Devorei em dois dias o livro
Adeus a Aleto, do escritor
Roberto Muniz Dias, publicado em 2011, pela
Editora Escândalo. Poderia ter lido o romance todo de uma só vez, afinal, são 116 páginas, mas queria aproveitar melhor a leitura, prolongá-la o suficiente – sem atrapalhar minha própria escrita e a publicação de outras resenhas no blog. Mais do que me transformar ao longo da história, pude compreender mais da essência do autor.
É uma experiência diferente ler um autor de trás para frente. Deixa eu explicar antes que me achem um maluco. Antes de ler Adeus a Aleto, o romance de estreia do Roberto – aliás, que vale a pena ressaltar que a história conquistou, em 2009,
Menção Honrosa pela Fundação Cultura Monsenhor Chaves –, me aventurei a ser leitor beta de um manuscrito de um novo romance do escritor. A sensação que eu tive foi a de ver um filme de trás para frente. É como beber um bom vinho e sentir na língua o efeito do tempo, a fermentação, a essência.
Voltando ao Adeus a Aleto, a história do livro se passa em diversos tempos e lugares
(Amsterdã e Paris). Narrada em primeira pessoa por um escritor que se vê encantado por
Nikov, um jovem russo por quem ele fica fissurado desde o encontro inicial e acaba mergulhando numa
viagem psicológica. Ficção e realidade se misturam; Quem seriam aquelas pessoas? Seriam personagens criados pelo próprio narrador? Fantasmas que voltavam para o perturbar, tocar na ferida, fazê-lo sangrar e enxergar o que desejava ignorar?
“Mas eu ainda não havia pensado que pudesse mudar o rumo de coisas já passadas; que pudesse alterar, com meus simples toques, essa condição de sempre ter razão. Às vezes, sentia-me como errando o caminho, mas continuava a seguir essa minha persecução para o desconhecido, o anônimo; a aventura. ‘Será que podia mudar o percurso da vida? Será que meus personagens me perdoariam?’ Por que ainda pensava naquele homem como se fosse meu próprio rosto impreciso e indefinido na dinâmica daqueles acontecimentos?”
O narrador sente-se como
Orestes (peça de Eurípides), perseguido pelas
erínias (fúrias), criaturas monstruosas da mitologia, personificações da
vingança. Quem seriam essas bruxas que clamam pelo sangue derramado senão o subconsciente do autor, atormentado pelos seus personagens.
Adeus a Aleto não é uma leitura fácil para quem não tem uma bagagem literária mediana. É o tipo de livro no qual o escritor faz metade do trabalho, de contar uma bela história e preenchê-la com
referências literárias e uma dose de
metalinguagem, mas que cabe ao leitor estar preparado para ler as entrelinhas. É a literatura vista como arte, não como um mero entretenimento.
No primeiro parágrafo do livro, Roberto Muniz Dias já fisga o leitor (pelo menos, me deixou intrigado e ansioso para saber o que vinha pela frente):
“Custou-me muito revelar este crime. Ainda tremo em ter que relatar assim, de forma tão explícita, diante de você. Eu não queria, a princípio, mas me revoltei com a possibilidade de vida em plenitude. Ele andava com um sorriso fácil”.
Para quem gosta de mistérios, essas primeiras linhas já empurram o leitor escada abaixo, jogando-o num quarto escuro. Quem morreu? Por que? Quando? Como? A história vai se desenrolando aos poucos. O passado do narrador se mistura ao presente dos personagens – uma das marcas dos romances do Roberto Muniz Dias, esses
“vaivéns atemporais”.
Durante essas idas e vindas, o leitor é jogado para diferentes direções. A morte do primeiro capítulo é deixada de lado por algum tempo, e viajamos pela memória do narrador, sua adolescência, quando ele descobre o prazer sexual, o prazer da leitura, num processo de autodescoberta e também de obsessões. Há um desejo proibido de colecionar (ou roubar)marca-textos coloridos, de ler escondido, de reinventar uma personalidade. Poderia a literatura e o sexo se relacionarem? O narrador dá um toque de erotismo às suas descrições, misturando o novo mundo de um com a vulgarização do outro.
A
temática gay do romance não serve como um limitador da narrativa. Do início ao final do livro, o narrador e juntamente o leitor fazem uma série de reflexões sobre a vida, o amor, o sexo e a morte. Não seriam essas questões aquelas presentes desde as primeiras histórias escritas, as quais procuraram dar sentido para as coisas? As erínias punindo os homens, uma deusa que enlouquecia os criminosos, os crimes de sangue... A mitologia junto com a literatura procura reinventar, dar uma ressignificação para os acontecimentos que mais nos marcaram. Apontar o dedo ao outro, atribuir a dádiva ou a culpa aos deuses e criaturas mitológicas, silenciar as vozes que gritam em nossas mentes, ainda permanece mais popular do que mergulhar no próprio subconsciente e reconhecer em nossos íntimos que também somos responsáveis pelos nossos destinos.
O escritor com sua esquizofrenia – não seria um pouco louco conseguir conversar com seus personagens, enxergá-los nas ruas, vê-los retornarem da morte ou ser incapaz de dar sentido ou nome àquilo que tanto nos perturba? O estilo do Roberto Muniz Dias me lembra um pouco o do escritor argentino
Ernesto Sabato. Uma mescla entre a
literatura clássica com os fragmentos, retalhos da
pós-modernidade. Os sonhos andam lado a lado com o realismo.
Ainda sobre Nikov, o personagem mais marcante do romance, tão envolvente quanto o narrador. Bastam algumas palavras, a troca de olhares e toques, para pegue o escritor pelos braços, literalmente, e trague-o para o seu buraco negro de destrutividade, ou melhor, para a fixação do narrador com Nikov, seu falo, seu corpo esculpido pelos deuses, sua afetividade gratuita e um passado desolador, de alguém que experimentou o amor e morreu dele. Não vou dizer mais para não estragar as surpresas do leitor. Minha proposta é instigá-los a ler Adeus a Aleto e tirar suas próprias conclusões!
“Sua poesia me fez gozar!”
Para quem, como eu, é apaixonado pelas letras, Roberto Muniz Dias coloca o seu
processo de criação literária em um prato, o tempera com pimenta e um molho agridoce e o serve em porções pequenas. Ao final, o leitor absorve a essência do autor. Não nos esqueçamos do
Prometeu Acorrentado – alguém precisa pagar pelo preço da
ira de Zeus. Por todas as mortes dos personagens, o narrador vê-se num misto de loucura e dor, assistindo as erínias clamarem pelo sangue derramado, pelos amores que não transcenderam, pelos inocentes destruídos pelo escritor e pela vida. O ciclo se fecha, de volta ao cenário do início. E a sensação que fica é a de que você é o álibi perfeito daquele assassinato, é claro, até que as bruxas te procurem por associação e Aleto te enlouqueça.
Sobre o autor – Roberto Muniz Dias, romancista, contista, poeta e artista plástico. Formado em Letras e Direito. Esse escritor de Teresina, Piauí, começou nas artes ainda na adolescência, escrevendo diários e desenhando croquis. Autor dos livros Adeus a Aleto, Um Buquê Improvisado, Urânios e
O Príncipe, o mocinho e o herói podem ser gays.
Deixo aqui o meu agradecimento ao escritor Roberto Muniz Dias por me enviar o exemplar de Adeus a Aleto para resenhar!
Lembrando: O fato de alguém me mandar o livro ou de eu mesmo comprar não influencia na hora de escrever minhas impressões.
Não deixe de ler o texto sobre o assunto: Blogs Literários e Parcerias com Editoras e Autores: Colocando o dedo na ferida
Onde encontrar Adeus a Aleto? Site da Editora Escândalo
Link de Adeus a Aleto no Skoob: http://www.skoob.com.br/livro/227556-adeus-a-aleto
Site do escritor Roberto Muniz Dias: http://robertomunizdias.com.br/
Eu revivi muito dos elementos constituintes do meu primeiro livro escrito. Você tem uma capacidade apurada de buscar a essência do livro e suas significações. Eu estou muito feliz por você ter brilhantemente resenhado de uma forma com tanto virtuosismo, coerência e com uma sintaxe tão precisa de entendimento. Está será A RESENHA oficial de ADEUS A ALETO. Minha gratidão!
ResponderExcluirOlá, Roberto! Fico cheio de alegria ao ler um comentário assim. Deixo aqui a minha gratidão em retorno. É prazeroso poder resenhar um livro que gostei. Quanto à oportunidade desta ser a resenha oficial, só tenho a agradecê-lo! É esse feedback que me mantém atualizando o blog e trazendo novidades aos leitores, já que comercialmente o valor dele é praticamente nulo.
ExcluirDe qualquer forma, a cada leitura, resenha, contato com outros autores, vou vigiando o meu próprio processo criativo e melhorando.
Abraços