Eu estava almoçando quando ouvi as duas mulheres
conversando. Nada como escutar um diálogo para se inspirar, até que me vi
pensando no assunto por alguns minutos.
– Tem algumas coisas que eu não entendo na Bíblia – disse
uma delas.
– O que? – perguntou a outra.
– Dizem que a verdade está lá, mas o que acredito mesmo é
nos Dez Mandamentos.
– Por quê? E no resto da Bíblia, você não acredita? –
insistiu a outra.
– Acredito nos Dez Mandamentos por que dizem coisas boas
para as pessoas. Já o resto da Bíblia, cada um entende de um jeito.
Enquanto mastigava a comida e tentava digerir o que eu havia
escutado, observava e ouvia a conversa. É engraçado como os diálogos se parecem
com monólogos paralelos.
– Quando morrer eu quero estar com roupa branca no caixão.
Não é está cor de roupa que usam no céu?
Vai dar menos trabalho e vou poder ir direto para lá.
– Será que a gente paga o pecado lá antes de entrar nos
portões do paraíso? Acho que a gente paga um pouco dos pecados quando está
vivo.
– Claro que sim. É igual ir ao consultório. Até você ser
atendida pelo médico, não precisa ficar esperando?
– E essas pessoas que são assassinadas pelos filhos? Elas já
pagaram alguns pecados. Chegando lá, eles sabem para onde vão.
– Pro céu ou pro inferno?
– Ou pro purgatório.
– Acho que o purgatório é na terra.
– Dizem que no céu é cheio de carneiros.
– Quem falou isto? – disse uma das mulheres.
– Não sei. Imagino vários carneirinhos brancos lá. E agora?
Você não gosta de carne de carneiro, só de vaca.
– Quando você faz algo errado é igual era no colégio, você
não ficava de castigo? Então, no céu também é assim.
– Eu não entendo por que essas religiões são contra os gays.
Na Grécia aqueles homens todos se pegavam e era normal.
– Se Adão e Eva eram as únicas pessoas e tiveram dois
filhos, com quem eles se casaram? É isto o que não entendo na Bíblia.
– Se casaram com alguém da família. Deve ser por isso que
tem toda essa promiscuidade.
– Então, quer dizer que já estou salva?
– Deve ser. Ou, às vezes, a culpa foi da serpente.
– Não entendo.
– Eu não sei por que falam que é errado quando os homens
gays usam maquiagem ou têm cabelos longos. No Egito, os homens usavam
maquiagem. E Sansão não era aquele cabeludo?
Observei uma mulher preocupada com as origens e com o
paraíso, enquanto a outra estava interessada no contexto atual e no que era
certo ou errado. Elas falavam sobre a mesma coisa, mas ao mesmo tempo seguiam
direções diferentes.
O engraçado sobre os diálogos é que quanto mais você repara,
mais percebe que, na verdade, cada um fala o que quer, escuta o que deseja, e
no final de contas, a conversa que cada um tem é consigo mesmo. Ao falar algo
para o outro, falamos sobre nós mesmos. Ao escutar, filtramos somente o que é
de nosso interesse.
Terminei de almoçar e saí da mesa com aqueles monólogos.
Eles se repetiam na minha cabeça. Quando se trata da Bíblia e das religiões,
não é exatamente assim que as pessoas se comportam? Cada um com seu ponto de
vista. Há quem interprete tudo ao pé da letra, quem consiga ler nas entrelinhas
e aqueles que insatisfeitos com respostas prontas para perguntas não feitas,
insistem em questionar e refletir. Aqueles que questionam e pesquisam são
vistos pelos religiosos como pessoas de má fé, quando, na verdade, são estes os
que mais aprendem sobre suas verdades e sobre Deus.
Deitado na minha cama, pensei que até mesmo quando a
conversa é com Deus, muitas vezes, esses religiosos criam monólogos. Não por
que esta força criadora seja incapaz de se comunicar de volta, mas por que o
tempo inteiro as pessoas estão pedindo por alguma coisa e somente enxergando e
ouvindo o que esperam. Enfim, para que um diálogo aconteça, é preciso saber
escutar mais do que falar, caso contrário, serão somente monólogos
paralelos.
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