Texto: Ben Oliveira
Ontem eu e alguns colegas da universidade fomos gravar um
documentário sobre os artistas de rua de Campo Grande (MS). Saímos pela manhã à procura dos personagens, os artistas que se apresentam pelos semáforos da cidade, levando alegria para os motoristas. Porém, não são todos que apreciam as performances, os enxergando como vagabundos e não contribuindo para sua sobrevivência.
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Camila se divide entre o tambor, malabarismo e outras práticas artísticas. Foto: Ben Oliveira. |
Dos cinco profissionais entrevistados somente uma era brasileira. Os artistas estão sempre viajando para lugares diferentes, muitas vezes, vindo de outros países da
América do Sul, como
Argentina,
Chile,
Bolívia e
Uruguai. O pouco tempo de permanência dos proliferadores da arte no Brasil não ajudou muito na hora de conversar com eles, já que os mesmos não falavam o português e nem sempre entendiam as perguntas. Para ajudar nesta comunicação, levamos uma jovem campo-grandense que está morando na Argentina e precisou aprender o idioma para se comunicar bem e estudar.
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Artistas de rua oriundos de diferentes países ganham a vida em Campo Grande (MS) se apresentando nos semáforos. Foto: Ben Oliveira. |
O medo inicial ao irmos às ruas foi o de não encontrar os artistas no horário em que teríamos para realizar as gravações, já que não tínhamos marcado previamente com nenhum entrevistado. Circulamos durante alguns minutos por alguns pontos da cidade onde estes estrangeiros costumam se apresentar. Por sorte encontramos dois personagens na esquina da Avenida Calógeras com a Avenida Fernando Corrêa da Costa e ficamos surpresos ao saber que Daniela conversava e acompanhava o trabalho dos rapazes. Os homens estavam sentados, conversando, aguardando os motoristas pararem no semáforo. Enquanto o trânsito não estava favorável aos trabalhadores autônomos, aproveitamos para quebrar o gelo, configurar as câmeras e nos prepararmos para começar a gravar. Diego fumava um cigarro, enchia um balão de ar e dava diferentes formas, como a de um cachorro, presenteando uma colega que trabalhou durante dez anos fazendo malabarismo.
Ao lado das moedas recebidas pelos artistas, Juan lia uma apostila emprestada pela jovem Daniela. A cena quebrava um dos mitos da sociedade contemporânea a de que esses profissionais ganham dinheiro fácil, sem precisarem estudar ou praticar. Como bem lembra a mulher durante uma entrevista, apesar de ser incompreendida por muitos, a arte possibilita fazer coisas que muitos não conseguem, ações simples como transformar um balão em escultura e, portanto, precisa ser valorizada. Quando olhei para os artistas se apresentando e percebi que poucos são os que colaboram com moedas, me lembrei de um trecho de um documentário que eu assisti, no qual os motoristas chamavam esses trabalhadores de vagabundos, clamando as palavras “vai trabalhar!”. Apesar de não ser um emprego convencional, não é trabalho o que eles fazem?
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Amigos artistas se apresentam juntos para os motoristas da cidade, tratados com alegria e indiferença. Foto: Ben Oliveira. |
Poucos minutos em contato com estes artistas e a visão que as pessoas têm sobre eles pode se transformar, como acredito o que aconteceu aos membros do meu grupo que puderam conversar e observá-los trabalhando. Talvez o que mais incomode esses motoristas, como contou um artista de rua seja a liberdade, felicidade e ganhar dinheiro fazendo algo prazeroso, o que muitas vezes não acontece em um emprego tradicional, no qual os funcionários precisam lidar com a pressão, estresse, nervosismo. Daniela mesma compartilhou sua história. A mulher trabalhou em um bar e como hostess, no entanto após se apresentar como palhaça em um evento de teatro realizado na cidade, um diretor disse que queria dirigir uma peça para Daniela. Após ficar dividida entre o trabalho e a arte, a mulher se demitiu e pretende se mudar para Brasília em outubro, onde voltará a fazer o que realmente gosta. Segundo a entrevistada, a arte é o que a deixa feliz, mesmo ganhando menos do que em um trabalho convencional.
A uma quadra de onde estavam os três artistas, Camila e Mariano também estavam praticando a arte no semáforo e toparam participarem do documentário. Ao prestar atenção para Camila, uma mulher de olhos verdes, faixa na cabeça e com dreadlock nos cabelos, pude ver que mesmo grávida e sobrevivendo com as moedas recebidas na rua, a jovem mantinha o sorriso no rosto enquanto manipulava os tecidos coloridos no ar, com graça, técnica e precisão. Ignorada por uns, admirada por outros, a mulher transmitia suas boas energias para quem assistia a performance, algo que infelizmente nem sempre as câmeras de vídeo conseguem registrar, transcendendo o que a tecnologia pode captar, indo além dos olhos, tocando a alma, entretendo, aliviando o estresse do cotidiano.
O primeiro pensamento que passou em minha cabeça ao ver mulher andando ao lado de Mariano, se apresentando juntos, era o de que os dois formavam um casal. “Somos só amigos”, dizia a mulher tirando nossas dúvidas. Camila tocava um tambor enquanto o seu colega fazia malabarismo com pinos. Se por um lado Daniela lembra que às vezes é possível ganhar entre R$ 60 e R$ 80 por hora, por outro os artistas são ignorados pelo seu público, como se fossem invisíveis. Foi o que aconteceu quando filmei os dois artistas entretendo os motoristas e ninguém quis contribuir.
Após as filmagens, diálogos e a chance de acompanhar aquele espetáculo de perto, fui para casa com a certeza de que esses artistas de rua conseguem ser mais felizes do que muita gente por aí e que os verdadeiros alienados somos nós e não eles, como tantos trabalhadores registrados desejam acreditar. Com simplicidade, bom humor e entusiasmo, estes artistas fazem de suas vidas uma verdadeira aventura diária, lutando pelo que acreditam, conhecendo novos destinos, mergulhando em novas culturas e sobrevivendo das contribuições. Apesar de algumas formas da arte serem desvalorizadas, engana-se quem afirma que esses homens e mulheres, estrangeiros ou não, que dedicam suas jornadas a animarem os outros, nem que seja por poucos segundos, estão pedindo esmolas. Nem melhores, nem piores, eles são trabalhadores e devem ser valorizados. Muitas vezes, esses artistas não esperam por dinheiro e se contentam em receber como pagamento de quem os estão assistindo sorrisos e olhos brilhantes.
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