência do mundo.

Quando chegou em casa, ela ligou a televisão e viu uma notícia sobre professores que ameaçavam entrar em greve. O prefeito alertava sobre os salários serem maiores do que as médias dos outros estados. Ela quase vomitou ao escutar aquilo. Trabalhava de manhã, à tarde e o pouco tempo que tinha durante a noite, ela preparava as aulas da semana. Era um trabalho que nunca acabava.

No outro dia, ela fez as mesmas coisas em casa e foi ao trabalho. Os outros professores falaram novamente na greve. Ela pensou nos alunos, nas aulas que precisaria repor, na importância da educação.

Os outros professores a viram indo para a sala de aula.

– Você não vem?

– E os meus alunos? A diretora não vai gostar nada disso.

– Pois ela que nos pague logo, então.

A professora foi para a sala e logo foi recebida com uma série de perguntas.

– Professora, vai ter aula hoje?

– O que é a tal da greve?

– É verdade que você está com preguiça de dar aula?

– Meus pais falaram que você ganha melhor do que eles e estavam reclamando. Por que?

Ela olhou para os alunos. Não sabia por onde começar a responder. Tantas dúvidas, tantas preocupações. O salário do marido não seria suficiente para pagar as contas. Pensou em como a família teria que comer menos para sobreviver. Pensou em tudo, menos nas respostas.

Uma vontade de sair correndo a devorou. As lágrimas quentes lutavam pelo rosto; a garganta apertada; a dor no peito. Ela pegou as coisas e saiu o mais rápido que podia.

A diretora entrou na sala e se surpreendeu com a ausência da professora. Ela era uma das suas melhores funcionárias, fazia chuva ou sol, frio ou calor.

– Onde está a professora?

– A professora faltou! – gritaram os alunos ao mesmo tempo.

Ela sabia que se não fosse lutar pelos seus direitos seria incapaz de ensinar os seus alunos. Não era só uma questão de dinheiro. Ela se lembrou dos adolescentes que se inspiravam e tinham um carinho grande por ela, seus ensinamentos iam além da sala de aula. Naquele dia, ela preferiu reprovar diante dos olhos da diretora. Ela tinha mais uma aula para dar, uma aula sobre a vida.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1), disponível no Wattpad. 

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