Rain or Shine (Just Between Lovers) é um ótimo dorama coreano para quem gosta de séries sobre como tragédias afetam a saúde mental. Para quem está acostumado com kdramas mais leves, talvez não seja a melhor indicação. Com uma atmosfera pesada de quem sobreviveu, mas constantemente é atormentado pelas memórias, a série serve como uma ótima reflexão sobre a difícil tarefa de seguir em frente sem o suporte psicológico necessário.
Se pudesse resumir em dois termos Rain or Shine seriam Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Luto. O roteiro se foca principalmente em dois personagens que sobreviveram a um desabamento de um shopping e a lição de que se sofrimento não se mede nem se compara, cada pessoa pode reagir de forma completamente diferente a mesma experiência.
Dirigida por Jin Won Kim e roteirizada por Bo-Ra Yoo, a série sul-coreana de 2017 gira ao redor de Ha Moon Soo (Jin-ah Won), uma jovem que perdeu a irmã no acidente do shopping e Lee Gang Doo (Jun-Ho Lee), um rapaz que teve que recomeçar do zero após a morte do pai. Embora ambos sofram com os sonhos e flashbacks, enquanto o luto e o efeito que a morte da irmã teve sobre a família de Moon Soo a deixaram fragilizada, Gang Doo revive o trauma de forma tão frequente que isso acaba causando oscilações em seu humor e o fazendo se meter em várias confusões.
Quem já leu outras indicações de doramas aqui no blog, sabe que eu admiro como muitas séries sul-coreanas exploram bem a construção psicológica dos personagens e a questão da saúde mental. Com Rain or Shine não é diferente. O roteiro possibilita que os personagens encarem uma jornada de cura e de aceitação, quer eles estejam conscientes ou não.
“A dissociação é a essência do trauma. A experiência terrível é dividida e fragmentada, de modo que emoções, sons, imagens, pensamentos e sensações físicas relacionadas a ele ganham vida própria. Os fragmentos sensoriais da memória se misturam no presente e são revividos. Enquanto não se resolver o trauma, os hormônios do estresse, secretados pelo corpo como proteção continuam a circular, e movimentos defensivos e respostas emocionais continuam a se reproduzir” – Bessel Van der Kolk, O Corpo Guarda as Marcas
Se um romance entre alguém que tenha passado por uma experiência traumática e alguém que não faz ideia de como isso pode afetar o cérebro e o corpo pode ser algo complicado, quando se tratam de duas pessoas que passaram pelo mesmo acidente, a situação pode se tornar mais desconfortável ainda, já que cada organismo reage de uma forma diferente, seja tentando se desconectar emocionalmente do passado ou revivendo constantemente as memórias.
O enredo também explora personagens que estavam ligados de alguma forma ao acidente, como familiares de vítimas. Do início ao final da série, as questões da memória são trabalhadas de maneira que fica bem evidente as diferentes formas de processamento de emoções e como alguns mecanismos de proteção também podem tirar os pequenos prazeres, como uma mulher que perdeu o pai do filho e de tanto reprimir o passado para evitar a dor, quase nem se lembrava do rosto dele: “Queria só esquecer as coisas ruins, mas esqueci as boas também”.
Entre o entorpecimento da dor, seja por meio de álcool e remédios para dor, ou uma tentativa de despersonalização e esquecimento das memórias dos que se foram, Rain or Shine é realista ao relatar como pode ser difícil lidar com tudo isso sozinho, mas me fez questionar o motivo de muitos não terem procurado ajuda psicológica e psiquiátrica quando estavam sofrendo claramente com sintomas de luto prolongado, depressão e estresse pós-traumático – não tão diferente da vida real quando as pessoas entram em estado de negação ou até mesmo acham que são simples emoções, ainda que a intensidade dos problemas esteja afetando suas vidas diariamente.
“Se as atividades de um ser vivo se reduzem à sobrevivência, suas energias se focam em combater inimigos invisíveis, o que não deixa espaço para sustento, assistência e amor” – Bessel Van der Kolk, O Corpo Guarda as Marcas
Rain or Shine é uma dessas séries coreanas que trazem tanto foco nos dramas que o romance fica em segundo plano e, de acordo com o contexto, é até compreensível, já que os personagens e o local em que trabalham trazem constantes memórias sobre o acidente, revirando as feridas que não se curaram e a saúde mental tem um peso determinante nos relacionamentos, especialmente quando se tratam de trauma e das questões de vulnerabilidade, intimidade, autoestima e a sensação de merecimento de coisas boas acontecendo na vida.
Do ponto de vista de memória coletiva, a série propõe uma solução que une as vítimas e familiares das vítimas do acidente, mas da questão de saúde mental, fica evidente que todos envolvidos foram afetados de alguma forma, alguns mais do que outros, a ponto de se apegarem aos sentimentos de culpa, raiva e tristeza e adoecerem por causa disso e tratarem as situações com senso comum, sem procura da ajuda especializada necessária.
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