Ancorar é encontrar um espaço seguro mesmo diante do caos. É ouvir uma música e se permitir encontrar paz, mesmo quando as coisas estão fora de controle. É pensar na sua pessoa favorita e sentir as emoções reguladas. É saber que você pode confiar em quem conversa o dia inteiro. É confiar que mesmo diante da ambiguidade, ele vai honrar a promessa que fizeram. É ressignificar o que antes poderia ser visto como algo preocupante e aceitar que era mais do que seus diagnósticos. Era saber que não havia melhor pessoa que o entendesse nos últimos tempos. Era brincar com as linhas e nossas indefinições. Era saber que de tanto ensaiar situações de possíveis crises, que ele saberia notar se algo estivesse diferente. Cada um dos seus sinais. Escrevia para lembrar e também para esquecer. Escrevia para lembrar dos ciclos fechados e agradecer o que estava aberto. Era entender o quanto estava sufocado e que, às vezes, um olhar certo bastava. Escrevia para aceitar que as coisas poderiam mudar. Que em u...
Histórias não se perdem. Elas se transformam. Lembrou-se de todas as vezes em que uma boa narrativa começou a se construir em sua mente, mas esquecera de colocar no papel ou de quando estava tão focado em uma só história e acabou deixando as outras de lado.
A vida é feita de interrupções. Queria que essas histórias voltassem, mas nem sempre elas se apresentavam como ele esperava. Os personagens se revoltam contra seu criador e quem pode garantir que algum dia eles foram realmente dele? As tramas se transformam. Os gêneros se confundem… As pontas se quebram e não há nada que ele possa fazer para que voltem a ser como eram antes.
Os dias cinzentos deram lugar aos dias de sol. Então, as folhas cresceram e caíram, a chuva veio e limpou seu corpo. E as estrelas, bom, nem sempre elas brilharam no céu.
Corações ficam pesados. Mentes ficaram caóticas. Olhos ficaram nublados. O giro de 180 graus mudara sua perspectiva sobre tudo. É preciso parar de tentar mudar o mundo e tentar se adaptar, pensou ele, olhando para as mãos calejadas, os dedos tortos que já não eram agradáveis como costumavam ser, mas ainda serviam para segurar a caneta contra o papel.
“Existe um universo dentro de mim”. As palavras se juntaram e tentaram convencê-lo de que por trás de todas histórias há algo que as mantêm unidas. Diante de toda confusão há sempre uma ordem, ainda que ele não pudesse enxergar.
Escrevia com propósito. Escrever era o seu modo de dizer ao mundo: “Eu estive aqui. Não é perfeito. Não é nenhuma obra de arte. Mas é algo meu. Nosso”. A história compartilhada com os leitores deixava de ser dele, abria suas pequenas e frágeis asas e deixava se levar pelo ar.
Pode ser em um sonho, em uma divagação ou em uma tarde de escrita livre. As narrativas saltavam diante dele. Não há para onde fugir. “Somos suas filhas, mas nunca fomos só suas”. Ele ia à livraria e se perdia diante de tantas produções literárias, percorrendo com seus dedos e olhos as capas, contracapas e miolos. Tudo fora escrito. Tudo faltava ser escrito.
Escrevia, em primeiro lugar, para si mesmo. Foi assim que sua paixão começou. Quando a única voz que repetia suas palavras era a dele mesmo. Agora, as histórias já não queriam se esconder dos outros. As histórias queriam ser livres, mesmo sabendo que a liberdade não era como ele imaginara.
A teia volta a ser tecida. As letras se grudam. A caneta move e os ossos são desenterrados. Elas sempre estiveram ali. Elas nunca estiveram ali. Nesta dança de narrativas, algo se quebra, algo se constrói; alguns vêm, outros vão – mas as histórias, elas continuam chegando e girando pelo infinito.
Ele encara o caderno e pensa em quantos outros ficaram incompletos. Tinha um medo terrível de últimas páginas, últimas linhas, últimas palavras. Preferia deixar o peito aberto e sentir a tinta rasgando suas folhas e costurando outras. No final, havia sempre algo inacabado, aberto a múltiplas possibilidades. Um eterno ciclo de aprendizados. E as histórias, elas nunca o deixavam sozinho. Você sabia que esse texto foi adaptado para o meu canal do YouTube? Aproveite para assistir ao vídeo O Mundo das Histórias Inacabadas:
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