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Destaques

Palavras não ditas

Era uma vez um escritor que tinha tanta empatia por alguém próximo, que, muitas vezes, levava para a terapia problemas que não eram seus. Nem sempre sabia como ajudar. Não sabia como dizer não. Sempre estava disposto a ouvir. Até o dia em que se esgotou e se deu conta de que se as coisas não mudassem, ali não era seu lugar para ficar. Quando foi que precisou se diminuir tanto para caber nas expectativas do outro? O outro sequer sabia que seus posicionamentos ideológicos eram contrários e, vez ou outra, sofria com microagressões, mas se silenciava em bem da amizade – era quase como se vivesse uma vida dupla, da qual o outro desconhecia. Foi deixando um monstro crescer cada vez mais, um monstro alimentado pelo silêncio e que tanto se preocupava com o outro, que às vezes se deixava de lado. Para pessoas que estão familiarizadas com impor limites, o caso poderia ser bobeira, mas para ele, havia chegado a um estado de exaustão, no qual não queria voltar atrás. Estava exausto de ouvir proble...

Escrever sobre as emoções

Escrever sobre as próprias emoções era uma forma de se conectar mais consigo mesmo, entender os seus gatilhos e ajudar a selecionar questões que poderia levar para a terapia. Era um compromisso que tinha consigo mesmo, sempre anotando os altos e os baixos, e também as mudanças que gostaria de fazer.

Não se prendia ao papel quando ia à terapia, mas sabia que servia como uma ferramenta a mais para ajudá-lo a se orientar e conversar sobre coisas que estavam incomodando. Ter em mente o que vai falar era muito melhor do que chegar e travar, ou contar as coisas pela metade, tentando priorizar o que realmente gostaria de abordar.

Entendia que a terapia era um trabalho em dupla. Não cabia a ele colocar tudo nas mãos da psicóloga, tampouco ela teria como adivinhar o que estava se passando em sua mente. O prazer de brincar com as palavras não era terapia, mas certamente era tão terapêutico, como uma aula de yoga, na qual você estimulava partes do corpo todo, ao mesmo tempo em que relaxava.

Anotava as coisas para entender o próprio ritmo, anotava aquilo que lhe causava desconforto, anotava aquilo que trazia bem-estar. Era por meio das anotações que ia se guiando no dia a dia, percebendo como pequenos hábitos poderiam fazer toda diferença a longo prazo, ainda que nem sempre visto – muito menos se daria conta se não tivesse anotado.

As palavras eram como velhas companheiras que não o abandonavam, mesmo quando ele tinha que se afastar de alguém. Havia certo conforto em poder encarar a página em branco e decorá-la como fosse sua vontade, não precisava se medir, tampouco precisava fingir. As coisas eram como as coisas eram.

Foi, então, percebendo que mesmo quando seu dia não tinha baixos, algo estava afetando seu humor. De tanto escutar os problemas do outro, havia se esquecido de como seus dias poderiam ser leves e os problemas de outras pessoas não precisavam ser seus, sequer tinha qualquer necessidade de escutar nem mesmo de ser validado pelo outro.

Quando você aprende a se conhecer melhor e quer evitar repetir seus padrões e os do outro, ter um registro pode fazer toda diferença. Então, é somente quando decide soltar um peso que não é seu, que você percebe o quanto estava sendo intoxicado pelas palavras do outro e não importa o quanto você tentasse ajudar, nada era o suficiente.

É preciso coragem para escolher mudar. Saber que você não quer passar pelo que já passou no passado e colocar sua saúde mental em primeiro lugar podem parecer complicados para quem não está acostumado, mas, muitas vezes, são atitudes essenciais. Independente da vontade de ajudar, muitas vezes não pode se ajudar quem não quer ser ajudado, a pessoa precisa encontrar o próprio caminho, a própria saída do lugar em que se colocou e poderia muito bem usar a escrita seu favor, mas não faz – não se pode forçar o outro a mudar, mas há limites nas coisas que devemos aceitar.

Então, escreva quando sentir vontade. Escreva sobre os seus dias, suas emoções, suas decisões. Escreva sobre o que tem feito, o que tem deixado de fazer. A escrita serve como uma ferramenta maravilhosa e gratuita de usar. Por meio dela, você pode se conhecer melhor dentro ou fora da terapia, e sentir a experiência catártica de deixar as emoções se espalharem e se libertar do que não te serve mais. Escreva para se curar, escreva para se libertar. Escreva.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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