Rompendo vínculos
Sem mais validação. Sem mais tapinhas nas costas. Às vezes, nosso comportamento só contribui para que o outro fique preso em comportamentos disfuncionais: tudo o que você pode fazer é torcer para que o outro melhore das condições e problemas em que se colocou, consciente de que não é sua responsabilidade. Mas o que acontece quando isso nunca acontece? Você ou fica preso em um relacionamento alimentado pelo vitimismo e reclamações, ou você aprende a seguir em frente.
Há muita responsabilidade quando alguém te coloca na posição de ter que escutar seus problemas diariamente. Isso só piora quando você vê que a quantidade de problemas aumenta com o passar do tempo, mas a pessoa fica presa no papel de vítima, esperando pequenos ou grandes conselhos, incapaz de tomar suas próprias decisões.
A verdade é que quando lidamos com o vitimismo, também temos parcela da nossa responsabilidade: o outro está sempre para baixo e você se vê no papel de reconfortar, porém, os dias, semanas, meses e anos passam, e você não vê melhora alguma, somente uma repetição de padrões.
Se você está em um relacionamento em que se sente drenado e precisa sempre escolher com cuidado as palavras para não machucar o outro, pode ser um lugar muito desconfortável de ficar. Você sabe como começou, mas não sabe quando vai terminar. A verdade é que algumas pessoas ficam presas e não sabem como sair, não dizem não o suficiente, afinal, o outro está sempre mal, por que gerar mais um desconforto? A verdade é que você vai se distanciando de si mesmo e se vendo cada vez mais preso ao outro, como se de alguma forma você fosse a solução de todos problemas dele, a pessoa ideal para escutar os problemas.
Você vai levando, até que o corpo comece a dar sinais: você sente ansiedade sempre que recebe uma mensagem e já fica imaginando qual será o problema desta vez. Não se trata de ser alguém positivamente tóxico e esperar que só coisas boas aconteçam na vida, se trata de ser realista, aceitar que também somos de algum modo responsáveis pelas coisas que nos acontecem, os problemas não surgem do nada e mesmo a amizade tem seus limites: precisamos filtrar o que falamos, ou ficamos constantemente vomitando problemas no outro.
Quando você começa a se questionar se está na hora de deixar ir, é sinal de que algo não está funcionando. Talvez já não estivesse funcionando há tanto tempo, que para manter a amizade, você decidiu fechar os olhos. Mas a demanda por atenção contínua, a necessidade de sempre desabafar e reclamar sobre a vida, a percepção de que os problemas não param de crescer, tudo isso vai gerando um desgaste emocional e uma bola de neve, no qual você precisa se soltar do outro, mostrar que, sim, tem empatia e compaixão, mas não pode fazer a parte dele.
Amigos não são psicólogos. Amizades não são terapia. Há limites que se você não se respeitar, vai ter que lidar com o esgotamento. Então, muitas vezes, você se vê preso por dó, por culpa, e percebe que a empatia e a compaixão estão te atrapalhando: a carga pesada do outro começa a te afetar, os dias que costumavam ser leves se tornam pesados e você só pensa em como colocar um ponto final nisso.
Excesso de vitimismo poderia esconder uma manipulação: uma maneira de sempre estar nos holofotes, demandando atenção e mais atenção, e se seus problemas são diferentes do outro, os dele são piores: tudo e todos estão contra ele, a vida se torna um constante espaço para reclamação; onde só um dos lados está sendo beneficiado e o outro vai fazendo malabarismo com tantos problemas que escuta para não perder o próprio equilíbrio.
Então, havia tantas coisas que você já quis dizer, mas nunca disse. Você sempre tentou se manter neutro, ouvir com empatia, mas quando a conta chegou, tudo o que poderia pensar era em distância. Não, não era sua responsabilidade de reforçar o papel de vítima do outro, não era assim que as coisas mudavam. Havia decidido se manter longe por respeitar a própria saúde mental e secretamente torcer para que o outro um dia aprendesse a lidar melhor com a dele, sem transformar pessoas ao redor em fonte de validação, reclamação e problemas, aprendendo que havia modos e modos de lidar com os problemas da vida e isso não significava depositar tudo nas costas dos outros.
E a cada problema não resolvido, um novo criado, e um constante estado de lamentação, a vítima não percebia que era sua própria antagonista, que se não encontrasse outra maneira de lidar com a vida, dificilmente as pessoas escolheriam ficar: quem quer ficar perto de quem só suga a energia, mas não doa.
Afinal, de tanto ficar cega pelos próprios problemas, não enxergava os problemas dos outros e de tanto demandar empatia, validação, compaixão, havia deixado há muito de fazer o mesmo pelos outros, pois sempre estava no papel de quem estava mais ferrada pela vida, uma ilusão que se apegava e parecia incapaz de soltar. A própria cegueira de agir dessa maneira, já revelava que não estava enxergando as coisas com clareza há um bom tempo. Amigos eram amigos, psicólogos eram psicólogos, e ninguém deveria ficar lidando com excesso de problemas alheios, havia coisas que o outro precisava aprender sozinho sobre si mesmo e não importava o que dissesse ou fizesse, cabia ao outro criar seus próprios caminhos, ou continuar repetindo sem fim seu ciclo de lamentações, até encontrar uma nova pessoa para escutar e tudo se repetir novamente depois de um tempo, criando mais um problema para si mesmo e tendo que escolher se vai ficar no papel de vítima, sendo seu próprio antagonista (autossabotagem) ou de protagonista da própria história.
*Ben Oliveira é escritor, formado em jornalismo. Autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e dos livros de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1) e O Livro (Vol. 2), disponíveis no Wattpad e na loja Kindle.
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