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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: Doutor Sono – Stephen King

Li o livro Doutor Sono (Doctor Sleep), do escritor Stephen King, logo após reler o seu best-seller que inspirou a continuação, O Iluminado (The Shining). O romance de ficção americana foi publicado no Brasil em 2014, pelo selo Suma das Letras, da Editora Objetiva, com tradução de Roberto Grey e 475 páginas.

Livro Doutor Sono, Stephen KingPara quem se perguntava o que aconteceria ao garotinho de O Iluminado, Danny Torrance, após passar por aquela experiência sobrenatural traumática no Hotel Overlook, Doutor Sono foi planejado pelo Mestre do Terror para responder a essas questões. Mais de 30 anos depois, Dan enfrenta seus demônios, assim como o seu pai Jack Torrance lidava com o alcoolismo. Atormentado pelo seu passado, para quem esperava um “e ele viveu feliz para sempre”, certamente não conhece o estilo de Stephen King que sabe como apertar a ferida com a unha até sangrá-la, sem temor de parecer vulgar ou não.

Não quero estragar toda a surpresa dos leitores, mas Dany Torrance passa por vários apertos após perder o pai. Suas visões permanecem, mesmo quando ele deseja não enxergar mais nada, o que o leva a abusar de substâncias para entorpecer sua mente. Os fantasmas do Overlook dão sempre um jeito de assombrá-lo, seja em seus sonhos sombrios ou atravessando a linha que separa os mundos, a ponto de quase se tornar louco e perturbado como Jack Torrance.

"Uma hora se percebe que não adianta ficar mudando de lugar. Que você se leva para onde for". – Stephen King (Doutor Sono)

Um dos pontos altos de Doutor Sono, além de Danny Torrance, é claro, é a personagem Abra Stone. O leitor vai acompanhando o crescimento dela e descobre que parecido com Dan, ela também tem poderes, embora os dela sejam um pouco diferentes. Até que a menina ganhe autonomia, ela não tem muito peso na narrativa, porém durante sua adolescência o caminho de Abra e Danny se cruzam.

Não é só a garota poderosa que chama a atenção do leitor. Doctor Sleep também traz um grupo de personagens que fazem parte de uma tribo chamada Verdadeiro Nó, com destaque para Rose, a Cartola, a líder deles. Essas criaturas vivem em trailers, viajando de cidade a cidade como nômades e se alimentam do vapor de crianças iluminadas quando são torturadas até a morte.

“A mente era um quadro-negro. E a bebida, o apagador”. – Stephen King (Doutor Sono)

Até o momento não divulguei nenhuma informação que já não estivesse presente na sinopse oficial de Doutor Sono, antes que alguém me acuse de ter feito algum spoiler! Só por essas informações já dá para imaginar um pouco do que acontece, certo? Um grupo de viajantes que sugam a essência de jovens iluminados.

O personagem de Danny Torrance passa por uma série de transformações ao longo da narrativa. É gostoso acompanhar, e por vezes frustrante ver como sua vida se deteriorou e ele luta para dar a volta por cima. Abra Stone é uma das pessoas que o ajudam a colocar as coisas em perspectiva e perceber que os seus dons não são só uma maldição, mas podem ser úteis para o bem. Stephen King sabe como cativar o leitor e arrastá-lo com seus ganchos. Um passeio pelo mundo dos pesadelos, de criaturas sombrias, dos vícios e de conexões que são mais fortes do que imaginávamos.

Assim como O Iluminado, os personagens enfrentam batalhas entre o bem e o mal. Nem sempre esses conflitos são externos, e os corroem de dentro para fora. Como o próprio Stephen King comenta na nota do autor, ele não é o mesmo de quando escreveu The Shining, portanto mesmo com as comparações inevitáveis dos leitores, não é justo esperar muito. O próprio escritor não gostou da adaptação cinematográfica de O Iluminado feita produzido e dirigido por Stanley Kubrick, embora tenha feito um tremendo sucesso e considerado por alguns como um dos maiores filmes de terror de todos os tempos.

“Ele podia ver seu rosto no espelho e REDRUM flutuava na frente, como uma marca estampada na testa. Aquilo não era sonho. Havia a camisa de uma criança assassinada na pia. E uma cartola ensanguentada na banheira. A insanidade estava vindo. Ele podia vê-la se aproximando nos próprios olhos arregalados”. – Stephen King (Doutor Sono)

Como Doutor Sono traz alguns flashbacks de O Iluminado, o leitor não é obrigado a ler o primeiro livro para entendê-lo, porém eu recomendo. Ler um livro após o outro tornou minha experiência mais prazerosa. Enquanto O Iluminado traz uma narrativa mais sombria, puxando para o lado do terror sobrenatural, Doutor Sono me pareceu mais fantasia sombria (dark fantasy). O horror está sempre presente nas obras de Stephen King, mesmo de forma mais sutil.

Apesar de a sequência ter ficado ótima, confesso que ainda prefiro O Iluminado. Imaginar os habitantes do Hotel Overlook me proporcionaram uma experiência mais marcante e aterrorizadora do que confrontar com O Verdadeiro Nó, que lembram vampiros que sugam energias e possuem algumas habilidades. Se vale a pena ler? Sem dúvidas! Doctor Sleep mostra um pouco do desenvolvimento do escritor. É possível perceber a maior fluidez da escrita e a utilização de mais elementos na narrativa, porém mesmo com a fantasia, este romance traz um terror mais realista. Ah, e como bem lembra Stephen King ao final de sua nota, não dá para terminar o livro sem se preocupar com esses nômades e suas intenções (mais presentes nos Estados Unidos do que no Brasil), principalmente diante do desaparecimento de crianças e adolescentes. Adrenalina garantida! Não dá para soltar o livro, até chegar até a última linha...

Sobre o autor – Stephen King é autor de mais de cinquenta livros, todos best-sellers no mundo inteiro. Os mais recentes incluem Misery, Novembro de 63, Sob a Redoma, Buick 8 e a série A Torre Negra. Em 2003, King recebeu a medalha de Eminente Contribuição às Letras Americanas da National Book Fundation e, em 2007, foi nomeado Grão-mestre dos Escritores de Mistério dos Estados unidos. Ele mora em Bangor, no Maine, com a esposa, a escritora Tabitha King.

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