Pular para o conteúdo principal

Destaques

Scoop: Jornalistas da BBC e uma entrevista polêmica com príncipe Andrew

Quando um escândalo internacional envolvendo a Família Real estoura, uma jornalista tenta ser a primeira a conseguir uma resposta do príncipe Andrew para a BBC. Scoop é um filme de 2024 sem grandes surpresas para quem acompanhou a cobertura midiática da época, que mostra a importância do jornalismo não se silenciar quando se faz relevante. Um caso que havia sido noticiado há nove anos sobre a amizade de Andrew e Jeffrey Epstein estoura com a prisão do milionário e suicídio. Enquanto jornais de diferentes partes do mundo fizeram cobertura, o silêncio de príncipe Andrew no Reino Unido incomoda a equipe de jornalismo, que tenta persuadi-lo a dar uma entrevista. Enquanto obtém autorização para fazer a entrevista, a equipe de jornalismo mergulha nas informações que a Família Real não gostaria que fossem divulgadas sobre as jovens que faziam parte do esquema de tráfico sexual e as vezes em que príncipe Andrew estava no avião particular de Epstein. O filme foca mais na equipe de jornalismo do

Exposição Ron Mueck e suas obras que nos fazem imaginar histórias

Era manhã de sábado quando fui visitar a exposição Ron Mueck, na Pinacoteca de São Paulo. A fila estava tão extensa que dobrava o quarteirão várias vezes. Centenas de pessoas esperavam, sob o sol quente, quase três horas, para poderem entrar no museu de artes visuais.
Obra Casal Debaixo do Guarda-Sol é um dos destaques da exposição Ron Mueck. Foto: Matheus Rondon.

Turistas e paulistas que não trabalhavam naquele fim de semana, aguardavam entre reclamações sobre como o calor estava insuportável. Poucas pessoas haviam se preparado e levado suas sombrinhas. Vendedores de água, refrigerante, picolés e sorvetes ganharam o seu dia. Não era possível ficar tanto tempo em pé e resistir a qualquer tentativa de se refrescar.

– Quanto tempo vocês estão na fila? – Perguntou uma garota.

– Mais de duas horas e meia. – Respondeu o homem atrás de mim.

– Nossa... Eu não vou ficar tudo isto de tempo neste sol. Obrigada! – Ela e a amiga trocaram olhares rápidos e logo se afastaram.

– É... Acho bom valer a pena...

Após tanta demora, o alívio... Ainda na fila, mas desta vez na sombra, prestes a entrar na Pinacoteca. Um homem tentava vender exemplares de suas revistas de cultura, mas o público estava ansioso para ver os tesouros que os aguardavam lá dentro.

Mais alguns minutos de espera, até que a equipe liberasse a entrada, somos informados de que é preciso respeitar os limites de cada obra, de acordo com as marcações, que fotografias podem ser tiradas, desde que os flashes não sejam usados e os pais, familiares e responsáveis pelas crianças são lembrados da necessidade de mantê-los sob controle.

A porta se abre. De repente, entramos num mundo cheio de possibilidades. Para qual direção ir primeiro? Sigo à esquerda e me deparo com a escultura, o retrato, ou melhor, autorretrato de Ron Mueck. Pelas proporções da peça, chamada Máscara II, de 2001 a 2002, é possível imaginar o trabalho que o artista teve. Mas não é só o tamanho que chama a atenção ou a escolha de se imortalizar, afinal, quantos pintores já não fizeram isto ao longo de suas vidas? Somos arrebatados pela riqueza dos detalhes. Era como se o próprio Ron Mueck estivesse ali, descansando, quem sabe em um intervalo e outro de suas exaustivas produções. Uma máscara, um selfie, marcas de expressão, os fios de cabelo, os olhos fechados e as olheiras. A primeira frase que vem à minha cabeça e talvez seja até um clichê no mundo das artes, mas não deixa de ser verdadeira é a de que “Deus está nos detalhes”.
Obra à Deriva, Ron Mueck. Foto: Matheus Rondon.

Em seguida, volto ao corredor de onde vim e me deparo com a escultura de um homem em sua boia e o fundo azulado. O título da obra se chama À Deriva e ela foi produzida em 2009. Pela posição em que ele está, é possível imaginar várias situações. Um homem boiando, seja num rio, numa piscina. Há quem veja os seus braços abertos e se lembre de Jesus Cristo crucificado, porém de cada ângulo, é possível sentir como se ele estivesse flutuando. Os detalhes do músculo do homem, as rugas em sua testa, os cabelos que começam a faltar e a forma que seus lábios estão relaxados, nos fazem imaginar a pessoa de carne e osso. A impressão que se tem é a de que a qualquer minuto ele vai flutuar para longe ou despertá-lo do seu transe e pedir para, por favor, parar de incomodar o seu tempo de descanso. Ainda segundo a curadoria, do ângulo que podemos vê-lo, é como se estivéssemos acima do homem, voando.
Obra A Mulher com Galhos, do artista Ron Mueck. Foto: Matheus Rondon.

A Mulher com Galhos, de 2009, é a próxima parada. Uma mulher nua e a julgar pela maneira que ela carrega os galhos, pela maneira que o seu cabelo está preso e pelos seus pelos pubianos, embora a falta de roupas e acessórios impossibilite saber de que época ela veio, pode-se imaginar que ela vive numa região rural ou provinciana. De acordo com o texto da curadoria, esta brincadeira entre realidade e ficção, nos fazem lembrar de personagens de sonhos, fantasias, lendas. Como as impressões são pessoais, há tantas portas que se abrem em nossas mentes. Penso numa bruxa ou talvez uma mulher que não pratique bruxaria, mas seja considerada uma pelos moradores do seu vilarejo; Sua nudez e a posição em que carrega os galhos, me faz associar à sua devoção pela natureza, o prazer da atividade ao ar livre, a desinibição, uma vida sem as preocupações morais impostas pela sociedade, sem a hipervalorização das roupas. Seria uma bruxa da ficção que aterroriza a região em que vive e seus galhos podem ser usados para acender a própria fogueira em que será queimada ou uma simples mulher encarregada de seus afazeres, cujos dias e noites são guiados pelo ritmo da natureza?

Despeço-me da mulher que parece ser capaz de se cuidar sozinha e vou até a próxima sala. Desta vez, me vejo dividido em três obras e escolho qual vou observar primeiro. Juventude, 2009, desperta a minha atenção. Um jovem negro olhando para o próprio machucado que está sangrando. De todas as obras do Ron Mueck, esta talvez seja a que mais tenha a cara do Brasil. O olhar do rapaz traz um misturo de medo e raiva. Teria sido uma vítima da violência urbana, da criminalidade? Seus pés descalços e a maneira que ele olha para o ferimento trazem certo alívio, mas a sensação de que há mais por vir. O jovem que pede ajuda, mas ao mesmo tempo pode causar medo nos outros. Seria um reflexo de como alguns jovens estão envelhecendo antes da hora e precisam ir para as ruas tentar ganhar vida, ambiente marcado pela hostilidade? Uma oportunidade para enxergar a situação pelos vários pontos de vista. E notar que não nossos olhares não são treinados somente para identificar a violência, porém podem estar repletos de preconceitos. Seria a cor da pele responsável pela maneira que o vemos? A banalização da violência do negro causaria mais impacto se o jovem fosse branco? Tenho a sensação de que ele está se movendo, e assim como ele, é a minha vez de ir para outro lugar.

Vou até a obra o Jovem Casal, de 2013. Eles são tão jovens, mas seus olhos refletem tanta dor, tantas emoções ambíguas – não seria a ideal representação desta fase conturbada pelos hormônios, paixões e a necessidade de crescer? Da maneira que eles estão posicionados, de frente tive a impressão de que eles estão comprometidos de alguma maneira, mas que este laço que os une não é completamente prazeroso. Basta dar a volta para ver suas mãos. Uma série de possibilidades passou pela minha cabeça, desde a separação (mudança de cidade), uma gravidez inesperada, o luto, os sonhos despedaçados, a dor de amadurecer e a ansiedade sobre seus futuros.
Obras Jovem Casal e Mulher com as Compras, Ron Mueck. Foto: Matheus Rondon.

Ainda no mesmo salão, vejo a Mulher com as Compras, uma obra de 2013. “Ela parece tão triste” é a primeira impressão que se tem. Uma mulher que leva o próprio bebê para ir ao mercado, uma atividade que por si só já não é das mais agradáveis e pode ser cansativa. “O que está olhando?”, pergunta ela com os seus olhos. Ter um filho, acordar no meio da madrugada com os choros, alterar sua rotina completamente e ter que abrir mão de tantos planos. A dose de realismo impressa na obra do artista, nos faz pensar nas dificuldades de uma gravidez, e esquecer um pouco aquela imagem sacralizada de que “Ser mãe é a melhor coisa do mundo”. Além da fadiga evidente na expressão da mulher, sua também me faz pensar se ela não está depressiva, quem sabe como uma depressão pós-parto ou desiludida com a própria vida. É claro, essas impressões são subjetivas. Deixo-a em paz e sigo em frente.

Um frango de proporções gigantescas está pendurado de cabeça para baixo. Na obra Natureza Morta, de 2009, Ron Mueck fez uma representação de um frango morto, com um corte em seu pescoço. Além da cabeça do animal e dos músculos sem vida, o que chama a atenção é o realismo de sua textura. A estatua parece realmente a ave. A inversão de tamanhos, onde o homem que costuma ser maior do que o frango, agora é menor, nos faz pensar mais ainda na morte e com a facilidade com que a vida escapa de nossas mãos. Outro ponto a se considerar é o estranhamento que a imagem causa em muitas pessoas, pois estão acostumadas a comerem frango, mas não a verem o animal morto – um dos reflexos dos dias atuais, onde costumamos comprar a carne, sem precisarmos ver o sofrimento dos bichos. A criatura deixa de ser a recompensa da caça para a sobrevivência e se torna o alimento que será transformado numa refeição. Temos a ilusão de que somos mais civilizados, menos selvagens, brutais.

Homem em um barco, de 2002, é a penúltima obra que vejo na exposição. É interessante observar que o barco é normal, enquanto o homem é pequeno e nu. De onde veio a inspiração para produzi-lo? Lembro-me de ter ouvido em uma entrevista, o curador comentar que Ron Mueck sonhou com aquela cena. Este contraste entre sonho e realidade, ainda que suas produções artísticas sejam hiper-realistas, se fazem presentes o tempo todo. Diferente de À Deriva, na qual observa-se um homem relaxado, confortável, O Homem em um barco me faz pensar nas inseguranças, incertezas, na ideia de se sentir perdido e sendo levado para qualquer direção, pois nem sempre as escolhas estão em nossas mãos. A posição do homem, de braços cruzados, impotente, frágil, sem os remos para tomar o controle do barco. Só o resta esperar...
Obra Natureza Morta, Ron Mueck. Foto: Matheus Rondon.

Antes de sair da exposição, fomos convidados a assistir ao filme Natureza Morta: Ron Mueck trabalhando (2013), realizado por Gautier Deblonde, no entanto o número excessivo de pessoas e a necessidade de um olhar mais atento não foram possíveis, ao menos para mim, que preferiria assistir em uma posição mais confortável.

Quando os espectadores estão prestes a se perguntar “Onde estará o casal de velhinhos?”, pois foi uma das obras mais divulgadas e usadas para atrair visitantes para a Pinacoteca através dos meios de comunicação, eis que vemos o Casal debaixo do guarda-sol, obra produzida em 2013. A escultura de proporções maiores do que o real parece hipnotizar os visitantes. O processo vagaroso, cuidadoso e silencioso de Ron Mueck garante toda a perfeição dos detalhes, desde as expressões faciais, a linguagem corporal e a textura da pele.  O efeito do tempo sobre o organismo humano, a intimidade e o respeito, o amor maduro e o inevitável envelhecimento. Numa época em que a velhice é cada vez mais temida e as pessoas buscam inúmeros tratamentos estéticos para parecerem mais novas, o artista nos faz abrir os olhos para o que muitos não querem enxergar – ao menos que nossas vidas sejam ceifadas antes do tempo, todos vamos envelhecer.

Observar as esculturas de Ron Mueck é um exercício de imaginação, de criar narrativas para essas personagens, de tentar compreender qual foi a intenção do autor, nos identificarmos e nos estranharmos com as figuras, de despertarmos nossas memórias, pensarmos em nossos futuros e movimentarmos nossas ideias. Não há como não se transformar, mesmo que sutilmente, diante do trabalho do artista. Ron Mueck desperta a humanidade que há dentro de nós e a arte de contar histórias entra como uma tentativa de encontrar sentido para nossas existências. Pura catarse!

Está em São Paulo (SP) e ficou interessado em conhecer o trabalho de Ron Mueck? Confira estas informações: 

– Em Janeiro, a exposição Ron Mueck ganha um horário especial: Terça a domingo das 10h às 20h e quinta das 10h às 22h.

– Os ingressos devem ser adquiridos na bilheteria da Pinacoteca, valendo somente para o dia e hora da compra.

– O valor da entrada é de R$ 6. Toda quinta após as 17h e aos sábados, a entrada é gratuita.

– Estudantes com carteirinha pagam meia-entrada. Crianças com até 10 anos e idosos (maiores de 60 anos) não pagam.

Local – A Pinacoteca do Estado do Estado de São Paulo, a Estação Pinacoteca e o Memorial da Resistência de São Paulo ficam próximos a estação Luz do Metrô e da CPTM e esta é uma das melhores opções para quem utiliza o transporte público.

A exposição Ron Mueck está em cartaz na Pinacoteca desde o dia 20 de novembro de 2014 e prossegue até o dia 22 de fevereiro de 2015. Aproveite!

Para mais informações, acesse o site da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Comentários

Mais lidas da semana