Relaxar é muito mais fácil na teoria do que na prática. Desarmar o sistema de alarmes da ansiedade que, vez ou outra, pode apitar ainda que nada esteja acontecendo. É somente ao aceitar se soltar do peso de estar alerta o tempo inteiro que conseguia aproveitar o momento presente. Não poderia fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Era abrindo mão do controle que se permitia encarar as coisas como elas eram. O excesso de controle não faria o problema desaparecer. Pelo contrário, muitas vezes precisava de uma distância saudável para se autorregular. O medo e a ansiedade significavam que era algo que precisava prestar atenção, mas também eram lembretes de não levar tão a sério. No final das contas, estar bem era muito mais do que não estar em crise. O excesso de ansiedade poderia dar uma falsa ilusão de que tudo estava sob controle, mas era ao abrir a mão e confiar que conseguia voltar a viver: era mais do que um diagnóstico. Ao mover a atenção, pouco a pouco ia se permitindo viver o aq...
Arte em forma de planta. Bonsai me lembra literatura e a importância de aparar histórias e de como pequenas narrativas podem ser impactantes. Difícil não me lembrar de Alejandro Zambra: “Cuidar de um bonsai é como escrever”.
Além de estar sempre cercado pelos livros, nas últimas semanas tenho me conectado com as plantas. Quando gostamos muito de alguma coisa, encontramos analogias e metáforas em quase tudo o que nos cerca. Cuidar de uma planta, assim como escrever um livro, é entender que cada uma tem suas condições adequadas – o que pode fazer bem para uma planta, pode matar outra – e, acima de tudo, é um exercício de aceitação e paciência. Se existe algo que a literatura e a natureza nos ensinam é de que está tudo bem ser diferente e que só sobrevivemos por causa da diversidade. Não é só uma questão de opção, é uma necessidade.
Escrever um livro é desafiador. Às vezes, a terra não está tão boa e as condições são terríveis, mas, de algum jeito, algo encantador ganha forma. Mesmo quando um projeto parece perdido, ele pode ser reaproveitado. Quando pensamos em romances, por exemplo, algumas pessoas associam mais o tamanho da narrativa do que a sua estrutura e no livro Bonsai, do escritor Alejandro Zambra, ele nos mostra como a essência do gênero literário está mais na história do que na quantidade de palavras. Com uma dose de metalinguagem, o autor adota o bonsai como um modelo de narrativa: ele não tem dó na hora de podar os galhos e sabe que a beleza está em conduzir o crescimento, removendo os galhos defeituosos e desnecessários. Mais do que uma forma de arte, cuidar de um bonsai e escrever também podem ser uma terapia.
No momento da criação, precisamos deixar as tesouras de lado. Assim como as plantas, os projetos precisam de cuidados frequentes até que se desenvolvam e estejam preparados para a poda e o transplante. O material de um original de romance é como uma planta prestes a ser transformada em um bonsai: não adianta ter pressa, mas também não dá para ficar de braços cruzados. Na hora certa, as coisas acontecem e você precisa estar preparado. O leitor que não entra em contato com o manuscrito original e desconhece o processo de edição de um livro, talvez não faz ideia dos cortes, correções e alterações feitos no material, até ele virar o produto final que você compra na livraria.
Livros, assim como bonsais, quando bem produzidos e cuidados podem durar muitos anos. Quem vê a planta depois de passar por tantos processos nem sempre imagina todas as etapas que aconteceram até chegar ali. Plantas, assim como obras literárias, persistem mesmo quando seus donos já morreram. Para os mais críticos, alguns livros estão fadados ao esquecimento; para quem aceita que livros são vivos e que sempre há algo para ser aproveitado, entende que as palavras permanecem circulando em diferentes formas. Como as folhas secas que caem e os nutrientes podem ser reaproveitados pelo solo, livros de escritores contemporâneos são resultados de leituras de obras literárias mais antigas, fazendo com que o espírito da literatura permaneça vivo.
Você pode não gostar de uma planta, mas isso não quer dizer que ela não mereça existir. Cuidadas ou malcuidadas, esteticamente agradáveis aos olhos ou não, selvagens ou podadas, há sempre algo a aprender com a natureza ou com as obras literárias. Qual seria a graça da vida se todas nossas escolhas fossem limitadas e se todas as plantas e os livros fossem similares? A beleza e a utilidade do bonsai não se perderia se todas plantas fossem assim?
Plantas cuidadosamente cultivadas nas bandejas podem ser maravilhosas, mas precisamos reconhecer que existem espaço e gostos diversos pelo mundo. Assim como no universo literário, leituras não são estáticas. Livros dialogam e uma leitura puxa a outra. Em um mundo cada vez mais polarizado, velhos preconceitos ainda incomodam aqueles que sabem que nem sempre é preciso abrir mão de uma coisa para aproveitar a outra. O prazer de cultivar livros e plantas não necessita da validação de ninguém. Na era da hiper exposição, às vezes, falta o discernimento de que cada um deve trilhar sua própria jornada e que quanto mais dependemos das opiniões dos outros, mais nos afastamos de nós mesmos. Arte, terapia ou entretenimento, que cada um saiba encontrar o que te faz bem, sem sentir culpa. Silencio a voz que me diz que tenho livros e plantas demais e repito: menos guilty, mais pleasure.