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Destaques

Alguma paz

A vida era mais do que frases de efeito e pensamento mágico. Muitas vezes, era sobre como realmente se sentia. Ser sincero consigo mesmo nem sempre era fácil, mas necessário.  Aceitar que, em algumas situações, não fazer parte da vida do outro é o mais saudável para os dois. Assim como acreditar que o contrário também era possível. Era enxergando os dois extremos que poderia encontrar um lugar no meio. Então, a dor que havia sentido um dia, desaparecera. Não era nada mágico. Não era simples efeito do tempo. Era processar as emoções e aceitar as coisas como eram. O exercício de lidar com a frustração era algo diário, mesmo quando não imaginava que estava fazendo. Era somente ao lidar com aquilo que o incomodava, que realmente poderia se libertar. Não era fácil, mas era como finalmente tinha encontrado alguma paz. A paz vinha de ter abandonado a necessidade de agradar aos outros, ainda que desagradasse a si mesmo no processo. A paz vinha de entender que a esperança nem sempre era uma...

A Vida e Morte de um Amante de Livros

*Ben Oliveira

Suas mãos coçavam com a vontade de segurar aqueles livros. Precisava ler todos. Desejava possuí-los. Gastava o dinheiro que lhe faria falta. Preferia ficar sem comer a ter que abrir mão do seu vício.

O corpo inteiro tremia de excitação só de imaginar qual seria a sensação de tê-los na sua estante. Não gostava de organizá-los em ordem alfabética, cores, tamanhos, gêneros – nada disso, gostava de como eles contrastavam e ao mesmo tempo ficavam tão bem juntos. Sentia-se realizado ao observá-los.

Livros. Adorava livros. Modernos, antigos, usados, novos, pequenos, grandes, densos, literários, técnicos. Havia algo mágico neles que o fazia sentir tanta vontade de continuar lendo e lendo, como quando você está comendo um prato tão gostoso que não consegue parar até que não reste nada e quando termina a refeição, gostaria de mais e mais. Antes mesmo de terminar uma leitura, já estava de olho em outro livro. Nostalgia e alívio se misturavam dentro dele e quando segurava sua próxima vítima, era possível ouvir o seu coração batendo com força, um sorriso cheio de vida se formando no rosto e o processo recomeçava. Tudo igual e tudo diferente.

A sensação era única demais para conseguir descrever com clareza. Nem mesmo suas companheiras letras podiam ajudá-lo. Era como nascer, viver, viajar, experimentar, conhecer, morrer, diversas vezes, em um loop infinito.

Sua apreciação era tanta que desejava aprender a dar a vida para as suas próprias histórias e vê-las de mãos em mãos, línguas, ouvidos, olhos, cabeças. Não via sentido em uma existência sem aquele objeto tão venerado e não entendia como as outras pessoas não eram loucas por livros, como ele. Se pudesse, ficaria lendo sem parar, não pararia para comer, dormir, tomar banho, escovar os dentes. Sua obsessão não tinha limites. Algum dia enlouqueceria de tanto ler, era o que costumavam dizer, como uma previsão tão óbvia quanto dizer que ele morreria um dia.

A fonte de loucura também era onde encontrava sanidade, equilíbrio, paz. Dentro da livraria ele recomeçava sua caçada. Por mais que sua vontade fosse a de levar todos os livros para casa e se deliciar com cada uma daquelas histórias, faltava-lhe tempo, saúde e dinheiro para isto. A cada dia que passava sua vontade aumentava e a dor também. Gostaria de viver dentro daquelas páginas para sempre.

Quando completou 96 anos, suas vontades foram atendidas. Deitou-se em uma caixa enorme, cercado pelos seus livros favoritos. Soterrado pelas narrativas,  ele mal conseguia respirar com tantas palavras. Fechou os olhos. Tornou-se uma página de um livro que nunca teria a chance de ler.

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