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Destaques

Navillera: Drama coreano sobre o amor pelo balé na terceira idade

Quanto tempo dura um sonho de infância? Após uma vida inteira sonhando com o balé, um homem na terceira idade decide finalmente tornar realidade, com a ajuda de um jovem bailarino apaixonado pela dança. O telespectador acompanha essa não tão improvável amizade e união por uma paixão em comum no drama coreano Navillera , dirigido por Dong-Hwa Han em 2021, adaptado pelo roteirista Lee Eun-Mi em uma webtoon. Por ter mais de 70 anos, além de ter que lidar com as próprias limitações do corpo, como a flexibilidade e dificuldades de equilíbrio, o Sr. Shim (In-hwan Park) se arrisca em algo mesmo com o preconceito por parte da família em relação ao balé e à idade em que ele decidiu começar a praticar.  Do outro lado, ao mesmo tempo em que treina balé para um concurso, Chae Rok (Song Kang) assume a missão de ensinar Shim o básico sobre a dança clássica. O que se inicia como uma estranha relação adquire novos contornos conforme eles vão se aproximando e criando um vínculo que vai além das aulas

Conto: Almas Cansadas – Ben Oliveira

Olhos vazios, rosto cansado. Perguntei se ela amava o que fazia. Um silêncio cresceu dentro dela. Ela engoliu as palavras ácidas e fez o melhor que podia para abrir um sorriso que parecesse o mais natural possível, tentando esconder as lágrimas que brotavam nos cantos dos olhos. A maquiagem não ajudava a esconder as coisas que a alma revelara: ela odiava o próprio emprego.


Dia após dia, ela chorava em casa, como uma criança que não quer ir ao colégio com medo dos coleguinhas maldosos. A vida tinha sido irônica com ela; perguntou-se quando foi que seu destino foi arrastado pelo caminho da normalidade, para longe de tudo aquilo que ela desejara alguma vez. A loucura de ser artista cedera espaço para outra arte: aprendera a dominar técnicas do teatro, mas a mim ela não enganava.

Somos ambos mentirosos, nossos olhos nos traem. As ideias se espalharam pelo ar, conexões de vidas passadas reluziam uma vez ou outra. Era claro como cristal como ela não suportava cada minuto daquela encenação. Foi da pintura de quadros para o teatro das almas vazias. Abandonou todos os sonhos malucos de expor suas peças de arte em galerias para vender produtos que ela nem mesmo se importava. Escutara incansáveis vezes que precisava arranjar um emprego de verdade. Só se dera conta das escolhas erradas quando se viu presa dentro de um ciclo infernal.

A cliente olhava para cada peça de roupa, como uma criança mimada olha para um brinquedo que precisa possuir, mesmo que nunca vá usar. A vendedora respira e sente vontade de pedir para que a mulher saia da loja; quer fazer qualquer coisa, menos estar ali. Há uma música que ela precisava escutar. Quer mexer no celular enquanto a supervisora não está por perto. Quer dançar pela loja e se imaginar fazendo a viagem dos seus sonhos que nunca aconteceu – o dinheiro que ela tanto tentara acumular, sempre parecia fugir de suas mãos. Abrira mão de uma vida dedicada à arte em busca de uma estabilidade inalcançável, principalmente quando vira o anúncio da reforma trabalhista sendo anunciando na televisão. Deixara morrer parte de quem ela era, aquilo que fazia sua alma brilhar.

Tinha uma meta impossível para bater. A gerente aumentara o valor, como se estivesse mais fácil vender com a crise econômica que o Brasil passava e não o contrário. As pernas estão cansadas. Quase oito horas em pé. Ela gostaria de sentar um pouco, mas a supervisora rosna quando vê ela se aproximando do puff. O que nós já falamos sobre isso? Este puff é só para os clientes sentarem! Ela escuta a voz na cabeça se repetindo sem parar e se arrepende de sequer ter pensado na ideia.

Obrigada. Era só isso mesmo. Não achei nenhum sapato que seja a minha cara. Todos feios, diz a cliente que pediu para ela revirar a loja inteira e acabou não levando nenhum. Ela abri um sorriso doce e agradece pela visita. Assim que a cliente sai da loja, ela e a supervisora trocam um olhar. Ela percebe que estou observando e tenta disfarçar.

Eu gostaria de dizê-la para apostar em sua arte, mas eu mesmo estava ali fazendo algo que não gostava. Nossas palavras nos traem. Vejo ela encarar o relógio uma vez atrás da outra, desejando desesperadamente sair de perto da supervisora, da loja, de todo aquilo universo que ela não aguenta mais. Vou ao banheiro, leio os lábios dela. Ela balança a cabeça e vejo seu rosto se enchendo de vida ao passar pela porta, como se fora daquele espaço cubículo e cercado de vidros, ela pode finalmente voltar a ser quem ela é.

Quando ela volta para a loja, a supervisora olha torto para ela, como se perguntasse por que, diabos, ela demorou mais de um minuto. Tinha outra cliente esperando para ser atendida. Vejo alívio em seu rosto, quando ela se dá conta de que é uma amiga artista que passou ali para convidá-la para uma exposição de artes. Ela agradece. Mesmo sendo gratuita, lhe falta tempo para fazer qualquer outra coisa que não seja relacionada ao trabalho. Que pena!, responde a amiga. Eu acredito que você ia se inspirar bastante e quem sabe voltar a se aventurar na pintura.

Os olhos se enchem de lágrimas e desta vez não há como fingir. A supervisora vai para o fundo da loja e a vendedora aproveita para responder para a amiga: Você, melhor do que ninguém, sabe o quanto eu ODEIO este trabalho. Você acha que eu não gostaria de viver a mesma vida que você? Ter mais flexibilidade de horário, ganhar dinheiro fazendo algo que eu realmente amo, poder ser quem eu realmente sou? A amiga olha para ela e pergunta com ingenuidade: Por que não faz, então?

É tarde demais, penso. Todo o controle dela se foi. O seu rosto está vermelho. Vejo os pensamentos voando pela cabeça e as desculpas que ela pretende inventar caso a gerente dê aquela passadinha ali. Você não entende… Não entende que se eu não trabalhar aqui, não vou ter como pagar o aluguel, comer, nada. Você não precisa do dinheiro. Para você, arte é só uma expressão. Me dediquei durante anos na esperança de que as coisas mudariam, mas infelizmente não mudaram. Eu mal tenho condições de comprar os pinceis, quadros, tinta. Tive que vender todos os meus livros de arte para pagar o aluguel ou seria despejada, quando fui demitida do emprego passado que eu também odiava. Ela engole o choro ao ver a supervisora voltando. Foi bom te ver, mas por favor, não volte mais! Ela amassa o papel e joga no lixo.

Nossos olhares se cruzam. Vejo a esperança brilhando em algum lugar dentro dela. Ela repete o seu mantra: isso é tudo temporário. Quero dizer a ela que algum dia ela vai poder voltar a fazer aquilo que move sua alma, quero lembrá-la que os sacrifícios, às vezes, pagam os sonhos. Mas o dia está tão escuro e a chuva está tão forte, que sinto o espírito gelar. Olho para as mãos cheias de calos e queimaduras. Não precisamos trocar uma palavra para entender. Uma rápida volta pelas lojas e percebo os mesmos olhares, os mesmos rostos inertes. Estamos tão cansados, mas não há nada que podemos fazer no momento. Só respire e continue sorrindo, escrevo no meu caderno, enquanto o próximo cliente não vem.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1), disponível no Wattpad.

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