Sabe aquele livro que você já havia escutado os outros
falando antes, mas não tinha ideia sobre o que se tratava, e de repente o
encontra na livraria e sente a necessidade de comprar? Foi assim meu primeiro
contato com A Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera, publicado pela
Companhia das Letras, em 2008, no Brasil, com tradução de Teresa Bulhões
Carvalho da Fonseca.
O livro foi publicado em 1982 e traduzido para mais de
trinta línguas. O romance é narrado em primeira pessoa. A tentação de imaginar
que Kundera é o narrador é grande, mas assim como não podemos confundir
personagens com pessoas, no mundo da ficção, o narrador não é necessariamente o
autor – mas alguém que nos conta a história de Tereza, Tomas, Sabina e Franz.
Dividido em sete partes, cada uma delas está subdividida em
várias cenas e reflexões do narrador. As ações dos personagens não consistem
somente em suas atitudes – o leitor entra em contato com os pensamentos,
emoções, conflitos internos e perspectivas, sendo que os de mais peso são casal
Tomas e Tereza. Milan Kundera nos ilumina com tantas verdades sobre a condição
humana, que além da trama, temos a impressão de que o narrador escreve um
ensaio sobre a vida diante de um período de opressão e transformações sociais,
políticas e econômicas.
"Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é. Em compensação, a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres como insignificantes".
Tomas conhece Tereza após uma série de acasos. Ele a ama,
mas ainda assim não consegue abrir mão da sua compulsão sexual – o médico está
sempre com uma mulher diferente e entre suas amantes uma das quais ele nutre um
sentimento forte está Sabina. Ele tente separar o amor sexual do amor romântico,
enquanto a frágil Tereza sofre com essas traições, ao mesmo tempo ela é incapaz
de ficar longe dele e se consola com seu cãozinho chamado Karenin.
Sabina não só tem um caso com Tomas, mas com Franz. Se
pudesse defini-la em uma palavra, assim como o próprio narrador o faz,
escolheria traição. Enquanto muitas pessoas gostam de carregar o peso dos
relacionamentos, ela prefere a leveza – a insustentável leveza. Ela é uma
artista que gosta da dualidade, de retratar em diferentes planos e expor o que
a sociedade tenta esconder. O que ela mais gosta em Franz, além do fato de ele
já ser casado, é do seu amor erótico.
"Não existe nada mais pesado que a compaixão. Mesmo nossa própria dor não é tão pesada quanto a dor co-sentida com outro, por outro, no lugar de outro, multiplicada pela imaginação, prolongada por centenas de ecos".
Milan Kundera cria contrastes interessantes entre os personagens,
não só porque suas personalidades são diferentes, mas por termos acesso às suas
identidades, às suas condições de existência – suas palavras-chave –, aos
elementos que tocam suas almas, seja para as preencherem de luz ou a afundarem
no mar de escuridão. Através de uma sobreposição de narrativas e pontos de
vista, observamos as mesmas situações de maneira diacrônica.
Outro ponto interessante é a métrica do texto. Além de o
leitor ser transportado pelo tempo, condenado a ver e rever as causas e
consequências de cada ação, o escritor equilibra os diferentes elementos – do
início ao final do romance, os personagens estão conectados.
Ao desenrolar da trama, não ficamos somente presos nas
narrativas psicológicas – o narrador conta como o contexto histórico e social
influencia a vida dos personagens. Numa Tchecoslováquia invadida pela Rússia,
Tomas, Tereza, Sabina e Franz acabam passando por uma série de escolhas e
acasos. O que cada um deles busca é a leveza do ser, a felicidade, a tentativa
de sobreviver diante do peso da vida – entre os extremos, leve demais, pesado
demais, os personagens principais se veem arrastados pela força do destino, dos
poderes e das certezas.
"Mas o que é trair? Trair é sair da ordem. Trair é sair da ordem e partir para o desconhecido. Sabina não conhece nada mais belo do que partir para o desconhecido".
Apesar do livro A Insustentável Leveza do Ser proporcionar
uma boa dose de entretenimento e reflexão, são nas últimas partes que o leitor
sente o peso das palavras afundar em seu peito. Nesta mistura de ritmos, do
grave e agudo, Milan Kundera conduz a narrativa como um regente de orquestra
que sabe o momento certo de preparar a plateia até que esteja preparada para
uma explosão de emoções. Uma verdadeira catarse para a alma.
Sobre o autor – Milan Kundera nasceu em Brno, na República
Tcheca, em 1929, e emigrou para a França em 1975, onde vive como cidadão
francês. Romancista e pensador de renome internacional, é autor, entre outras
obras, de A insustentável leveza do ser, A brincadeira, Risíveis amores, A
identidade, A ignorância, A cortina e O livro do riso e do esquecimento,
publicadas no Brasil pela Companhia das Letras.
Falastes bem sobre esse livro no meu último contato aqui no seu blog. E num é que realmente parece muito bom?! Parabéns pela resenha!
ResponderExcluirSaudações literárias.
http://eaijl.blogspot.com.br/
Oi, Felipe!
ExcluirTenho certeza de que a leitura vai te transformar. Emoções, reflexões. É quase um tratado sobre a vida humana.
Abraços! Grato pela visita e comentário :D
Uhu, mais uma pessoa que leu A Insustentável Leveza Do Ser. Sempre fico feliz quando mais alguém foi tocado por essa obra, pois é um dos meus livros preferidos (que aliás está na hora de reler). Saudade do espírito livre que era Sabina, e de Tereza com seu apego a Karenin, que por sua natureza canina, representava a confiança, alguém que nunca a trairia. Linda resenha, Ben, espero que faça com que mais pessoas leiam essa obra prima.
ResponderExcluirOi, Ronaldo! Confesso que Karenin me tocou. Desabei nos últimos capítulos. Foi lindo demais! Também espero que mais pessoas possam ler. Quero comprar outros livros do Kundera, ou pelo menos pegar na biblioteca. Vamos ver quais serão minhas próximas leituras dele.
ExcluirGrato pela visita e comentário: sempre!
Abraços
Oi Ben, tudo bem? Acho que já tinha ouvido falar desse livro, mas também não sabia bem do que se tratava. Acho que iria gostar bastante, já que gosto de livros que falem sobre a natureza humana e que expressam coisas sobre as quais ninguém gosta muito de falar. Adorei a sua resenha, como sempre :)
ResponderExcluirUm grande abraço
http://profissao-escritor.blogspot.com.br/
Oi, Gih! Tenho certeza de que gostaria muito. O Milan Kundera é bem intelectual, e mesmo escrevendo sobre a natureza humana, o texto não é chato, sabe? Não é encheção de linguiça. Uma mistura de romance + reflexões. Texto bem gostoso de ler. Já li 3 livros dele. Minha meta para o ano é ler os outros.
ExcluirObrigado pela visita! Abraços :-)
Comigo aconteceu exatamente o mesmo, ouvia muito falar, comprei sem ter nenhuma ideia enredo e acabei gostando muito. Amei as conexões (que são incríveis em A brincadeira também), e a forma como as reflexões do autor são introduzidas. Acho que preciso ler novamente, são muitas reflexões para uma única leitura.
ResponderExcluirOi, Ananda! Acredito que a releitura vale a pena mesmo. Morro de vontade de ler os outros livros do autor! É tão bom se conectar com histórias que nos façam questionar e refletir sobre nossas existências.
ExcluirGratidão pela visita e pelo comentário!