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Destaques

Sem talvez

Não havia talvez quando se tratava de pôr a própria saúde mental em primeiro lugar, especialmente quando o outro a estava negligenciando. Não havia talvez para continuar sustentando um relacionamento que não ia para frente, no qual o outro se negava a se responsabilizar e se colocava constantemente no papel de vítima. Não havia talvez quando você havia se transformado em uma espécie de terapeuta que tinha que ficar ouvindo reclamações e problemas constantes, se sentindo completamente drenado após cada interação. Já não havia espaço para o talvez. Talvez as coisas seriam diferentes se o outro tivesse o mesmo cuidado com a saúde mental que você tem. Talvez a fase ruim iria passar um dia. Talvez a pessoa ia parar de se pôr como vítima e começar a se responsabilizar. Eram muitos talvez que não tinha mais paciência para esperar. Então, não, já havia aguentado mais do que o suficiente. Não era responsável por lidar com os problemas do outro. Não era responsável por tentar levar leveza diante...

Escrevendo um fim de ciclo

Era um escritor e sabia que cada um tinha sua maneira de contar narrativas. Não se importava se seria herói, anti-herói ou vilão na narrativa do outro, uma vez que colocava um ponto final em uma história, estava decidido a seguir em frente.

Dizem que o excesso de visibilidade te torna invisível. É uma verdade. Quando você se torna excessivamente disponível ao outro e ele sente necessidade de usar o seu tempo e atenção, você acaba fechando os olhos para si mesmo.

Escrevia não porque precisava ser entendido pelo outro. Cabia ao outro entender os próprios erros e acertos, ou fazer o que sempre fazia, ficar no papel de vítima. Escrevia porque precisava colocar para fora os pensamentos e as emoções que estavam o consumindo.

Escrever era sua maneira de existir no mundo. Se por mero acaso o outro nunca se tinha dado conta que escrevia em outras situações, era algo que não estava disposto a esclarecer. Escrevia porque precisava, era sua forma de respirar e de ser ele mesmo.

Chegava a ser no mínimo engraçado e trágico como o outro o enxergava como um terapeuta, incapaz de enxergá-lo como um escritor. As histórias que havia ouvido não escreveria a respeito por honrar o passado, mas havia coisas que precisava escrever, para que se alguém estivesse passando pelo mesmo, este alguém soubesse que não estava sozinho.

Muito se fala sobre limites e encerramentos de ciclos, textos, imagens e vídeos estão em todos cantos da internet, mas ter que passar por isso, não era desagradável só para o outro, mas para si mesmo. Admitir que todos limites tinham sido ultrapassados, que era tarde demais para deixar o outro na vida e seguir em frente, consciente de que ajudou como poderia, muito mais do que deveria.

Escrevia porque era escritor e não terapeuta, como o outro o havia enxergado. Escrevia porque sabia que as palavras tinham peso e importância, que no momento em que ele escrevia o texto, alguém estava passando por uma situação similar e gostaria de dizer: você não precisa se sentir culpado se precisar se afastar de quem está te fazendo mais mal do que bem.

Aquelas palavras pareciam simples, mas muitas vezes era o oposto delas que mantinha pessoas presas em relacionamentos. Se mesmo relacionamentos românticos nos quais as pessoas juravam que o amor duraria para sempre acabam, por que não as amizades que já não estavam funcionando e tinham se tornado tóxicas?

Escrevia para lembrar, escrevia para esquecer. Escrevia para relembrar a importância do equilíbrio nos relacionamentos e para dizer que estava tudo bem se afastar quando já não existia. Escrevia para lembrar que quando um relacionamento se baseava em desabafos, negatividade, reclamações diárias e vitimização poderia ser um lugar desconfortável para ficar, mas por empatia muitos seguiam, ainda que a intuição e a saúde dissessem o contrário.

Então, escrevia para se escutar. Já havia escutado a parte do outro o suficiente. O outro havia deixado de ser um sujeito na sua narrativa, já havia virado um daqueles personagens que simplesmente desaparecerem e sequer lembramos o nome. Escrevia para lembrar do que não se tornar, não fazer o mesmo com os outros e continuar seguindo firme em terapia.

Deixava ir. Nada mais o prendia ao outro. O vínculo havia rompido. Se tivesse que impor limites diria que não queria escutar nada, logo não fazia mais sentido manter a amizade, só restava aceitar que havia chegado ao fim. 

Ia soltando seus fragmentos, ia soltando cada vez mais o outro, na expectativa de que algum dia pudesse se lembrar com gratidão a si mesmo e lembrasse que não era uma escolha tão difícil, quando se tratava de colocar a própria saúde mental em primeiro lugar e até compreendia quem vez ou outra havia se afastado pelo mesmo motivo. Escrevia para si mesmo e seus leitores, não para quem já não fazia parte de sua vida. Seguiria escrevendo, até que tudo se tornasse memória e as coisas não queimassem mais dentro dele. Até que as páginas se queimassem e tudo o que restasse eram cinzas, sopradas pelo vento.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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