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Destaques

Sem talvez

Não havia talvez quando se tratava de pôr a própria saúde mental em primeiro lugar, especialmente quando o outro a estava negligenciando. Não havia talvez para continuar sustentando um relacionamento que não ia para frente, no qual o outro se negava a se responsabilizar e se colocava constantemente no papel de vítima. Não havia talvez quando você havia se transformado em uma espécie de terapeuta que tinha que ficar ouvindo reclamações e problemas constantes, se sentindo completamente drenado após cada interação. Já não havia espaço para o talvez. Talvez as coisas seriam diferentes se o outro tivesse o mesmo cuidado com a saúde mental que você tem. Talvez a fase ruim iria passar um dia. Talvez a pessoa ia parar de se pôr como vítima e começar a se responsabilizar. Eram muitos talvez que não tinha mais paciência para esperar. Então, não, já havia aguentado mais do que o suficiente. Não era responsável por lidar com os problemas do outro. Não era responsável por tentar levar leveza diante...

Resenha: Sabores e Dissabores de Antigos Amores – Thiago Thomazini

Sabores e Dissabores de Antigos Amores é o título do livro de contos do escritor Thiago Thomazini, publicado em 2014, pela Editora Escândalo. A obra, de 134 páginas, será lançada no final de outubro no Rio de Janeiro. Antes de seu lançamento, tive a oportunidade de ler a coletânea que foi enviada pela editora.

Este é o segundo livro que li do Thiago Thomazini. O primeiro se chama Variáveis Vias do Desejo e também traz vários contos escritos pelo autor. O que me chamou a atenção em Sabores e Dissabores de Antigos Amores foi o amadurecimento da escrita e o jogo de palavras, numa mescla de prosa e poesia em alguns textos, envolvendo o leitor nas sensações dos seus personagens.

Na abertura do livro, o leitor se maravilha com um texto do escritor Luciano Cilindro de Souza, “A bruxa joga praga no artista”. Em seguida, se aventura em cada um dos textos: A última que morre; Não sei se vou te amar; Tempo; De ninguém; Canção praieira; O livro fluxo do desejo; Uma pequena prece antes de dormir; Bocas nossas; Em Ipanema; Carta descartada; Subterrâneos; Batucada; Apenas duas; Arena; O grito; Quatro Estações; Alvorada; Sobre amores e escritores; A cobrar; Devoção; Sabores e dissabores de antigos amores.

Alguns dos contos têm a mesma essência do primeiro livro, trazem uma aura boêmia e apresentam personagens presentes no universo gay que flertam com as tentações e perigos, como a atração por homossexuais enrustidos, a prostituição, as drogas e os prazeres ‘proibidos’. Enquanto outros conseguem tocar a alma do leitor, abordando elementos fortes, como o amor, a perda, a paixão e a solidão.

Cada conto apresenta o estilo do autor, que mescla a marginalidade com o fluxo de consciência, rimas e uma dose de poesia. Os meus três contos favoritos do livro foram e trechos marcantes:

Quatro Estações – Os relatos sobre os encontros e desencontros de dois homens que se amavam, mas pelas circunstâncias da vida acabaram se distanciando, até que o seu último reencontro é marcado pelo último adeus. Um conto envolvente que nos coloca na pele do protagonista e nos faz imaginar como é sentir o amor, perdê-lo e nos surpreende com a possibilidade de um recomeço. Assim como as estações do ano, nos faz sentir os efeitos das transformações, dos altos e baixos que fazem parte de nossas histórias.

“Às vezes, temos dessas. Não é mesmo? Tentar dar uma rasteira no amor, guardá-lo numa gaveta, congelá-lo embalado num freezer, deixá-lo abandonado num quartinho escuro da casa, num sótão empoeirado. Ah, como se fosse tão simples assim arrancar amor da gente. Amor é igual cutícula. Você até arranca, mas passa um tempinho e está lá, nascendo de novo”.

Canção Praieira – O envolvimento entre dois primos, que mesmo sabendo da rejeição da homossexualidade por sua avó, lutam para manter o amor que sentem vivo.

“Esperavam que a avó dormisse antes de, em plena madrugada, correrem em disparar para a praia deserta e selvagem que elegeram como o esconderijo e ninho daquele amor recém-nascido. Como cúmplices de seus ansiados encontros apenas o amor, a areia e o céu salpicado de estrelas”. 

Sobre amores e escritores – Gostei muito deste conto, mas sou suspeito, já que adoro histórias nas quais os personagens são escritores. Uma linda história de amor, que nos surpreende pela pureza dos sentimentos e o desapego: Amor não é prisão.

“– Você tem que ir para um grande centro. Cursar uma universidade. Desbravar o mundo. Depois, pode até voltar, sem problemas. Mas para conhecer a si mesmo, é preciso primeiro ser dono do próprio nariz. Um escritor que não vive uma boa história dificilmente será capaz de criar uma. Juliano, meu jovem, literatura não tem segredo. Literatura é vida!”.

Para finalizar a resenha, o último texto do livro é homônimo ao seu título “Sabores e Dissabores de Antigos Amores”, na qual Thiago Thomazini consegue encantar o leitor com as palavras, utilizando-se de elementos da poesia, como as metáforas e rimas, nos fazendo mover pelo texto numa deliciosa dança.

Sobre o autor – Thiago Thomazini é paulista radicado no Rio de Janeiro, escritor e dramaturgo. Estreou na carreira literária em 2010, com a coletânea de contos Variáveis Vias do Desejo. Influenciado profundamente pela dinâmica narrativa do cinema, empresta a seus textos essa agilidade estrutural, apresentando contos fortes e ligeiros, de vertente acre e intimista. Sua literatura passeia entre a escrita marginal e o lirismo poético, imprimindo a cada história partes iguais de ilusão e veracidade, ambas na medida certa.

Sabores e Dissabores de Antigos Amores pode ser encontrado na loja virtual da Editora Escândalo

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