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Vomitar palavras
Não ia dizer que era fácil. Mantinha sua rotina, seja nos dias bons ou ruins, sabendo que faria toda diferença. Nos dias em que estava mais para baixo, tentava balancear as coisas e praticar gratidão. Nos dias em que estava mais acelerado, buscava desacelerar e encontrar paz no meio do caos.
Lidar com a própria vida era algo que exigia muito dele, talvez seguindo de forma mais rígida as recomendações da psiquiatra e da psicóloga, sabendo que seu cérebro era frágil de certa forma e seu humor poderia oscilar em um piscar de olhos.
Não havia caminho fácil, havia caminhos: pequenas coisas que poderia fazer por si mesmo diariamente. Porém, o que aconteça quando uma invariável se repete diariamente, jogando abaixo todo o seu trabalho diário? Muitas vezes, você precisa se questionar se vale a pena manter um relacionamento que está te drenando e jogando problemas nas suas costas, que por empatia, mesmo definindo limites, você carrega até sentir o corpo inteiro pesar.
O mesmo cuidado que você precisa ter consigo mesmo, o outro precisa ter com ele para que a relação se torne equilibrada. Quando o outro deixa de cuidar da própria saúde mental, as coisas ficam pesadas para um dos lados. Você entende, tem empatia, já esteve no mesmo lugar, mas às vezes se recusa a voltar para lá: você decide que não vai carregar os problemas do outro a ponto de alterar seu humor.
Lidar com o desconforto diário do outro, muitas vezes, significava deixar de lado os seus próprios e todos temos nossos problemas para lidar. Uma relação que só suga, não acrescenta, pode deixar um rastro de situações desconfortáveis, sempre na expectativa de que o outro vai mudar, vai melhorar. O que acontece quando isso não acontece? Você precisa fazer escolhas: ficar sabendo que as coisas vão continuar se repetindo, ou seguir em frente, em paz, consciente de que fez tudo o que era possível para ajudar – não se pode fazer a parte do outro.
Chegava a ser surreal o ponto que tinha chegado. Ter que explicar que talvez os problemas não estavam em todas psicólogas que a pessoa teve e, sim, reconhecer que talvez ela seja uma paciente difícil, alguém que edita suas memórias e conta só o que é conveniente, deixando de lado outros comportamentos prejudiciais, contando somente para amigo – uma dose de autossabotagem. Não estava aqui para ensinar como tirar melhor proveito da terapia, estava para aprender que não importa o quanto tentasse ajudar, o outro precisava tentar se ajudar, por mais difícil que as coisas estivessem.
Foi vomitando palavras, tudo o que tinha engolido por dias, semanas, meses, anos. A toxicidade do relacionamento era tanta que precisava colocar para fora, era só uma forma de autocuidado e autopreservação. Não estava aqui para apontar os erros do outro, tampouco para passar a mão na cabeça: havia se esgotado de tanto ver os padrões se repetindo, que simplesmente havia devolvido e perguntado “o que você vai fazer com tudo isso?”.
Não iria mentir. Estava se sentindo mais leve. Se arrependera de não ter escutado a primeira psicóloga alertando. Quando a segunda falou, foi tentando se afastar aos poucos, evitando encontros ao vivo. Foi na terceira psicóloga que finalmente entendeu que estava na hora de encerrar o ciclo. Toda admiração havia se tornado frustração. O outro era humano e estava fazendo o possível, mas se isto significava deixar afetar a própria saúde mental, por que continuar?
Foi, então, escrevendo, falando na terapia, pedalando, ouvindo músicas, aprendendo algo novo, lendo mais e cada vez mais consciente de que havia feito a decisão certa, consciente de que não queria mais nenhum relacionamento no mesmo estilo, não queria que ninguém dependesse da sua validação, não soubesse lidar com pequenas ou grandes questões, estivesse sempre perguntando o que fazer ou não, sempre reclamando de tudo e todos e nunca satisfeito com as pequenas ou grandes conquistas: nada era bom o suficiente. Ao abrir caminho para si mesmo, também estava consciente de que o outro abriria novos caminhos, quer ele fosse repetir ou não seus ciclos, já não era um problema que precisava lidar. Mas se sentia livre.
De tanto ter engolido problemas, às vezes, precisava vomitar palavras e tirar de si mesmo aquilo que não servia mais, que não era mais alguém com quem tinha que lidar. Cada dia mais convencido de que não desejava para ninguém passar por algo parecido e que de alguma forma, sua história poderia ajudar outras pessoas passando pela mesma situação.
*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.
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