Pular para o conteúdo principal

Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: O Branco se Suja pelo Esforço – Roberto Muniz Dias

O início do livro O Branco se Suja pelo Esforço ou Aos feios sábios os belos bobos, do escritor Roberto Muniz Dias, lembra um ensaio, no qual o autor discorre sobre a criação do seu personagem. A cada virada de página, o leitor é introduzido na atmosfera criada pelo narrador, uma jornada pela Europa para reconstruir Nikhov. Nesta tentativa de reencontrar o personagem, o narrador também compartilha que a viagem havia sido adiada há 13 anos.

Capa do livro O Branco de Suja pelo Esforço, Roberto Muniz DiasÉ interessante acompanhar a reflexão do narrador. Há momentos em que não se sabe se é o próprio autor quem está contando sua história ou se é um narrador, já que o ponto de vista usado é o da primeira pessoa, e ambos são escritores.

A busca pelo personagem também pode ser vista como uma busca por si mesmo. Então, o leitor é convidado a se aventurar pelos labirintos externos e internos, pelos cenários das cidades europeias, perspectivas do narrador e entrelinhas do texto.

Há momentos em que me perguntei se o livro não seria um ensaio, por associar à imagem do autor e ter um toque autoficção, em outros se não seria uma espécie de diário de viagem. Porém, Roberto surpreende o leitor neste jogo de intencionalidades, amarrando-o em sua própria construção da linguagem.

Ao mesmo tempo em que o narrador desfruta da solidão, ele tem sua missão, a de refazer os passos de Nikhov e entender o que aconteceu a ele. Teria o personagem realmente morrido? Se ele estivesse vivo, onde estaria? Que mudanças viriam desta redescoberta? Neste ideal de reencontro, o narrador busca uma explicação sobre o porquê de as coisas terem sido de um jeito e não de outro.

Ainda sobre o entendimento do personagem, no texto é revelado de onde surgiu o seu nome, da influência das leituras dos autores russos Anton Tchekhov e Nikolai Gogol. A narrativa tem o seu próprio ritmo. E mesmo diante da introspecção, é difícil conseguir parar de ler, uma vez que você começa – Roberto sabe como conduzir o leitor.

De repente, nos vemos diante do inesperado. Novos personagens aparecem. O narrador confronta sua própria criação. A loucura, a imaginação e a realidade se dissolvem num só universo. Uma morte. E-mails misteriosos. O desaparecimento de um diário. Estaria o narrador perseguindo ou sendo perseguido? Seria ele o criador de um personagem ou um personagem desenvolvido por outro escritor? Será ele o inventor de Nikhov ou uma vez que publicamos um livro, deixamos de ser o autor?

O Branco Se Suja Pelo Esforço traz repostas e ao mesmo tempo, cria novas inquietações sobre este processo mágico de dar vida a um personagem – muitas vezes, idealizações do escritor. Mais do que uma busca por Nikhov, a narrativa traz uma busca pelo amor. Um narrador em crise, os anos que se passaram, os personagens-fantasmas e reais, as linhas entre ficção e realidade e a oportunidade de contar uma nova história.

*A resenha do livro foi escrita com base no manuscrito do escritor Roberto Muniz Dias, enviado para que eu fizesse a Leitura Beta. O Branco se suja pelo esforço ou Aos feios sábios aos belos bobos ainda não foi publicado em sua versão impressa, mas algumas partes do livro foram publicadas no Wattpad. 

Sinopse: Um diário de bordo perde seu propósito original. O relato das aventuras de um turista retoma uma história de um livro-guia. Nesta viagem (em duplo sentido) o personagem-narrador vai alinhavando ficção da ficção e realidade para compor uma história de busca, autoconhecimento e amor. Uma novela intimista, mas que revela algo maior como a tentativa de sair do lugar comum da vida.

Comentários

  1. WOW!
    Adoro essa aura de mistério, esse saber e não saber, criar suposições, tentar desvendar... não são todos os autores que conseguem fazer isso.
    Descobri recentemente esse tal Wattpad e estou pensando em começar a escrever lá :3 haha parece ter muita coisa interessante.

    Abraços,
    Duas Leitoras

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Kemmy!
      O livro tem esse toque de mistério e o personagem é um escritor que pensa estar enlouquecendo. O tipo de narrativa que me encanta!
      Quanto ao Wattpad, também conheci recentemente. Fiz até uma conta lá, mas ainda não postei nenhum texto. A vantagem dele é que tem muitos livros gratuitos para ler online, sem falar que tem o aplicativo.
      Abraços!

      Excluir
  2. Há tempos queria realizar algum projeto com quadrinhos – sempre fui fascinado por desenhos e animação. Então surgiu a ideia de fazer algum texto infantil com ilustrações minhas, mas achei meu trabalho nesta área muito incipiente. Então, durante os estudos na Faculdade de Letras, comecei a usar as ilustrações de Esaul Furtado, para as projeções nos trabalhos e seminários de literatura, do qual eu exigia pequenas ilustrações para meus contos. Desde então, fiquei fascinado pelo trabalho dele. Isto foi lá pelos idos tempos de 2001. Hoje o trabalho do Esaul se profissionalizou, bem como o meu. E destas maturações surgiu um projeto em conjunto para confeccionar – soa como um trabalho manual e artesanal – um livro de ilustrações; de juntar nossos dois ofícios.
    O nome do livro tem um título esdrúxulo, mas é apenas um capricho para encher a página da capa. Brincadeira! Tem a ver com tantas referências que acabou formando um complexo significado, mas que pode ser claramente percebido com a leitura do livro.
    Tudo começa com uma folha em branco, tanto para o ilustrador quanto para o escritor. Daí já temos uma possível explicação para a primeira parte do livro. A segunda parte tem a ver com uma citação que li sobre o trabalho de Thomas Mann e sua suposta e perquirida homossexualidade (leitura que fiz do livro Tempos Sombrios de Colm Toibin). Alguns diziam que Mann nunca experimentara sua homossexualidade, mas apenas uma homofilia, um desejo recôndito e recluso. Mas liberado pela verve da Literatura em sua obra mais conhecida: MORTE EM VENEZA. A relação platônica de pura admiração do o escritor Gustav Aschenbach pelo jovem belo chamado Tadzio. Mas esta segunda parte do título não tinha (tem) a ver muito com a história em si, mas com escritores e pensadores que se perfilavam neste protótipo de filosofia não-procriativa. Li em outras passagens, em livros sobre a suposta homossexualidade de Mann. O livro no qual Carlos Haag tira uma citação do livro “Thomas Mann: Eros and Literature”, de Anthony Heilbut: “Ninguém antes de Mann conseguiu capturar a necessidade gay de justificar-se. ‘Morte em Veneza’ é um guia ‘Baedecker’ para o amor homossexual, visto como uma paixão assimétrica, ligando os sábios feios aos belos bobos. Pronto, temos a explicação completa.”
    Comecei a escrever este livro, para que parecesse um diário de bordo de minha viagem à Europa, eis que "Um diário de bordo perde seu propósito original." E qual seria este novo propósito? Foi uma necessidade de entender o porquê de meu primeiro livro: Adeus a Aleto. Por que escolhi as paisagens, até então imaginativas, de uma Europa não visitada, apenas conhecida pelas minhas leituras e divagações. E também pela personagem principal desta história, Nikhov, que provocou reverberações em minha escrita até hoje. A tentativa foi de criar um Entendendo Adeus a Aleto, mas que não exigisse a leitura previa dele.
    Portanto, convido-os para ler, conhecer este projeto de 2015, comentar, sugerir ilustrações, conversar com o escritor. O trabalho está em andamento e é publicado por capítulos no wattpad.com. Ao término será publicado um livro e serão sorteados exemplares, de capa dura, para os leitores. Então participem!
    Os primeiros capítulos podem ser lidos aqui:
    http://www.wattpad.com/85176605-o-branco-se-suja-pelo-esfor…

    ResponderExcluir
  3. Nikhov - entre o desejo e a fuga.
    Acompanhe e colabore com o projeto:
    https://www.catarse.me/pt/nikhov

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Volte sempre!

Mais lidas da semana