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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

A Caça (The Hunt) – Filme dinamarquês sobre falso abuso sexual em creche

The Hunt (A Caça) é um filme dinamarquês de drama que mostra as proporções que um rumor pode tomar quando espalhado sem as devidas investigações. Lucas é um professor do Jardim da Infância carismático bastante querido pelos seus alunos, porém uma das crianças, Klara se encanta pelo homem, transformando sua vida em um inferno.

Solitário, o homem é visto com pena pelos moradores da cidade, após a separação da mulher e a ausência na vida do filho, mostrando a força dos papéis sociais na construção da realidade. Fanny, sua cachorra é a companheira de Lucas e os dois estão sempre juntos. Com o seu próprio drama pessoal para lidar, Lucas tenta conseguir manter o seu filho por perto. A ex-mulher dele vê o filho Marcus em doze dias, enquanto Lucas tem o direito de vê-lo somente durante dois dias, sentindo-se injustiçado.

A garotinha Klara olha o professor como um objeto de desejo. Depois de ver os irmãos assistindo um filme pornográfico, onde um homem excitado aparece, as palavras ditas por eles são fixadas na cabeça da menina que nem mesmo entende o que ouviu. Depois de beijar intencionalmente Lucas quando ele está brincando com os outros alunos, Klara cria um coração e coloca no bolso do casaco de Lucas. O professor devolve o presente da menina e pede para ela entregar para algum colega da classe ou para os pais. Numa época em que vivemos onde os professores têm receio de tocarem os alunos e o afeto está cada vez mais perdido, o filme traz uma discussão sobre como esses profissionais devem reagir para evitar problemas como esse.

Irritada com a rejeição do professor, Klara conta para a diretora do colégio que Lucas teria feito o coração para ela, invertendo a situação. Além de se colocar no papel de vítima, a garotinha comenta que não gosta mais dele e inventa que ele teria lhe mostrado o órgão sexual duro. Sem saber como reagir, Grethe vê-se em um dilema, conversando com o professor Lucas e lhe pedindo para que ele tire alguns dias de folga até a resolução do problema.

Karla revoltada com a rejeição inventa uma história sobre o seu professor.

Um profissional é chamado até o colégio para conversar com Klara. Confusa, a menina já nem se lembra do que disse e acaba sendo induzida pelo entrevistador, dando a resposta que eles esperavam ouvir. Sem nem averiguar o caso, Grethe conta para a mãe de Klara o que aconteceu e se vê na posição de ter que contar para os outros funcionários do colégio e pais dos outros alunos. Neste momento o espectador também se coloca no lugar da mulher e na dúvida de qual seria a maneira correta de reagir, não se esquecendo de lembrar-se das consequências futuras. "Crianças não mentem" e "Klara nunca mentiu", as duas frases ficaram marcadas na minha memória, pensando em como as pessoas costumam generalizar ideias e visões.

Grethe acredita que as crianças não mentem e conta para os outros pais sobre o suposto abuso sexual na creche.

A fofoca se espalha com velocidade por toda a cidade, provocando uma reação negativa dos moradores, amigos e colegas. O pai de Klara costumava ser o melhor amigo de Lucas. Os rumores da creche também afetam a relação de Lucas com o seu filho Marcus. Até mesmo a nova namorada de Lucas que também trabalha no colégio parece não acreditar nele. As palavras envenenadas de Klara têm uma repercussão enorme. Grethe suspeita de que outras crianças também possam ter sido abusadas sexualmente por Lucas e pede para os pais ficarem atentos aos sintomas, como terrores noturnos (distúrbio do sono com gritos, medo, pesadelos), tristeza e a enurese (xixi na cama).

Diversas crianças contam que o mesmo tinha acontecido com elas e que Lucas as teria levado para o porão de sua casa. Na tentativa de ajudá-lo a se livrar da prisão e do linchamento dos pais e outros moradores, um advogado tenta encontrar algum argumento para salvar Lucas. Ele descobre, por exemplo, que as crianças alegam terem ido ao porão da casa do professor, no entanto sabe-se que não existe este este cômodo. Nesta parte do filme, fica óbvio a força das palavras e da subjetividade, e como somos influenciados, principalmente sob pressão. É quase como se os pais e professores quisessem acreditar tanto nos abusos cometidos por Lucas, que eles plantaram suas opiniões nas mentes imaginárias das crianças.

Professor é violentado e humilhado pela comunidade por causa dos boatos criados pela garotinha Klara.

Lucas passa por episódios de humilhações e agressões dentro do supermercado e pela cidade. A cachorra Fanny é assassinada pelos antigos colegas e Lucas pede para que o filho retorne para a casa da mãe, a fim de evitar mais problemas. Dentro da igreja, na missa de Natal, o ex-professor vê as crianças da creche cantando e pede para que o pai de Klara o deixe em paz, dizendo que não fez nada. Ver o protagonista morrendo por dentro, miserável e angustiado nesta cena foi uma das cenas mais emocionantes do filme dinamarquês, o momento em que o professor encara as complicações dramáticas de frente. O peso da solidão e do isolamento atinge a alma do personagem quando todos evitam sentar ao lado dele, mesmo sem a confirmação do crime e sua liberdade. Nossas vidas são marcadas por nossas imagens e uma vez manchadas, dificilmente é possível reverter a situação. A saída de pessoas que pagaram por seus crimes, por exemplo, e não conseguem empregos e são olhados com desconfiança pela sociedade, também é uma forma de associar com os nossos cotidianos. No caso do filme, mesmo sem ser culpado, Lucas não escapou do julgamento dos outros.

O filme termina com o pai de Klara descobrindo que era uma mentira da filha e tentando se aproximar novamente de Lucas. Um ano depois de toda aquela confusão, o filho de Lucas, Marcus consegue sua licença de caça e todos os colegas e amigos do pai aparecem para comemorar. Enquanto as outras pessoas ficam tranquilas e voltam a se relacionar com Lucas, a cena final mostra o homem traumatizado com um dos tiros, ficando claro como o fato não seria facilmente esquecido por ele.

Lucas tenta provar sua inocência para o melhor amigo, Theo, pai da menina supostamente abusada.

The Hunt mostra a importância de se confirmar um rumor antes de espalhá-lo. Da mesma forma que no filme uma criança conta uma mentira e a diretora se vê na obrigação de contar para os outros pais, os jornalistas também ficam neste dilema. Se em uma cidade pequena o protagonista teve que lidar com a raiva e a rejeição dos cidadãos, os meios de comunicação de massa poderiam repercutir o boato pelo mundo todo. O roteiro não aborda esta falha ética dos veículos de comunicação, mas faz o espectador refletir sobre o assunto.

O filme traz uma combinação perfeita de roteiro, atuações, fotografia e trilha sonora, trazendo mais dramaticidade e emocionando o espectador, o fazendo entrar na história, sentir a violência moral e física na pele, se comover com o protagonista e torcer por um final feliz.

Lançado em 2012, o filme foi dirigido por Thomas Vinterberg e protagonizado por Mads Dittmann Mikkelsen (atualmente conhecido na televisão pelo personagem Dr. Lecter, no seriado Hannibal), além de contar com a participação dos atores: Thomas Bo Larsen (Theo, pai de Klara), Annika Wedderkopp (Klara) e Lasse Fogelstrøm (Marcus).

Confira o trailer do filme A Caça (The Hunt)

Comentários

  1. Esse filme é perfeito. A interpretação do Mads é hipnotizante. Ele representa perfeitamente o professor, simples, dedicado, atencioso. Bom. Como aquela outra professora diz, ele é lindo, gentil. Ela vê a alma dele. Mas o Mads tem uma feição que passa facilmente como de uma pessoa má. Por isso ele foi perfeito para o papel.

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    1. Gosto muito da atuação dele em Hannibal! Quando fui assistir A Caça e descobri que ele era o protagonista, fiquei mais interessado ainda no filme. Ele realmente tem uma feição enigmática. Obrigado pela visita e comentário.
      Beijos

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  2. Filme de excelente qualidade. Muito bom para refletirmos sobre como os julgamentos humanos podem destruir o emocional de uma pessoa. Parabéns pela sinopse e comentários.

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    1. Oi, Cristiane!
      Muito obrigado pela visita. Fico feliz que tenha gostado. A Caça é um filme bem impactante. Até hoje penso nele e em como as pessoas são influenciadas. Mentiras podem ser corrosivas e mortais!
      Abraços

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  3. Olá Ben, esse filme é excelente e o Mads está perfeito.
    Entendo que crianças podem querer vingança sim, mas você acha que no caso do filme é realmente isso?
    A Klara é muito pequena e acredito que não ela não sinta realmente desejo pelo Lucas, pode ser o chamado complexo de Édipo de que Freud fala.
    Lucas era imagem masculina mais próxima. Então quando ela confunde e Lucas se afasta ela reproduz as palavras do irmão que eram direcionadas a um homem também.
    Você acha que isso pode acontecer fora dos filmes?
    Meninas inventarem algo assim para inconscientemente "encobrir" outro abuso?
    obrigado, pela sua análise.

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    1. Oi, Emerson! Acredito que o tema é muito complexo. Já faz mais de 4 anos que assisti ao filme, não teria argumentos. Acredito que a vida e a ficção são mais próximas do que imaginamos. Quase tudo pode acontecer e cada caso é um caso. O que é a verdade? O que realmente acontece? Será que conseguimos chegar perto da verdade nesses casos? Muitas memórias são bloqueadas, outras são reinventadas, reescritas. Crianças são influenciáveis. No caso do filme, aparentemente não houve nenhum abuso, mas se a gente for analisar por outro ângulo, pode dar a entender de que crianças têm uma imaginação fértil, dando mais combustível para quem tenta encobrir. Como disse, acredito que só dá para analisar caso a caso, do resto, tudo são só especulações. E no terreno das possibilidades, podem existir inúmeras razões para algo assim acontecer. Quanto aos casos de abusos, a maioria deles acontece em família, então, há sim a possibilidade de que ela estivesse encobrindo outros abusos.

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