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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

A Abelha e a Perspectiva

É tudo uma questão de perspectiva, uma voz sussurrava no meu ouvido. Eu estava sentado, escrevendo, parte de mim estava presa em algum lugar escuro, enquanto a outra procurava iluminação. Eu estava coberto de tanto lodo que não importava para onde olhasse, não enxergava os raios de luz, embora soubesse que eles estavam lá, em algum lugar.

Buda dizia que nossa mente cria nossos sofrimentos e nossos desejos e paixões são responsáveis por nossa eterna insatisfação. Continuei escrevendo, desejando me tornar o papel e a caneta, escritor e a escrita. Colocar para fora o que nos faz mal é sempre necessário, até que possamos encarar a situação de frente, sem precisar baixar a cabeça ou levantá-la por puro orgulho, mas olhá-la de igual para igual, como um cão que rosna para o leão, mesmo tendo a metade do seu tamanho e força.

Uma abelha entrou pela janela. O inseto deu uma volta e saiu, como se não tivesse encontrado o que procurava. Ela não sabia, mas eu tinha consciência. É tudo uma questão de perspectiva, eu queria dizer para ela. Ela não me escutaria. A natureza da abelha não inclui escutar os seres humanos. Na primeira vez em que a abelha apareceu, não senti nada, eu estava concentrado demais no meu texto para pensar em qualquer coisa que não fosse eu mesmo, a minha miséria, meus tormentos, inquietações. Eu estava no modo de autodestruição e nem mesmo sabia. Se permanecesse imóvel, era capaz de ser devorado pela minha raiva.

A mão já estava doendo de tanto escrever, mas eu precisava ir até o final. “O que eu estou sentindo agora, não estarei sentindo quando colocar o último ponto final do texto”, eu repetia para mim mesmo. Acontece que nem tudo sai como esperávamos e o último ponto que eu acrescentei foi uma exclamação. Disse adeus para as minhas sombras, eu precisava voltar à luz novamente. Antes que eu pudesse terminar o texto, a abelha retornou ao meu quarto pela segunda vez. Não sabia o que ela ainda estava procurando, ela girava e girava, até se cansar e sair. Desta vez, um instinto se acendeu dentro de mim, meus pelos se arrepiaram. Eu sabia o que a abelha queria, só não conseguia acreditar. Por que, diabos, uma abelha se meteria comigo, quando eu posso esmaga-la facilmente? Ninguém avisou à criatura que eu já tinha sido uma abelha um dia, talvez em uma vida passada, não tão distante assim, fui uma abelha rainha, mas me cansei, como tudo o que é bom demais cansa às vezes.

Consumido pelo ódio, queimei minhas palavras no papel – era melhor vê-las incendiando do que destruir o que eu tinha construído até ali. “Onde estava o meu equilíbrio, agora que eu precisava dele?”, o pensamento cruzou minha mente tão rápido que nem se deu ao trabalho de aguardar a resposta. E antes que eu pudesse resolver o enigma, a abelha tinha retornado. Lembrei-me de uma frase em inglês: “Fool me once, shame on you; Fool me twice, shame on me” – Me engane uma vez, que vergonha para você; Me engane duas, que vergonha para mim. Aquela expressão era uma das minhas favoritas, embora algumas vezes, ao longo da vida não queremos enxergar o óbvio.

Segurei o meu caderno prevendo que agora a abelha tinha criado coragem suficiente para me enfrentar. Ela voou em minha direção e eu desviei. Peguei o travesseiro e arremessei em direção ao inseto, colocando um ponto final na vida dele. Não enxerguei que a abelha queria me atacar desde o começo, por que esperei qualquer reação dela, menos isso. Não se tratava de estar com os olhos abertos ou fechados, se tratava da minha perspectiva. Eu só enxerguei o que a abelha queria que eu enxergasse, não quais eram suas verdadeiras intenções. O que ela não quis perceber, cega com os seus próprios objetivos e que mais ou cedo ou mais tarde eu encaixaria todas as peças daquele quebra-cabeça e diferente dela, eu não daria três voltas ao redor do meu inimigo, bastava um movimento. “Nunca subestime o seu inimigo. Parecer tolo, às vezes, é só uma estratégia”, refleti.

Despedi-me da abelha e das minhas mágoas, as duas eram uma só, embora parecessem coisas completamente diferentes. Observei de olhos abertos, pisquei algumas vezes, mas ainda assim minha cegueira se tratava simplesmente de olhar para o lugar errado. Acertei o alvo somente por que não queria acertá-lo, pois se eu assim quisesse iria pelo caminho mais fácil, o das ilusões e expectativas, que nós depositamos nos outros e em nós mesmos, e novamente me enganaria. Às vezes, estamos tão envolvidos com uma situação que a explicação verdadeira é a mais óbvia, mas a que não nos permitimos ver antes.

“O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, mas sim a ilusão da verdade”Stephen William Hawking

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