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Destaques

Scoop: Jornalistas da BBC e uma entrevista polêmica com príncipe Andrew

Quando um escândalo internacional envolvendo a Família Real estoura, uma jornalista tenta ser a primeira a conseguir uma resposta do príncipe Andrew para a BBC. Scoop é um filme de 2024 sem grandes surpresas para quem acompanhou a cobertura midiática da época, que mostra a importância do jornalismo não se silenciar quando se faz relevante. Um caso que havia sido noticiado há nove anos sobre a amizade de Andrew e Jeffrey Epstein estoura com a prisão do milionário e suicídio. Enquanto jornais de diferentes partes do mundo fizeram cobertura, o silêncio de príncipe Andrew no Reino Unido incomoda a equipe de jornalismo, que tenta persuadi-lo a dar uma entrevista. Enquanto obtém autorização para fazer a entrevista, a equipe de jornalismo mergulha nas informações que a Família Real não gostaria que fossem divulgadas sobre as jovens que faziam parte do esquema de tráfico sexual e as vezes em que príncipe Andrew estava no avião particular de Epstein. O filme foca mais na equipe de jornalismo do

Resenha: Uma Criança Tratada como Coisa – Dave Pelzer

Alguns livros nos dão um soco no estômago. Quando pensamos em família, não relacionamos somente aos malditos comerciais de margarina que mostravam as famílias fabricadas para a televisão, mas também temos uma visão idealizada sobre relacionamentos familiares. Para muitas pessoas, especialmente as ingênuas, a violência e os abusos são coisas que não existem em famílias. No livro Uma Criança Tratada como Coisa (A Child Called 'It'), Dave Pelzer conta sua história de sobrevivência e revela como sua mãe o violentava. A obra foi publicada no Brasil pela Editora Manole, em 1999, com tradução de Reinaldo Guarany.


Dave poderia ser um garoto como qualquer outro, exceto pelo fato de que a mãe dele o violentava e a família era testemunha dos abusos físicos e psicológicos e ninguém fazia nada para ajudá-lo. Privado da alimentação, de roupas e de afeto, Dave era visto no colégio como um garoto estranho pelos profissionais da educação e pelos colegas de turma. A violência que ele sofria não se encerrava em casa e o perseguia por onde fosse, o tornando mais frágil e um alvo fácil para o bullying.

“Movi os olhos em direção à minha barriga. Mamãe estava de joelhos e aplicava às pressas um grosso chumaço de gaze num lugar de minha barriga que despejava sangue vermelho-escuro. Tentei dizer alguma coisa. Sabia que fora um acidente. Queria que mamãe soubesse que eu a perdoava, mas me sentia fraco demais para falar. Minha cabeça ficava caindo para a frente sem parar, enquanto eu tentava levantá-la. Perdi a noção do tempo enquanto voltava à escuridão” – Dave Pelzer, Uma Criança Tratada como Coisa

Algumas descrições não são fáceis de ler para quem tem o estômago sensível. O que torna mais assombroso é o lembrete de que o livro é biográfico, que histórias assim acontecem com uma frequência muito maior do que sonhamos. Neste caso, a leitura não serve como um instrumento de choque, mas de conscientização de que o perigo nem sempre mora longe.

O final do livro traz uma proporção de quantas crianças sofrem com abuso nos Estados Unidos (uma a cada cinco). Embora o número esteja completamente desatualizado, afinal, já se passaram mais de 20 anos desde que a versão original da obra foi publicada em inglês, é possível ter uma estimativa de quantos casos acontecem. É uma discussão que vale a pena trazer para o Brasil também, porém lembrando do contexto norte-americano, vale lembrar que muitas das crianças violentadas podem desenvolver uma série de problemas e transtornos mentais.

“No dia seguinte, enquanto papai estava no trabalho, uma senhora da assistência social foi à nossa casa à tarde [...] Perguntou-me se alguma vez mamãe havia me batido. Antes de responder, olhei para mamãe, que sorriu educadamente. Senti como se uma bomba tivesse explodido no fundo de meu estômago. Achei que ia vomitar. De repente, entendi porque mamãe havia mudado no dia anterior; porque tinha sido tão simpática comigo. Eu me senti um bobo, porque havia caído no conto. Estava com tanta fome de amor que tinha engolido toda a armação” – Dave Pelzer, Uma Criança Tratada como Coisa

O relato de Dave é bem cru e enxuto. É como se ao mesmo tempo em que o autor quisesse mostrar suas feridas, ele tivesse se controlado para não se abrir por completo no livro. A imagem de uma criança sendo humilhada pela própria família pode causar estranhamento em algumas pessoas, mas não é tão distante. Crianças nem sempre têm o discernimento e a habilidade de se defenderem ou denunciarem os maus-tratos, criando um cenário tão sombrio como o de um pesadelo sem fim; elas deveriam estar brincando, crescendo, se divertindo e não lidando com pais tóxicos, violentos e abusivos.

Quantas crianças passam por experiências parecidas com a de Dave Pelzer? Quantas tiveram um final feliz como a dele? Os noticiários estão aí e não me deixam mentir. A violência dentro de casa pode se espalhar para outros cantos e alguém inocente sempre paga o preço. De vítima a agressor, em alguns casos, a inocência corrompida é venenosa; em outros, a pessoa consegue se recuperar do trauma e seguir em frente. 

“O abuso infantil possui um efeito dominó que se espalha sobre todos os que entram em contato com a família. Ele cobra seu maior tributo da criança e se espalha para a família, e o cônjuge, com frequência, fica dividido entra a criança e seu companheiro. Daí, parte para outras crianças da família que não compreendem e também se sentem ameaçadas. Também são envolvidos os vizinhos que ouvem os gritos mas não reagem, os professores que vêem os machucados e precisam lidar com uma criança distraída demais para aprender, e os parentes que desejam intervir, mas não querem arriscar o relacionamento” – Dave Pelzer, Uma Criança Tratada como Coisa

Dave Pelzer foi queimado, esfaqueado, espancado, passou fome e foi negligenciado emocionalmente. Dave sobreviveu, mas fica o questionamento: quantos casos assim vão continuar acontecendo não só nos Estados, mas pelo Brasil e pelo mundo? Até quando as pessoas vão fechar os olhos? Quando pensamos nos efeitos da violência, percebemos que esses seres humanos estão sofrendo nas mãos de quem deveria amá-los e poucas experiências podem ser tão destruidoras para a mente humana como a de receber ódio de quem deveria cuidar de você. Alguns livros nos lembram que a vida não é só feita de arco-íris e borboletas, mas que fingir que os problemas não existem pode ser pior e colocar não só crianças em perigo, mas todos aqueles que cruzam o caminho de pessoas abusivas.

Sobre o autor – Dave Pelzer foi reconhecido como um dos mais eficientes e respeitados comunicadores de corporações, convenções e profissionais do serviço social. As realizações excepcionais de Dave receberam elogios pessoais dos ex-presidentes Ronald Reagan e George Bush. Em 1993, ele foi reverenciado como um dos Ten Outstanding Young Americans (Dez Ilustres Jovens Americanos) e, em 1994, foi o único americano a ser agraciado como um dos The Outstanding Young Persons of the World (Ilustres Jovens do Mundo). Dave também foi selecionado para carregar a tocha olímpica no Revezamento da Tocha Olímpicada, em 1996. Dave tem se dedicado a ajudar outras pessoas a reconstruírem suas vidas.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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