Esta semana recebi o
manuscrito do novo romance do escritor
Roberto Muniz Dias, cujos títulos provisórios são
“O branco se suja pelo esforço” ou
“Os feios sábios aos belos bobos”. O material é uma cópia do moleskine escrito por ele durante sua viagem para
Bruxelas, Paris e
Londres.
O que é mais bacana nesta leitura beta do manuscrito do Roberto é a oportunidade, não só de ler em primeira mão o texto do seu possível novo livro, como a experiência de acompanhar o processo de criação literária de outro escritor, principalmente quando você admira suas narrativas. Ler um livro publicado, após uma série de processos, como reescrita, revisão e edição, certamente não é a mesma coisa do que ter acesso ao material cru.
Para quem gostou de
Nikov, personagem presente no livro
Adeus a Aleto (leia a resenha publicada no blog!), do escritor Roberto M. D., o novo material traz o russo de volta à vida.
“Houve o resgate do Nikov, como elemento condutor da história: uma obsessão, do personagem deste livro, por recriar um protótipo de perfeição, como se ele mesmo usa no livro, o seu Frankstein”, afirma Roberto.
Minha leitura será, literalmente, do manuscrito. Antes mesmo de me aventurar pelas páginas do texto, tenho a certeza de que será uma aula prazerosa. Para nós, escritores, uma das melhores maneiras de se aprender a arte da ficção é por meio da leitura atenta de clássicos e contemporâneos, de acordo com seus gêneros, temáticas e estilos. Porém, ter contato com a primeira versão de um original (antes de sua publicação) de outro autor, esta será a minha primeira vez.
Por que fui escolhido pelo Roberto como leitor beta? Uma das respostas talvez seja a minha admiração pelo seu trabalho. Outra é a confiança. Afinal, não é qualquer escritor que deixa outro ler o seu manuscrito, seja pela autocrítica, pelo medo de ser plagiado (dificilmente alguém registra a primeira versão do original) ou por ser uma experiência semelhante a ficar nu diante do outro. Moramos em cidades diferentes, mas aprendo mais sobre a arte da escrita com ele, seja através das trocas de mensagens pelo Facebook (o que me lembra de uma forma pós-moderna a troca de cartas entre escritores) e devorando seus livros, tentando captar suas essências.
"Difícil ficar falando sobre isso. Eu, falando sobre isso! Parece uma loucura - outro viés usado pelo personagem do livro - que se deixa conduzir por uma loucura-orientada!".
Ainda sobre o manuscrito, será interessante notar a pulsação da escrita por meio da caligrafia, seus rabiscos e diferentes ritmos. O material ainda traz algumas correções ortográficas; acréscimos de frases; alterações de palavras e algumas anotações, tudo isto feito por meio de canetas coloridas, permitindo que eu possa entender. Aliás, para quem se aventura pelo universo da criação literária não é nenhuma novidade que a primeira versão geralmente é escrita sem estas pausas para revisão, para que o texto possa fluir.
Que os escritores costumam ser perseguidos por seus personagens também não é novidade. Ao longo da leitura pretendo entender qual foi a necessidade de Nikov de se reconstruir. Ao mesmo tempo em que vou mergulhar no íntimo do autor, do personagem, também vou fazer uma viagem para o meu interior, pois esta é uma das marcas das narrativas do escritor, o de se conectar com o leitor através de uma dose de autoficção, memórias e possibilitar a reflexão sobre a vida, a ressignificação das coisas, a redescoberta.
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Roberto Muniz Dias e seu moleskine. O material do seu novo romance foi escrito pela sua passagem na Europa, lugares em que o seu personagem Nikov viveu e buscou seu resgate. Foto: Acervo Pessoal. |
Um trecho do manuscrito de “O branco se suja pelo esforço” / “Os feios sábios aos belos bobos” para instigar! Leia o primeiro parágrafo:
"Está viagem começou há 13 anos, mas nunca foi levada a cabo. Foi interrompida e agora reprogramada por diversas razões. A primeira foi, ou está sendo, pela confluência de oportunidades: estava com tempo livre, mais maduro para viajar sozinho. E, de certa forma, precisava de um disfarce, precisava sentir-me estrangeiro de mim mesmo. Finalmente, precisava de uma epifania!"
Ao entender o processo de Roberto, pretendo aprender mais sobre a minha própria escrita e ajudá-lo dando as minhas impressões sobre seu manuscrito. De todos os livros que já li dele, não houve um que não tenha me tocado de alguma maneira e é esta troca o ponto de maior interesse na minha leitura beta. Antes deste manuscrito, também tive a oportunidade de ler o romance A Teia de Germano do mesmo autor, porém o material já estava digitalizado, então, creio que desta vez, ao enxergar os movimentos da escrita, da revisão e da reescrita, poderei comparar com o meu próprio processo e melhoras os manuscritos dos meus romances.
Assim que eu concluir a leitura e análise do manuscrito, devo publicar aqui no blog como foi a experiência. De cara, posso adiantar uma coisa: serei um leitor suspeito, já que as narrativas do Roberto trazem uma dose envolvente de metalinguagem, e no processo de redescoberta do escritor e personagem, me vejo recolhendo os meus próprios fragmentos. Para quem não sabe, metade da experiência da leitura vem do autor e a outra do leitor. Com os textos do colega escritor, mais do que juntar as peças, ler as entrelinhas e encontrar o significado do texto, quando chego ao final sinto aquela sensação libertadora, catártica e a vontade de continuar escrevendo, porque juntos compartilhamos uma mesma coisa: o amor pelas letras!
Mais um trecho do manuscrito do novo livro:
Para conhecer um pouco mais sobre a carreira literária do escritor Roberto Muniz Dias, leia alguns dos posts publicados aqui no blog:
Resenha: Um Buquê Improvisado – Roberto Muniz Dias
Entrevista: Roberto Muniz Dias fala sobre sua escrita intuitiva, estilo reflexivo e livros publicados
Resenha: Errorragia – Roberto Muniz Dias
Resenha: Urânios – Roberto Muniz Dias
Escritores Talentosos Revelados da Literatura LGBT
Resenha: A Teia de Germano – Roberto Muniz Dias
Heróis gays? Livro analisa histórias infantis abordando a sexualidade