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Dez Minutos

“Dez minutos da sua atenção”, era tudo o que ele pedia, sem imaginar o quanto o dia tinha sido horrível, sem imaginar que a qualquer momento poderia chorar. Dez minutos que poderiam mudar sua maneira de enxergar as coisas. Dez minutos para perceber que ele estava certo, que quando alguém queria te ver, a pessoa dava um jeito. Dez minutos para se reencontrarem após dois meses sem se verem. Foi andando encolhido até ele. Com vergonha de como estava uma bagunça naqueles dias. Com receio de suas intenções e de como reagiria a tudo aquilo. Dezembro havia sido um mês longo sem terapia e os dias após a virada do ano também não tinham sido os melhores.  “Como era bom ser normal e poder fazer as coisas, sem ser visto como um sintoma”, pensou. Surpresas poderiam gerar mais ansiedade, tudo o que estava evitando naquele momento, mas se colocou no lugar do outro e mesmo com todos seus instintos dizendo não, cedeu ao inesperado pedido de visita. Era uma noite quente e por alguns minutos, quase t...

5 Motivos para Ler O Que Me Faz Pular (Naoki Higashida)

O que você sabe sobre autismo? Como todo amante de livros, acredito que a leitura ajuda a quebrar um pouco das barreiras do preconceito ao informar e entreter. Em seu livro O Que Me Faz Pular (The Reason I Jump / Jiheisho no boku ga tobihaneru riy u), o autista Naoki Higashida compartilha um pouco da sua visão e experiências com os leitores. No Brasil, a obra foi publicada pela editora Intrínseca, com tradução de Rogério Durst.


Publicado no Japão em 2007 e no Reino Unido em 2013, a edição do livro traduzida para o português brasileiro foi lançada em 2014. No momento, a edição impressa do livro está esgotada, mas a versão digital pode ser encontrada em algumas livrarias.

O Transtorno do Espectro Autista é bem amplo e autistas podem ser completamente diferentes, mas mesmo com suas diferenças de limitações e deficiências, todos lidam com algo em comum: a dificuldade de ser entendido pelos outros.

Confira 5 motivos para ler O Que Me Faz Pular (Naoki Higashida):


1) Menos preconceito contra autistas


Independente do nível de limitação, pessoas com Transtorno do Espectro Autista sofrem preconceito e bullying. Durante muitos anos, muitos mitos foram espalhados sobre autismo que influenciam na visão que muitos têm sobre autistas, especialmente falando como se a pessoa não estivesse entendendo.

Ironicamente, durante muito tempo, alguns profissionais acreditaram que autistas não tinham empatia, porém, o que se observa é que os não-autistas têm dificuldade de entender que muitos dos comportamentos fazem parte da condição e não são necessariamente birra ou tentativa de chamar a atenção.

Aos cinco anos de idade, Naoki Higashida foi diagnosticado com um caso severo de autismo. Autista com limitações verbais, ele aprendeu a se comunicar com letras em uma cartela de papelão junto com o apoio da mãe e da professora. Aos 13 anos de idade ele escreveu este livro, o que ajuda a quebrar um pouco do preconceito que as pessoas têm com autistas.

Ele não é o único autista não-verbal a publicar sua história, mas sua obra foi bastante elogiada pelo mundo todo, inclusive pela Temple Grandin, uma das autistas que na infância tinha muitas limitações e compartilha suas experiências e leva conscientização para que mais profissionais, familiares e autistas possam entender melhor a condição neurológica.


“Nossos sentimentos são iguais aos de todo mundo, só não conseguimos encontrar uma forma de expressá-los” – Naoki Higashida, O Que Me Faz Pular

2) Dificuldade de expressão não é a mesma coisa que falta de empatia


Autistas sentem as coisas e alguns sentem até demais. Infelizmente, muitas pesquisas e materiais sobre autismo se focam tanto na visão médica e de psicólogos que esquecem de ouvir o que os autistas pensam, sentem e experimentam. Naoki Higashida deixa bem claro que mesmo com dificuldade e nem sempre conseguindo responder no momento, ele está consciente do que acontece ao seu redor.

Na época em que o livro foi escrito, por exemplo, pouco se sabia sobre o Transtorno do Processamento Sensorial, uma condição que muitos autistas têm que influencia sua relação com o mundo (toque, olfato, gustação, audição e visão), o que influencia na distração, no prazer e nas crises autísticas.

Mesmo sem o conhecimento científico/técnico, as informações fornecidas por autistas poderiam ajudar com pesquisas que realmente sejam benéficas para a população autista. Naoki Higashida deixa bem claro que autistas não são egoístas, pois é assim que muitos acabam se sentindo de tanto ouvirem dos outros que o autismo é algo negativo.

3) A importância do amor próprio


Naoki também compartilha que mesmo com suas limitações, ele aprendeu a se amar. Pouco se fala sobre a questão da autoestima do autista. Dependendo da quantidade de apoio que um autista precisa, pessoas que não fazem ideia do que é o autismo podem achar que eles são indiferentes ao mundo ao seu redor – o que nem sempre é verdade.

O escritor lembra que ser feliz é algo difícil para todo ser humano, independente de ter deficiência ou não. Vale ressaltar que embora não-autistas tenham dificuldade de entender o universo autista, uma ótima forma de tentar aprender um pouco sobre essa realidade é escutando, lendo e consumindo conteúdos produzidos por autistas.

“Em poucas palavras, aprendi que cada ser humano, com ou sem deficiências, precisa se esforçar para fazer o melhor possível e, ao lutar para conseguir a felicidade, ele a alcança. Veja bem, para nós o autismo é normal, então não temos como saber o que os outros chamam de “normal”. Porém, a partir do momento em que aprendemos a nos amar, não sei bem se faz diferença termos autismo ou não” – Naoki Higashida, O Que Me Faz Pular

Quando autistas conhecem outros autistas, por exemplo, a noção de normalidade é quebrada: autistas enxergam o mundo de forma diferente, mas o seu universo e forma de existir são normais para eles, afinal, mesmo autistas com poucas limitações, ainda fazem parte do espectro. Logo, o normal autista pode ser estranho para um não-autista, mas faz parte da identidade e vivência de pessoas que nasceram com a condição neurodiversa.

4) Luta diária


É preciso contextualizar a idade de Naoki Higashida, bem como lembrar que a visão sobre autismo também traz sua carga cultural. Quando publicou o livro, Naoki era um jovem grato, mas mesmo sem querer, suas palavras revelam o quanto ele trava uma batalha consigo mesmo, a qual mesmo com aceitação não significa que é fácil.

Para quem não sabe o que é capacitismo, é quando a pessoa com uma deficiência é vista com pena pelos outros. Será que Naoki teria se desenvolvido se tivessem focado só nas suas limitações? O autismo é muito complexo. Como ele fala no livro, é importante lembrar também dos pequenos prazeres.


“Não se pode julgar uma pessoa pela aparência. Mas, a partir do momento em que você entende o que acontece dentro do outro, vocês dois podem se tornar bem mais próximos” – Naoki Higashida, O Que Me Faz Pular

Não há sentido em um autista se comparar com outros autistas ou não-autistas, porém para uma visão externa e preconceituosa, muita gente poderia achar que Naoki seria incapaz de escrever. Ele não só compartilha suas memórias, como o livro também traz alguns textos literários e parábolas.

5) Mais inspiração


Autistas têm dificuldade de interação social e muitos podem ter dificuldade de falar, porém muitos podem aprender a se comunicar de forma alternativa e até mesmo acabam se conectando com a arte. No caso do Naoki Higashida, ele se encantou pela escrita, mas outros também acabam se aventurando pela música, pintura e outras formas de expressão artística. Ele também revela como ama estar na natureza.

Embora todo especialista e autista saibam que uma única narrativa de autismo não serve para todos, não dá para negar que na época da publicação, o livro O Que Me Faz Pular foi e ainda continua útil ao mostrar como autistas podem compartilhar suas percepções sobre a vida. Sem dúvidas, como acontece com toda narrativa biográfica, Naoki pode ter ressignificado algumas experiências, especialmente porque autistas também amadurecem.

Na época de publicação, o livro levantou uma descrença inicial ao achar que poderia ter sido influenciado pelos facilitadores do método de comunicação, de que o livro teria sido escrito pelos familiares, mas atualmente, Naoki Higashida tem seu próprio computador. 

Desde o lançamento do livro O Que Me Faz Pular, ele já publicou vários outros trabalhos no Japão e seu livro mais recente é o Fall Down 7 Times Get Up 8 (Caia 7 vezes, Levante 8), escrito entre os seus 18 e 22 anos. Em sua nova obra, o autor trata de questões como identidade, família, educação, sociedade e seu crescimento pessoal. Lançado no Japão em 2015, a versão inglesa foi lançada em 2017 com tradução de Keiko Yoshida e do escritor David Mitchell, também responsáveis por fazer o livro O Que Me Faz Pular ser traduzido para o Reino Unido.

Além de Naoki Higashida, outro autistas não-verbais que escreveram livros são os norte-americanos Ido Kedar e Carly Fleischmann e o indiano Tito Mukhopadhyay.

Sobre o autor – Naoki Higashida nasceu em Kimitsu, no Japão, em 1992. Diagnosticado com autismo severo quando tinha cinco anos, ele aprendeu a se comunicar uma tábua de alfabeto feito á mão e começou a escrever poemas e contos. Aos 13 anos de idade, ele escreveu O Que Me Faz Pular (The Reason I Jump), que foi publicado no Japão em 2007. Com a tradução para o inglês em 2013, o livro já foi publicado para mais de 30 idiomas. Desde então, Higashida publicou vários livros no Japão, incluindo livros infantis e ilustrados, poemas e ensaios. Tema de um premiado documentário da televisão japonesa em 2014, ele continua a fazer apresentações em todo o país sobre sua experiência como autista.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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