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Sem talvez

Não havia talvez quando se tratava de pôr a própria saúde mental em primeiro lugar, especialmente quando o outro a estava negligenciando. Não havia talvez para continuar sustentando um relacionamento que não ia para frente, no qual o outro se negava a se responsabilizar e se colocava constantemente no papel de vítima. Não havia talvez quando você havia se transformado em uma espécie de terapeuta que tinha que ficar ouvindo reclamações e problemas constantes, se sentindo completamente drenado após cada interação. Já não havia espaço para o talvez. Talvez as coisas seriam diferentes se o outro tivesse o mesmo cuidado com a saúde mental que você tem. Talvez a fase ruim iria passar um dia. Talvez a pessoa ia parar de se pôr como vítima e começar a se responsabilizar. Eram muitos talvez que não tinha mais paciência para esperar. Então, não, já havia aguentado mais do que o suficiente. Não era responsável por lidar com os problemas do outro. Não era responsável por tentar levar leveza diante...

Palavras não ditas

Era uma vez um escritor que tinha tanta empatia por alguém próximo, que, muitas vezes, levava para a terapia problemas que não eram seus. Nem sempre sabia como ajudar. Não sabia como dizer não. Sempre estava disposto a ouvir. Até o dia em que se esgotou e se deu conta de que se as coisas não mudassem, ali não era seu lugar para ficar.

Quando foi que precisou se diminuir tanto para caber nas expectativas do outro? O outro sequer sabia que seus posicionamentos ideológicos eram contrários e, vez ou outra, sofria com microagressões, mas se silenciava em bem da amizade – era quase como se vivesse uma vida dupla, da qual o outro desconhecia. Foi deixando um monstro crescer cada vez mais, um monstro alimentado pelo silêncio e que tanto se preocupava com o outro, que às vezes se deixava de lado.

Para pessoas que estão familiarizadas com impor limites, o caso poderia ser bobeira, mas para ele, havia chegado a um estado de exaustão, no qual não queria voltar atrás. Estava exausto de ouvir problemas, ser consultado sobre soluções que nunca eram tomadas e de ver o outro sempre no papel da vítima, muitas vezes, com os dedos coçando para dizer que nem sempre as coisas eram assim.

Foi, então, aprendendo a resgatar o amor próprio, sessão após sessão de terapia. Percebendo que estar em uma amizade onde você não podia ser você mesmo não era saudável. Era algo desequilibrado. O outro estava sempre contando os problemas, sempre demandando atenção e, no final das contas, ele tinha que fazer malabarismos para não perder o próprio equilíbrio.

Decidiu tirar o poder de adoecer do outro. Decidiu que jamais se submeteria novamente ao mesmo papel. Não tinha nenhuma necessidade não preenchida em si mesmo que justificava ser tratado daquele jeito. Não tinha interesse em se tornar psicólogo do outro. Não, queria uma amizade que fosse leve, que despertasse o melhor de si e o impulsionasse a também seguir em frente com seus planos.

Ser constantemente colocado no papel de ouvinte era algo que o estava tirando do eixo. Escutou de uma, duas, três psicólogas, precisava impor limites. “Tudo bem. Se eu ficar um tempo sem sair com ele e eu me afastar um pouco do celular, não vou precisar lidar com tantas mensagens”. Até se dar conta de que seu plano não funcionara e sequer era responsabilidade dele se desconectar, era o outro que precisava entender a importância do espaço, de filtrar as coisas e aprender a depender menos da opinião dos outros.

Então, veio o gatilho. A mesma frase que uma vez havia sido dita e o fez ficar tão preocupado com o outro, que quem acabou adoecendo foi ele mesmo. Foi aí que se deu conta de que se não cortasse o contato, logo tudo se repetiria. Não importava o quanto tentasse ajudar, havia coisas que só o outro podia fazer por si mesmo.

Era um dia como qualquer outro quando decidiu se afastar. Não estava disposto a ceder. Sabia aqueles padrões de comportamentos não mudariam com uma sessão de terapia, que a pessoa precisava se autorresponsabilizar em diferentes áreas da vida e parar de esperar que um amigo estivesse ali para escutar dia, tarde e noite seus problemas.

Era uma decisão lógica, mas também emocional. Era uma forma de dizer “Não vou deixar você me colocar no lugar ruim que eu já estive”. Era um passe para a liberdade, para dias sem ficar com o coração acelerado, sem estar tão disponível para o outro, que suas próprias vontades se tornam invisíveis. Era um adeus que não tinha sido repentino, muito bem pensado. Se dera conta de que o cuidado que tinha para não afetar o transtorno do outro, o outro não tinha com ele. Então, tudo o que restava era dizer adeus.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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