Não aguentei esperar a conclusão de uma leitura (Respiração Artificial, do Ricardo Piglia). Senti a necessidade de deixá-la de lado e avançar no livro
Um Buquê Improvisado, do escritor
Roberto Muniz Dias, de 142 páginas, publicado em 2012, pela
Editora Escândalo. O título pode sugerir uma história romântica, e sem dúvidas algumas passagens da obra podem acender o coração dos aficionados pelo ideal do casamento, porém a riqueza da narrativa reside no estilo da escrita do autor e no resgate que o protagonista faz de si mesmo.
Dividido em 20 capítulos, o romance introduz o leitor nos casamentos de J., o protagonista. As duas primeiras linhas mostram um pouco da alegria e da dor daquele momento: “Ele não podia acreditar que estava se casando novamente. Pensou em fechar os olhos. No entanto, era verdade”. Um ótimo gancho que me fez especular várias situações. Entre erros e acertos, fui conduzido pela valsa do narrador, dançando pelo presente e pelos flashbacks do personagem.
O que esperar do livro? Em primeiro lugar é preciso ressaltar que Roberto Muniz Dias escreve histórias nas quais seus protagonistas refletem sobre os seus presentes, revivem os seus passados e rasgam os seus peitos, deixando suas essências vazarem. Parafraseando uma frase de Adeus a Aleto: “Sua poesia me fez sangrar!”. À medida que o personagem revive sua própria caixa de memórias, desejos, frustrações, o leitor faz uma viagem dupla, como passageiro espectador e como protagonista de sua história.
“Uma porta imaginária poderia se abrir para a fuga; ou poderia ser um abismo a se abrir pelo lado direito da cama, a queda profunda no limbo das sensações conflitantes. A culpa que invadia a mente de J. como algo inescapável, a tão propalada culpa cristã”.
Outro ponto interessante é a de que os romances escritos pelo autor não costumam satisfazer o público-geral, visto que muitos buscam nos livros uma válvula de escape ou entretenimento, e o que Roberto Muniz Dias proporciona com sua criação literária é a oportunidade do leitor tentar compreender o seu passado. Ou seja, esqueça a fuga de si mesmo – a história de Roberto incentiva um mergulho dentro de si mesmo, não importa quais criaturas belas e monstruosas estarão dentro do seu lago, composto pelo subconsciente, pelas impressões e lembranças, pelas vontades e tormentos.
Esclarecido este ponto que pode assustar alguns leitores e fascinar outros, por causa desse precioso resgate e convite à reflexão, afinal, não são todas as pessoas que se interessam pela arte de filosofar, de dar sentido e ressignificar o passado – há quem prefira viver em eterna fuga –, também é interessante lembrar que o livro é de temática gay, o que não impede o prazer da leitura de um heterossexual, mas pode ser um atrativo a mais para um leitor homossexual em busca de entender melhor a si mesmo.
Voltando à trama, J. se casa com Ramon, porém continua atormentado com o seu primeiro casamento com Eloísa. O presente e o passado se interpenetram, enriquecendo mais a narrativa e fazendo o leitor acompanhar as transformações internas do protagonista: a obrigação e o prazer; A dor e o amor; A vergonha e a entrega; O proibido e o gostoso; A prisão e a liberdade.
“Por três vezes e três vezes diferentes o amor surgiu na vida de J.”.
Difícil é resenhar o livro sem estragar o prazer da própria descoberta do leitor. Entre essas idas e vindas, muitas coisas acontecem. O leitor acostumado aos romances comerciais pode ficar meio perdido, enquanto o leitor mais crítico se vê amarrado a cada linha, procurando também entender, dividindo momentos íntimos de alegria e de dor. O egoísmo da paixão, a incompletude dos relacionamentos, a transformação do casamento numa guerra-fria, os preços de nossas escolhas... O amor idealizado e o amor realista dão espaço à melancolia – Roberto Muniz Dias apunhala o coração do protagonista e gira a lâmina, misturando o sangue do narrador, do personagem e do leitor, num ritual doloroso de libertação, numa tentativa de buscar o perdão para o outro, para si mesmo e encontrar a paz de espírito para os fantasmas que insistem em retornar.
Bom, vou abordar de forma breve a história, sem nenhum spoiler, já que essa sinopse está disponível na orelha de Um Buquê Improvisado. Além da cerimônia do casamento, o leitor vivencia uma vingança, o jogo de influências de uma mulher ciumenta sobre o seu filho, a força para se aceitar e a coragem de J. se casar com outro homem, um acidente que transforma a vida do protagonista.
O romance é intenso e triste. As memórias fragmentadas, o presente danificado, os textos de um velho diário, os sonhos impossíveis e aqueles realizados; O leitor vai juntando os pedaços aos poucos. É interessante notar a quebra da narrativa, o ritmo da história e a maneira que o escritor vai amarrando as pontas soltas de forma natural, como se não existissem coincidências e tudo tivesse a hora certa de acontecer.
“O quarto escuro era igual à cabeça vazia. Nada enchia aqueles pensamentos no espaço daquele quarto. Sabia ser humano, tocou-se, tocou seus órgãos genitais. Sentiu-se homem, mas não pelo volume e sim por sua capacidade de entender que estava consciente. O escuro não era invenção de sua mente, talvez ele o fosse”.
Recomendo a leitura de Um Buquê Improvisado para aqueles que se atreverem a refazerem os seus passos e os do personagem e a perceberem que nem sempre o casamento, principalmente quando é feito somente para agradar aos outros e não a si mesmo, é sinônimo de felicidade. Um simples beijo, um “sim” e uma criança podem balançar as estruturas dos indivíduos, despertando o melhor e o pior. Uma leitura prazerosa e angustiante, que nos faz sangrar e nos hipnotiza, até a última linha. A obra também nos faz refletir sobre a influência da religião na reprodução dos discursos das pessoas, na assimilação da homossexualidade como um pecado.
Sobre o autor – Roberto Muniz Dias, romancista, contista, poeta e artista plástico. Formado em Letras e Direito. Esse escritor de Teresina, Piauí, começou nas artes ainda na adolescência, escrevendo diários e desenhando croquis. Autor dos livros Adeus a Aleto, Um Buquê Improvisado, Urânios e
O Príncipe, o mocinho e o herói podem ser gays.
Visite o site do escritor: http://robertomunizdias.com.br/.
Sobre a editora – A Editora Escândalo destina-se a publicar e projetar no mercado editorial brasileiro obras de ficção e não-ficção exclusivamente de cunho LGBT, contando com autores que versem sobre esse foco nos mais distintos aspectos e colocando-os ao alcance do grande público.
Visite o site da Editora Escândalo: http://editoraescandalo.com/
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Belo texto da contracapa do livro Um Buquê Improvisado (Roberto Muniz Dias). |
Espero que tenham gostado de mais uma recomendação de leitura... Agradeço mais uma vez ao escritor Roberto Muniz Dias pela oportunidade de ler Um Buquê Improvisado e
Adeus a Aleto (não deixe de conferir a resenha do primeiro romance escrito pelo autor!). Em breve, devo ler o último livro lançado pelo Roberto: Urânios, publicado em 2014, pela Metanoia Editora, e publicar a resenha aqui no blog.
Aguardem! ;-)
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