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Destaques

Ser lembrado por um leitor

Há algo encantador em ser lembrado por um leitor, como se de alguma forma estivessem conectados pelas palavras, mesmo com o passar dos anos. Havia algo reconfortante em saber que um leitor aguardava um livro novo. Tantas coisas tinham acontecido na vida após a publicação do último livro. De alguma forma, era como se tivesse se tornado outra pessoa. Estaria mentindo se dissesse que ainda não escrevia, mas nem sempre tinha energia ou foco para tal, já não era mais como antigamente quando conseguia prever quando iria terminar de escrever um livro. Um simples e-mail poderia fazer um escritor feliz e trazer uma dose de esperança de que em algum lugar do mundo, havia um leitor ansioso e animado com a possibilidade de um novo livro. Poucas sensações eram tão boas para os escritores. Só tinha como agradecer, ainda que em forma de texto aberto. Leitores, muitas vezes, são lembretes de que os livros importam. Escritores, em muitas situações, precisam deste lembrete constante para vencerem as dif...

Resenha: Num Mar de Solidão – Vitor Miranda

Recentemente recebi um exemplar do livro Num Mar de Solidão, do artista e autor Vitor Miranda. A obra de 120 páginas foi publicada pela Giostri Editora, em 2014, com contos urbanos que trazem São Paulo como pano de fundo, a metrópole onde o caos e a solidão andam de mãos dadas e diferentes personagens se encontram.
Capa do livro Num Mar de Solidão, de Vitor Miranda

Os contos do livro são narrados em primeira pessoa. Há momentos em que o leitor se pergunta se o narrador é o autor ou é outro personagem que conta a história, por causa do realismo. A linha entre a crônica e o conto é cruzada a todo instante. Doses de autoficção, linguagem ácida, boemia, carência e amores distantes estão presentes nas narrativas que variam de tamanho, sendo o menor conto de duas páginas e o maior de dez.

“Desci do ônibus às sete horas da manhã na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta. Ah, se eu fosse uma puta, eu escolheria essa esquina. Ela é ótima! É onde passa a maior variedade de seres estranhos da Terra, desde terráqueos, marcianos, plutanianos, saturnianos até os lunáticos” – trecho de O casal de Mendigos

A linguagem pode incomodar os leitores mais puritanos e acomodados. O estranhamento é proposital. O narrador-personagem conta suas peripécias e mostra a sua perspectiva sobre a vida, o amor, a amizade, o sexo e suas loucuras na capital paulista – cenário com o qual ele nutre uma relação de codependência de felicidade e ódio, romantismo e selvageria, encantamento e desilusão.

É impossível ler Num Mar de Solidão sem se lembrar dos escritores que narravam suas aventuras regadas a álcool, drogas, sexo e experimentalismo. O próprio narrador-personagem fala sobre a influência do escritor Charles Bukowski e do personagem Hank Moody, protagonista mulherengo, com problemas de relacionamentos por causa das bebidas e abuso de substâncias, da série de televisão norte-americana Californication.

“Acendi meu cigarro, guardei o maço no bolso de trás da calça e o isqueiro no bolço esquerdo da frente. No direito senti o celular vibrar novamente. Já nem lembro quantas vezes ele vibrou hoje. Esperei ele parar e peguei-o para ver o que eu já sabia. Era a vigésima sétima ligação perdida de uma mulher chamada Mônica. Tenho medo dessas mulheres psicopatas que ficam ligando sem parar, que não esperam o nosso retorno, elas nos envenenam, nos cortam em pedacinhos, o chinês da pipoca Yoki que o diga”trecho de Psicopatas Noturnas

Não vou me aprofundar na análise de cada conto, pois tiraria toda a graça do leitor. Basta imaginar um protagonista que não abre mão do seu cigarro e suas bebidas; Que mesmo amando uma jovem e sabendo que não encontrará nenhuma outra como ela, lida com as madrugadas solitárias e a saudade que os separam a quilômetros de distância, levando-o a outro de seus vícios: mulheres; As festas loucas, encontros com jovens que se preocupam com o seu status e o tédio, mesmo na cidade ‘que nunca dorme’.

“Eu sempre entro em depressão quando volto para São Paulo depois de uma viagem. Eu amo essa cidade, mas só amando-a muito para continuar vivendo nessa merda”trecho de E Foi Assim que Comecei a Escrever

Morcegos, travestis, mendigos e prostitutas dividem as páginas com artistas, trabalhadores, homens e mulheres. O que todos têm em comum além de estarem reunidos no mesmo livro e morarem na mesma cidade? Mesmo diante das inúmeras opções de entretenimento, das diferentes classes sociais, gêneros e orientações sexuais, no final das contas, todos são seres humanos à procura da felicidade, de relações com outras pessoas, de maneiras de ganhar a vida, do sucesso e de preencher os buracos da solidão estampados em suas almas.

Vitor Miranda, autor do livro Num Mar de Solidão
Vitor Miranda. Foto: Divulgação.
Sobre o autor – Vitor Miranda iniciou a vida artística após trancar o curso de Comércio Exterior e se matricular num de Teatro. No fim de 2010, foi protagonista do curta-metragem Amizades e Utopia, trabalho que despertou a vontade de ampliar seus horizontes nas artes. Estudou fotografia, e em 2011, idealizou um projeto de documentários de curta-metragem a serem veiculados na internet, o Documentos Urbanos. Em 2013, lançou seu primeiro curta Pise Fundo, Meu Irmão. Num Mar de Solidão é o seu primeiro livro, publicado pela Giostri Editora.

Para interagir com o autor e mais informações sobre o livro Num Mar de Solidão, curta a página do Facebook: https://www.facebook.com/NumMardeSolidao

Ficou interessado? O livro de contos pode ser encontrado nas lojas virtuais da Saraiva e da Livraria Cultura

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