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Destaques

Sem talvez

Não havia talvez quando se tratava de pôr a própria saúde mental em primeiro lugar, especialmente quando o outro a estava negligenciando. Não havia talvez para continuar sustentando um relacionamento que não ia para frente, no qual o outro se negava a se responsabilizar e se colocava constantemente no papel de vítima. Não havia talvez quando você havia se transformado em uma espécie de terapeuta que tinha que ficar ouvindo reclamações e problemas constantes, se sentindo completamente drenado após cada interação. Já não havia espaço para o talvez. Talvez as coisas seriam diferentes se o outro tivesse o mesmo cuidado com a saúde mental que você tem. Talvez a fase ruim iria passar um dia. Talvez a pessoa ia parar de se pôr como vítima e começar a se responsabilizar. Eram muitos talvez que não tinha mais paciência para esperar. Então, não, já havia aguentado mais do que o suficiente. Não era responsável por lidar com os problemas do outro. Não era responsável por tentar levar leveza diante...

Ciclos que chegam ao fim

Encerrar um ciclo, às vezes, envolvia se lembrar de outros ciclos encerrados. Em alguns casos, surge um sentimento de culpa, ainda que você saiba que foi o melhor para os dois. Pode ser que se tratava de alguém de forma inconsistente, hora frio, hora quente, sempre sem saber o que viria a seguir. Ou pode ser que você deseja se afastar de uma dinâmica disfuncional, na qual o outro te trata como um psicólogo, você sempre tem que ouvir os problemas e as reclamações do outro, muitas vezes, o que a pessoa realmente precisava era de um psicólogo real e não cabia a você carregar o peso do outro.

É preciso ter coragem para tomar decisões. Muitas vezes, você hesitou tanto em impor limites, que as coisas simplesmente chegaram ao ponto de exaustão emocional. Que peso é esse que você tanto tem carregado? É seu ou é do outro? Quando você se vê sempre tentando se encaixar às necessidades do outro, é bem provável que você esteja negligenciando suas próprias necessidades. O amor próprio significa honrar seu próprio caminho e, muitas vezes, reconhecer que o outro já não faz parte.

Às vezes, o que você julgava como carinho, era mero afeto. Às vezes, mesmo gostando do outro, você se sente sufocado. Às vezes, mesmo dando o seu melhor, para o outro não é suficiente. São tantos momentos que devem ser levados em conta.

Dizem que o sim sempre é possível de reconhecer. O que acontece quando você se vê diante de pessoas inconsistentes e você não pode ser você mesmo, com receio de que vá desagradar? Quando você só leva o desconforto do outro em conta, mas não há o mesmo tratamento para você, você precisa reconhecer de que há algo desequilibrado. Por trás de uma pessoa que reclama o dia inteiro, há uma ou mais pessoas que estão ouvindo essas reclamações. Por trás do peso que o outro desabafa constantemente, há alguém carregando nas costas este peso. Nada passa despercebido.

Há uma certa dependência emocional em quem está acostumado a se colocar no papel de vítima, como se precisasse de alguém para validar suas questões. Porém, uma boa amizade significa também reconhecer quando o outro está errando e ser capaz de se expressar livremente, não ficar no papel de mero ouvinte.

Quando o medo de se expressar for maior do que sua liberdade de opinar é preciso se questionar até que ponto você deseja levar determinada amizade e/ou relacionamento. Não é saudável ter que ficar  andando sobre cascas de ovos só para agradar o outro. Todos nós temos que aprender a lidar com a frustração, reconhecer que nem sempre somos vítimas e também somos responsáveis.

Se uma amizade não estiver balanceada: quando só um dos dois compartilha seus problemas, por exemplo, é bem possível que haja uma quebra de confiança e falta de espaço, o outro está tão centrado nos próprios problemas, como se fosse o único a sofrer, que suas demandas parecem invisíveis e você não vê mais necessidade de compartilhar.

O problema de sempre dar tapinha nas costas de quem se põe no papel de vítima é que você vê vez atrás de vez a pessoa passando por problemas parecidos e nunca solucionando. Seu papel como amigo não é o de psicólogo, mas com empatia mostrar que nem tudo é como o outro está enxergando, que você também tem problemas e não é o fim do mundo.

Quando você perde a liberdade de ser quem você é, constantemente colocado no papel de terapeuta, de forma consciente ou não, você pode estar colaborando para que a pessoa não assuma autorresponsabilidade e cometa atos de autossabotagem. Quando o outro te trata de forma confusa, cabe a você escolher se quer continuar ou não passando pelos mesmos problemas. No final das contas, quase tudo vem da habilidade de saber que também somos responsáveis pelo que nos acontecem, de um grau ou outro, e não podemos nos colocar no papel de vítima das circunstâncias, como se de alguma forma tudo conspirasse contra o nosso favor.

Então, você começa de forma lenta ou talvez de forma mais abrupta a decidir o que fazer. Os dias se passam e as pessoas que já não deveriam fazer parte de sua vida, se tornam estranhos e você se pergunta o quanto os outros te enxergavam antes, sempre tão presos pelos mesmos padrões e problemas, incapazes de perceber que você também tinha problemas, só não ficava no papel de vítima.

O fim do ciclo vem acompanhado de um gostinho de liberdade, mas também de alívio de ansiedade e paz. De repente, grande parte dos problemas com que você lidava diariamente nem mesmo eram seus e a vida volta a ficar leve.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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