A magia estava ali, só esperando a hora certa de se manifestar. Os sonhos não eram só produtos do meu subconsciente. A mensagem era clara: algo estava prestes a acontecer. Escutei as batidas de tambor. Quando o vento entrou pelo quarto espalhando os meus desenhos, eu soube.
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Foto: George Hodan / Domínio Público |
Olhei para o meu amigo e perguntei se ele estava acordado. Queria saber se não era a minha mente me pregando mais uma peça. Ele estava perdido em seus pensamentos, olhando para o teto.
– Você escutou?
– O quê?
– Os tambores. Parecem aqueles sons de rituais.
– Não... Você está louca? – Suas sobrancelhas oscilam entre a indignação e a surpresa. – Espera... Eu escutei. Que bizarro!
Trocamos um olhar. Se eu estivesse ficando maluca, ele também estava. Ele era a testemunha que eu precisava. Senti a temperatura no quarto mudando. A cidade estava quente, como o inferno, mas naquele instante eu soprava gelo.
– Me belisca?
Filho da puta! Quase cuspi as palavras quando seus dedos apertaram o meu braço, mas me controlei.
– O que aconteceu dessa vez?
– Você vai achar que eu estou ficando louca, mas eu vi alguém ali... – Apontei para o corredor escuro.
– Meus pais estão dormindo. Você está imaginando coisas.
– Talvez...
Fechei os olhos e virei a cabeça para o lado. Eu queria esquecer aquele homem todo vestido de branco, com uma aura luminosa ao seu redor. Não era a primeira vez que eu o via, mas desta vez eu não estava sozinha.
– Puta que pariu... – Ele levantou em um salto e ligou a luz. – O que é isto?
– O quê? – Me concentrei para não deixá-lo ver as lágrimas que escorreram pelos meus olhos.
– Tem alguma coisa errada com você. Eu nunca vi nenhuma coisa assim, muito menos vulto. Eu vi... Vi o cara de branco... – Suas palavras fizeram um arrepio subir pela minha coluna e se espalhar para os meus braços.
– É real...
– Eu vou dormir no quarto da minha mãe...
– Espera. – Tentei segurar o seu braço, mas era tarde demais. Eu estava completamente sozinha ou talvez não tão solitária quanto eu esperava. – E eu...
Tentei fechar os olhos e limpar a minha mente. Um pouco de meditação. Meu coração martelava contra o meu peito e o som alto, me fez pensar novamente nos tambores. O ar entrava pesado em meus pulmões que vazavam lentamente, como se eu tivesse um velho pneu furado dentro de mim.
Abri um olho de cada vez. O espírito às vezes me sondava, outras vezes eu não saberia dizer se ele estava ali. Uma vez ele se aproximou tanto que eu senti minhas pernas e braços presos contra o colchão.
***
Acordei no outro dia e meu amigo ainda não estava ali. Desci as escadas, guardei o meu caderno de desenhos na mochila e me preparava para sair, quando o escutei me chamando:
– Aonde você está indo?
– Eu preciso ir...
– E aquilo o que aconteceu ontem à noite? Não podemos fingir que nada aconteceu.
– Você me deixou sozinha...
– O que eu poderia fazer?
– Escuta, outro dia conversamos melhor sobre isso. Para o seu próprio bem, finja que nada aconteceu. E, por favor, não comente com ninguém.
Corri para casa, a tempo de abrir a minha gaveta e tirar o livro das sombras que eu mantinha escondido. Anotei tudo o que havia acontecido, tomei um banho, almocei e logo estava pronta para o colégio.
Quando eu abri a porta da sala de aula, eu podia sentir que os meus colegas me observavam, como se eu fosse a própria assombração que eu observara na noite anterior.
– Bruxa! Bruxa! – Os colegas gritavam e riam de mim, jogando bolinhas de papel em minha direção.
Eu olhei para o meu amigo, sabia que não havia muito o que eu podia fazer, a não ser esperar. Eu estava cansada de esperar as coisas acontecerem. O professor de ensino religioso cristão entrou na sala e foi logo perguntando:
– Que algazarra é essa?
– Jess é uma bruxa! – Uma das meninas soltou e logo segurou a boca, fingindo arrependimento.
– Silêncio! – Berrou o professor e todos ficaram quietos. – Parem de falar bobagens. Hoje nós vamos estudar o menino Moisés no Egito.
Esperei meu amigo me observar. Traição. Meus olhos estavam vermelhos. A vergonha se misturava com a raiva que eu sentia. Coloquei a mochila nas minhas costas, passei pelo meu amigo, trombei em seu ombro e disse:
– Nunca mexa com uma bruxa! Tudo o que você fizer, vai voltar três vezes contra você...
Abri a porta da sala e escutei as vozes tumultuadas. Aquela fora a primeira vez que eu tinha compartilhado uma experiência com alguém e também a última em que eu fui traída. As fofocas se espalharam pelo colégio e algumas semanas depois eu seria chamada pelo pastor do colégio para uma conversinha. Desde então, meu melhor confidente ainda é o meu livro das sombras e não deixo ninguém tocá-lo. Quanto ao meu amigo, ele sabia muito bem onde estava se metendo... Se eu precisei de magia para puni-lo? O universo tem o seu jeito de fazer as coisas se equilibrarem novamente.
*A série de textos Livro das Sombras é composta de material bônus inspirado em acontecimentos reais e nos personagens da série Os Bruxos de São Cipriano. A linha entre o real e o fictício é tênue. As verdades e invenções se misturam. Cabe ao leitor escolher qual caminho seguir, lembrando que para a magia acontecer, antes é preciso acreditar e deixar as energias fluírem... Neste texto, procurei explorar a sensitividade de Jess, uma das personagens principais do livro.
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