*Texto: Ben Oliveira
“Continue se movendo”, a voz fraca repetia na cabeça dele. Ofegante, o homem não sabia quantos anos mais aguentaria manter-se ativo e saudável. Suas mãos estavam trêmulas, os músculos da perna estavam doendo, o coração batia descompassado e o ar faltava-lhe nos pulmões. Sua visão estava embaçada e se não fosse pelo apoio das mãos, tropeçaria a qualquer momento.
A vida, às vezes, se parecia com uma esteira. Ele sentia diferentes sensações ao subir em cima daquele aparelho. Tinha dias em que estava animado e os minutos passavam tão rápidos que se não fosse pela sua agenda lotada, ele poderia ficar horas mexendo as pernas. Em outros dias andar dentro de um ambiente fechado lhe parecia sufocante, entediante, sem sentido. Gostava de cuidar da própria saúde, suar, sentir o sangue circulando pelo corpo e desafiar os próprios limites.
– Só mais 30 minutos – disse o instrutor para ele. Sentiu vontade de reclamar, mas desde muito novo sabia o quanto era importante sempre seguir em frente, não importa quantas dificuldades e obstáculos aparecessem pelo caminho.
O homem não conseguia tirar os olhos do visor da esteira, vendo os segundos passarem lentamente. Ele desejou que a vida pudesse parar por alguns segundos, minutos, horas. Sentia como se vivesse em cima de uma esteira mal configurada, quase como se o aparelho tivesse vontade própria e escolhia o momento de aumentar ou diminuir a velocidade e tudo o que ele poderia fazer era dar o melhor de si para continuar se movimentando.
Era patético como ele andava e andava e não saía do lugar. As primeiras vezes foram terríveis, sentiu-se como um animal selvagem sendo domesticado. Aprendeu a gostar da atividade física, mas também sentia desprezo. Começava andando devagar e à medida que o corpo se aquecia, ele sentia vontade de aumentar a velocidade do aparelho. Andava e andava sem precisar segurar os apoios, principalmente quando estava de bom humor, no entanto nos seus dias cinzentos sentia-se como um astronauta desafiando a gravidade, como se dar cada passo lhe custasse uma energia que ele já não tinha mais.
Pressionado no seu dia-a-dia, o homem perguntava-se quando a esteira pararia, quando ele teria tempo para relaxar, se desligar do cotidiano, fazer as coisas que tinha vontade. Anos se passaram desde que alguém o ensinou que para ser feliz na vida precisaria encontrar um bom emprego. Já não se preocupava mais com o medo de passar fome e de não ter onde morar, o que ele queria era que o mundo parasse para que ele pudesse refletir, pensar, sonhar, entender a própria vida. O tempo passava cada vez mais e todas as promessas que ele fazia para si mesmo nunca se realizavam.
Certo dia se desentendeu com o chefe, com o colega do trabalho, com o instrutor. Sua disciplina não permitia que ele não andasse na esteira, nem sequer um dia. Estava cansado e se sentia impotente diante do seu próprio futuro. Os deuses do capitalismo haviam lhe enganado. A cada ano que passava ele trabalhava mais e mais, estudava, fazia cursos, precisava arranjar tempo na sua agenda lotada para os seus compromissos profissionais e nunca tinha tempo para si mesmo. Era simplesmente uma máquina de um sistema que não poderia parar, ele nem mesmo sabia a razão de suas compulsões, porém as repetia em seu cotidiano. Todos tentavam ensiná-lo a crescer, conseguir um emprego melhor, ler tal livro, participar de alguma palestra, estudar, economizar, gastar, mas ninguém o orientava a encontrar a paz própria, desfrutar dos prazeres da vida e conviver com o silêncio. Existiam coisas que ele deveria aprender sozinho e não vinham em manuais de instrução.
Não aguentava mais andar, falar, respirar. O homem tentou andar no seu próprio ritmo na esteira e o aparelho descontrolado aumentava a velocidade sem parar. Ele corria tão rápido que as outras pessoas elogiavam sua performance, sem imaginar o aperto que o homem estava passando. O público se juntou ao redor dele e observava-o correndo. Não sabia se era só impressão dele, parecia que a esteira estava tentando derrubá-lo. O aparelho aumentou tanto a velocidade que o homem precisou se segurar com as duas mãos para não desequilibrar e quando estava se acostumando com o ritmo, sentiu tudo desacelerar bruscamente. A dor no peito estava insuportável, a roupa estava toda molhada do suor. O homem caiu no chão com um ar de tristeza no rosto.
– Chamem a ambulância! – gritou desesperado o instrutor, como se fosse responsável por aquele ato final.
A casa enorme para uma pessoa, o carro importado, os investimentos financeiros, nada daquilo fazia sentido e compensava sua existência miserável. Não gostava de prometer coisas aos outros e não cumpri-las, mesmo tendo passado todos aqueles anos tentando se convencer de que um dia seus esforços valeriam a pena e ele viveria como desejava.
Ele morreu como sempre viveu, cercado de dinheiro, sem amigos, amores e família. Tudo aconteceu tão rápido, que nem mesmo na morte o homem conseguiu ver os flashes de sua vida passando – era só mais uma promessa que não se cumpriu.
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