Depois do sucesso da distopia
O Conto da Aia (The Handmaid’s Tale) com a adaptação em série de televisão para o Hulu (serviço de streaming), é impossível ler
Vox sem pensar no romance da autora canadense Margaret Atwood. A obra de ficção da escritora
Christina Dalcher foi publicada no Brasil pela
Editora Arqueiro, em 2018, com tradução de Alves Calado.
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Livros como Vox, vão além do entretenimento, e nos lembram da importância da democracia e dos perigos da mistura entre religião e política, especialmente em tempos de conservadorismo hipócrita que alimenta a intolerância e a violência. Enquanto para algumas pessoas, essas questões provocam ansiedade, há quem ache um exagero – como aconteceu com a Dra. Jean McClellan, até ela perceber que era tarde demais.
A história se passa nos Estados Unidos. O que pareceria um absurdo se tornou a realidade do país com a ascensão do Movimento Puro e a limitação de 100 palavras por dia para mulheres. A protagonista que costumava ser uma pesquisadora neurolinguística teve que mudar seus hábitos para garantir que ela não ultrapasse a cota de palavras e as vidas dela e de outras pessoas se transformaram completamente.
“Talvez tenha sido isso o que aconteceu na Alemanha com os nazistas, na Bósnia com os sérvios, em Ruanda com os hutus. Às vezes eu refletia sobre isso, sobre como crianças podem se transformar em monstros, como aprendem que matar é certo e a opressão é justa, como em uma única geração o mundo pode mudar tanto até ficar irreconhecível” – Christina Dalcher, Vox
Com a limitação de palavras por dia, conteúdos que antes eram considerados relevantes na escola foram excluídos da grade. A educação para o pensamento e a autonomia são substituídos por disciplinas simples e pela doutrinação; Jean lida com o remorso de não ter levado a sério Jackie, sua amiga ligada às questões sociais da linguística e ao feminismo quando ela se dá conta de que todos que discordam do Movimento Puro são humilhados, torturados e assassinados.
Mulheres e meninas são vistas como submissas e além de toda essa confusão política, cujos impactos vão além da parte social e podem afetar o desenvolvimento cognitivo das crianças, as tornando mais vulneráveis à manipulação política e religiosa, há um projeto que fará Jean perceber que os problemas são piores do que ela imaginava.
“A memória é uma maldição. Sinto inveja da minha filha; ela não precisa se lembrar da vida antes das cotas nem dos dias de escola antes que o Movimento Puro decolasse. É uma dificuldade me lembrar da última vez que vi um número maior do que quarenta em seu pulso frágil... Para o resto de nós, minhas ex-colegas e alunas, para Lin, para minhas amigas do clube de leitura, a mulher que era minha ginecologista e a Sra. Ray, que nunca mais vai fazer paisagismo em outro jardim, a memória é tudo que existe” – Christina Dalcher, Vox
O livro é narrado em primeira pessoa por Jean McClellan. Entre cenas que mostram a protagonista em seus momentos de família, seja no presente ou no passado, e alguns segredos de sua vida vem à tona, a tensão do romance aumenta conforme ela nota de que ficar em negação, esperando que a dissolução natural do governo aconteça, não é a melhor das opções.
Em um cenário desesperançoso, Vox nos faz refletir sobre os perigos do conservadorismo radical. O sucesso do livro veio em uma época em que países de diferentes lugares do mundo estão lidando com questões sociais e retrocessos. Para quem gosta de conspirações, o livro joga uma bomba nos leitores sobre quais seriam os próximos passos do movimento para garantir que as pessoas vão respeitar as regras e como nada é garantido quando se está diante de pessoas manipuladoras com características psicopáticas.
“Ela parecia tão pequena, mãe! Tão triste! E cortaram todo o cabelo dela. Todo. Tipo corte de fuzileiro. O Sr. Gustavson disse que isso era bom. Era o que faziam com as hereges na Inquisição espanhola e com as bruxas de Salém” – Christina Dalcher, Vox
Para alguns, Christina Dalcher escreveu uma espécie de presságio; para outros, um conto caucionário. É difícil ler Vox sem pensar nos horrores da história e como a qualquer momento tudo pode mudar. Como em muitos governos autoritários, antes da tragédia acontecer, muitos sinais são ignorados. É uma leitura sobre a importância da liberdade.
*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror
Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no
Wattpad e na loja Kindle.
Acho muito interessante ver a sua resenha sobre esse livro. Até o momento, só tinha encontrado resenhas feita por mulheres e é incrível ver que um homem percebe que não é bom pra ninguém que algo assim aconteça.
ResponderExcluirVidas em Preto e Branco
Olá, Lary. Acredito que é um livro para todos lerem e refletirem. Fico feliz que tenha gostado! ♥
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