Espelho Quebrado
Não era responsável pela ilusão do outro. Não era capaz de salvá-lo de si mesmo. Havia coisas que o outro precisava descobrir por conta própria. Amizade tinha limites e mesmo quando tentava ajudar, era jogado em uma espiral de negatividade e vitimismo. Enquanto um dependia do outro para pequenas e grandes questões, o outro lidava com as próprias questões sozinho. Assim se havia criado uma dependência, uma distorção do que deveria ser uma amizade saudável e havia se tornado cômodo para um dos lados, mas extremamente desconfortável para o outro.
Quem é que não queria alguém para escutar seus problemas e reclamações diariamente? A pergunta é: isto é saudável? Quem está se beneficiando disso? E a outra pessoa, como fica após lidar com tantas questões? Era algo que a pessoa era incapaz de perceber e só continuava e continuava, mas mesmo a pessoa mais empática precisava de um espaço e tempo para si mesmo, ninguém precisa ficar aguentando diariamente tanta negatividade vindo do outro, especialmente quando estava afetando sua saúde mental, principalmente quando você lida com suas próprias questões diariamente.
Era como encarar um espelho quebrado. Era irônico, como na teoria, ele que deveria tirar dúvidas, mas estava em uma posição, onde o outro estava cheio de problemas, que tinha bom senso e não incomodava – um bom senso que faltava ao outro, sempre despejando suas questões, sempre pedindo opiniões e ideias, coisas que sequer colocava em prática, só estava interessado em desabafar.
Mas o que acontece quando seus limites são cruzados diariamente, você já tentou se afastar do celular e mesmo assim nada funciona? Já havia se afastado de encontros ao vivo, mas as mensagens na internet não paravam de chegar: todo dia um problema diferente, todo dia criando novos problemas, ficando preso em um ciclo de autossabotagem no qual era incapaz de sair. Às vezes, você precisa colocar um ponto final. Não tem como você ajudar a saúde mental do outro, mas abrir mão da própria saúde mental – especialmente em casos em que os próprios profissionais de saúde mental têm dificuldade de lidar.
Eventualmente, quando se trata de uma ou mais condições de saúde mental, quer a pessoa esteja consciente disto ou não, ela precisa aprender a se autorresponsabilizar e se comprometer com o processo de terapia, percebendo que amigos não podem ser usados como terapeutas e que esta é uma das formas mais rápidas de matar uma amizade, onde só um dos lados se beneficia disto e o outro se sente drenado.
Então, não havia mais sentido em impor limites. Havia chegado ao ponto em que já sabia todas questões que seriam reclamadas, já previa o que seriam alvos de reclamações no futuro, já estava tão exausto de ter que ficar andando sobre cascas de ovos, ter que selecionar com cuidado as palavras para não machucar de alguma forma, ter que ficar preso em um ciclo de reclamações, validação e reconforto. Não, enquanto o outro não percebesse que era autorresponsável pela própria vida, não podia continuar alimentando sua ilusão nem reforçando seus comportamentos problemáticos.
Às vezes, não importa o quanto você tente ajudar alguém, você precisa se perguntar se essa pessoa quer realmente ser ajudada. E ainda que a resposta seja positiva, você tem que lembrar que se você já ofereceu o seu melhor e nunca foi o suficiente, você precisa devolver ao outro suas questões e fazê-lo questionar se não há outros diagnósticos possíveis, se não há outras situações que a pessoa está fazendo ou deixando de fazer para piorar sua saúde mental: depender somente da medicação e terapia nem sempre é o suficiente.
Foi se afastando não por desrespeitar o outro, mas para aprender que precisava se respeitar em primeiro lugar. Foi deixando as reclamações e problemas com o outro, para que se desse conta da quantidade de absurdos que depositava no outro. Foi deixando ir, consciente que o outro havia se tornado dependente emocional de alguma forma e o estava sufocando com questões que ele não tinha interesse em saber.
Foi revelando que diferente do outro, não tinha medo da solidão e quando precisasse, poderia procurar relacionamentos mais saudáveis. Foi pegando o espelho quebrado e devolvendo ao outro, consciente de coisas que já havia escutado há anos de psicólogo atrás de psicólogo, não havia como ajudar o outro como ele deveria e não era sua responsabilidade se isto estava afetando sua saúde mental. Foi se despedindo, esperando que a pessoa tivesse aprendido alguma lição e fosse focar mais em sua saúde mental.
Por fim, lembraria o quanto já não tinham nada em comum e sempre tentava ficar em uma posição neutra, enquanto o outro que tento cobrava empatia do mundo, na verdade, tinha baixa empatia e se colocava sempre em uma posição de vítima, incapaz de ver como as ações e os comportamentos influenciam a vida, a saúde mental e todo o resto.
*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.
Comentários
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Volte sempre!