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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Criação Literária: o prazer e a dor de escrever

Quando se pensa em criação literária, muitos autores iniciantes e leitores curiosos imaginam que o escritor é uma entidade capaz de inventar milhares de histórias em sua cabeça, criar personagens e passar essas narrativas para o papel ou computador, tão simples e automático como digitar e distribuir palavras ao longo da página. No entanto, este processo prazeroso de dar vida a uma personagem e explorar o seu mundo também é doloroso, especialmente quando quem está escrevendo se vê paralisado em frente à tela em branco, com o cursor piscando sem parar.

Escrever torna-se uma fonte de prazer tão grande que o autor se sente irritado quando não consegue produzir. Dom, vício, obsessão, charme, trabalho – quando ele não consegue desenvolver sua narrativa, sente-se impotente, estúpido, uma fraude. O ego deste ser oscila muito: vai do céu ao inferno em questão de minutos.

Esqueça a imagem do escritor best-seller norte-americano que tem uma casa na montanha ou na floresta, onde pode se fechar do mundo sempre que deseja escrever em paz. A solidão é, sim, bem-vinda para nós, escritores. No entanto, dificilmente conseguimos as condições ideais para que a criação aconteça. Aprendemos a nos acostumar com os barulhos, a não dependermos tanto de um lugar fixo para escrever e tudo o mais que possa emperrar nossa escrita, caso contrário ela pode nunca acontecer e nos prendemos às desculpas para nunca começá-la. Uma eterna procrastinação.

A escrita, às vezes, é tão intensa que mesmo quando não estamos escrevendo nossas mentes continuam presentes em algum lugar dentro daquele universo da ficção criado por nós. Criador e criatura se fundem. Precisamos de algum tempo para nos reconectar ao mundo real. Escrever é tão gostoso que pode ser um remédio para muitos autores, assim como pode se tornar uma droga para outros. E toda droga, não importa o quão boa possa parecer por nos tirar da realidade por uns tempos, quando menos esperamos, pode nos arruinar. Portanto, além da dor que surge quando não conseguimos escrever, seja pela falta de inspiração ou de quando não tivemos tempo suficiente para nos dedicar à escrita, precisamos também buscar o equilíbrio e saber o momento certo de fazer uma pausa, tanto para manter o bom funcionamento da mente, como da saúde do corpo.

A alegria do escritor quando é visitado pela sua musa é indescritível: em algumas horas, laudas e mais laudas são escritas ininterruptamente, o coração se enche de paz… Até o momento em que ela decide sair de férias por tempo indeterminado e só aparecer quando quiser, causando dor novamente. O ciclo recomeça diariamente. Alguns livros sobre escrita criativa, por exemplo, recomendam que seja mais importante que consigamos escrever todos os dias uma quantidade média de palavras ou páginas do que escrever durante horas em um dia da semana e ficar bloqueado nos outros, desta forma não espantamos criatividade e inspiração, cultivando-as diariamente. Saber quando parar garante que as ideias permaneçam num ponto onde escrevemos o suficiente pelo dia e sabemos como começar no outro, sem que fiquemos perdidos, sem saber para onde ir.

Além da escrita em si, o processo de desenvolvimento para o autor iniciante envolve ler um pouco de tudo, desde os livros clássicos e contemporâneos até os manuais de escrita criativa, obras sobre literatura e demais obras de outras áreas do conhecimento que possam ajudar na criação de personagens, lugares e conflitos consistentes e verossímeis. Novamente, o tempo se faz necessário, ensinando-nos a aprender quais batalhas lutar ou não e que os sacrifícios são inevitáveis. Entre a dor e o prazer, a escrita acontece na solidão. Precisamos abrir mão de alguns eventos e até mesmo sermos tachados como antissociais por amigos e familiares que não compreendem nossos sonhos, aprender a administrar não só o tempo como as economias, levando em conta que apesar de poder encontrar alguns livros nas bibliotecas, há muitas obras que precisamos ter em casa sempre ao alcance, para podermos estudá-las, sublinhar os trechos importantes e fazer nossas próprias anotações, o que envolve o investimento de dinheiro e tempo na leitura. A não ser que o autor tenha algum contrato de projeto de livro com uma editora antes mesmo de começar a escrever,corremos o risco de ficar no vermelho no final do mês e dar um tiro no escuro.

Ser escritor no Brasil não é tão glamouroso como retratam filmes e seriados. A ficção, apesar de muito prazerosa, pode ser dolorosa quando a encaramos no mundo real e percebemos que, se não fôssemos alimentados pelos nossos sonhos, objetivos e pequenas vitórias diárias, não teríamos força para seguir em frente. A desvalorização do escritor acontece na própria sociedade – a menos que você seja um autor best-seller que tenha vendido milhares de livros no seu país e seja traduzido para o mundo todo ou tenha vencido prêmios literários, o que nem sempre garante que o seu livro será lido e será um sucesso de vendas –, no universo editorial, em que a preferência ainda é pela tradução de livros internacionais e pouco espaço para autores estreantes, sem mencionar os direitos autorais que são desestimulantes e se nós, escritores, não nos controlarmos, acabamos desvalorizando a nós mesmos.

A falta de remuneração até que o livro seja publicado e venda muito bem, para que o autor receba uma parcela do valor que foi vendido, faz com que, para nós, seja inviável nos dedicarmos somente à escrita. Precisamos trabalhar em outras áreas para sobreviver, às vezes isso causa frustração. Além de nos desdobrarmos em nossos cotidianos e dos esforços que fazemos para poder escrever, ler muito e construir uma carreira fazendo aquilo que nos dá prazer, podendo nos levar ao adoecimento e à fadiga mental, lidamos com os olhares de desaprovação e com a falsa simpatia de quem nos diz: “Que legal!” e na verdade está pensando: “Ele deveria arranjar um emprego de verdade!”, como se a escrita fosse meramente um hobby. Entre a dor e o prazer da escrita, precisamos não deixar que anestesiem nossos sentidos, que nos atrapalhem a fazermos aquilo de que gostamos, ao mesmo tempo em que precisamos controlar nossos egos e dons para que não se transformem em uma maldição.


Ben Oliveira é graduado em Jornalismo, blogueiro e escritor com alguns contos publicados em antologias. Possui também romances que ainda não foram publicados. Escreve no blog Ben Oliveira e é um dos parceiros da Caligo Editora.

Texto escrito especialmente para o Blog da Caligo Editora.

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