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Amizade sem vítimas

Depois de tanto tempo lidando com uma pessoa pesada, esperava que a vida trouxesse alguém leve. Ninguém está isento de ter problemas, mas havia maneiras e maneiras de lidar com as situações da vida. Não estava mais disposto a conviver com quem se mantinha preso no papel de vítima de tudo e todos, e agora dele mesmo, não, queria pessoas que lembrassem que por mais que a vida fosse difícil, havia um jeito de encontrar certa leveza.

Se havia algo nele que atraía pessoas com este perfil, cabia a ele aprender e tentar se curar, para evitar que mais padrões disfuncionais se repetissem. Não era uma vítima da vítima, era alguém que sabia que também carregava sua parcela de autorresponsabilidade, que sabia que em determinados momentos para manter a paz e evitar conflitos simplesmente reforçava o vitimismo do outro, consciente de que isto só manteria a pessoa mais tempo nessa situação.

Conhecer pessoas novas era algo mais fácil na teoria do que na prática. Tampouco tinha como saber como o outro realmente era, só o tempo seria capaz de revelar, mas sabia que estava na hora de mergulhar em outros mares, encontrar pessoas com quem pudesse ser ele mesmo, com quem pudesse falar sobre coisas triviais, não somente ficar no papel de quem escutava problemas e reclamações em um looping infinito. Não, não havia sentido em olhar para trás.

Primeiro, precisava se reorganizar. Depois, viriam as possibilidades que a vida oferece. Não tinha medo da solidão, estar com a companhia errada era bem pior e, desta vez, já estaria mais maduro para impor limites desde o início. De tanto conviver com alguém cheio de negativismo e tantos outros problemas, a princípio tinha medo de cometer os mesmos erros: mas não, eram pessoas completamente diferentes e tinha seu próprio modo de se comunicar com os outros, deixando bem separado o que era dele e o que era do outro, para não misturar as coisas.

Era difícil não lidar com a sensação de tempo perdido: tantos dias, semanas, meses e anos desperdiçados com alguém que sempre estava cercado de problemas, sempre ajudando a apagar incêndios que nem mesmo eram dele. Havia aprendido que se tivesse dito não mais vezes, talvez as coisas não teriam chegado a este ponto. Mas também havia aprendido que tinha feito o possível e o impossível para ajudar e cabia ao outro assumir as rédeas da própria vida, consciente de que não era uma vítima do mundo e sua postura poderia afastar as pessoas.

Não estava interessado em lembrar dos bons momentos. Não, tudo o que queria era olhar para frente e se manter no momento presente. Já não tinha mais que ficar respondendo mensagens que vinham a qualquer hora do dia, como se o seu tempo não tivesse valor algum e sua única preocupação fosse responder ao outro. Também não se permitia se preocupar com o outro como fizera no passado a ponto de afetar tanto sua saúde mental, que entrou em uma crise. Não, cada um com seus transtornos, seus tratamentos, seguindo o próprio rumo.

Fazer amizades novas era algo que estava tentando desde o ano passado. Tinha um colega aqui, outro ali, mas pouco o suficiente para chamar de amizade. O importante é que estava se abrindo ao novo. A cada dia que passava, era como se varresse mais e mais as cinzas do que o estava incomodando tanto, deixando para trás o que deveria ter ficado para trás há muitos anos.

Para não causar desconforto no outro evitava falar sobre política. O outro sequer sabia sobre o que escrevia: tinha medo de coisas pagãs, quando o livro era justamente sobre paganismo. O outro o conhecia menos do que a metade, ia sempre se suprimindo para evitar desconfortos. Assim, se havia criado um monstro, um relacionamento que não deveria existir, no qual só uma das metades era confortável sendo ela mesma e o outro estava sempre se apagando, se reduzindo para caber.

Não, merecia amizades em que poderia ser ele mesmo e o outro tivesse o mínimo interesse de pesquisar sobre sua vida. Não queria apoio falso de alguém que sequer lia seus textos, estava sempre reclamando da falta de algo bom na Netflix, quando era assim que passava os seus dias, deixando indicações do que assistir. Nada era bom para o outro e, em vez de provar o contrário, simplesmente acenava, deixava o outro preso na ilusão de que realmente tudo e todos estavam errados.

Ser um bom amigo envolvia fazer coisas que deixara de fazer. Sabia o quão frágil o outro poderia ser a uma crítica e ia sempre dando tapinhas nas costas, quando em muitos casos deveria mostrar que o outro deveria se responsabilizar. Não era papel dele ficar escutando tudo como um terapeuta e mesmo terapeutas apontam intervenções ao longo da sessão.

Ao saber que não tinha sido um bom amigo por causa de uma dinâmica disfuncional, não só abria os olhos do outro, mas de si mesmo. Amizades tóxicas podiam deixar marcas, mas já estava vacinado pela vida e sabia que era só uma questão de tempo até aparecerem novas pessoas. Desta vez, não seria tão conivente com comportamentos problemáticos, não se diminuiria, não ficaria preso em uma espécie de dependência emocional. Queria uma amizade onde pudesse respirar e ser ele mesmo, sem deixar que o medo de algo parecido se repetir viesse à tona. Não, havia deixado a parte tóxica do termo e o que buscava era amizade, só amizade.

*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.

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