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Últimos meses

Escrevia para se dar conta do quanto havia mudado nos últimos meses. O cigarro, que antes julgava impossível de abrir mão, agora havia ficado no passado. Relacionamentos que pareciam durar, agora não estavam no presente. Novos relacionamentos ganhavam espaço e vida dia após dia. Fizera as pazes com o passado quando aceitara que já tinha cumprido seu papel. Entre abrir mão e aceitar que estava tudo bem não fazer parte da vida do outro, a vida acontecia. A frustração de achar que as coisas seriam diferentes. A repetição de padrões problemáticos. A pergunta: por que aceitar o inaceitável? A mudança que era sustentada dia após dia, até parecer que o passado já não incomodaria. Era ao aceitar que não tinha controle sobre tudo. Era ao entender que aceitar ajuda dos outros e não precisava carregar tudo sozinho. Era ao se dar conta de que o que algum dia fizera sentido, agora poderia não fazer. Dia após dia, seguindo em frente, mesmo quando parecia que nada estava acontecendo. Se dera conta de...

Resenha: A Insustentável Leveza do Ser – Milan Kundera

Sabe aquele livro que você já havia escutado os outros falando antes, mas não tinha ideia sobre o que se tratava, e de repente o encontra na livraria e sente a necessidade de comprar? Foi assim meu primeiro contato com A Insustentável Leveza do Ser, do Milan Kundera, publicado pela Companhia das Letras, em 2008, no Brasil, com tradução de Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca.


O livro foi publicado em 1982 e traduzido para mais de trinta línguas. O romance é narrado em primeira pessoa. A tentação de imaginar que Kundera é o narrador é grande, mas assim como não podemos confundir personagens com pessoas, no mundo da ficção, o narrador não é necessariamente o autor – mas alguém que nos conta a história de Tereza, Tomas, Sabina e Franz.

Dividido em sete partes, cada uma delas está subdividida em várias cenas e reflexões do narrador. As ações dos personagens não consistem somente em suas atitudes – o leitor entra em contato com os pensamentos, emoções, conflitos internos e perspectivas, sendo que os de mais peso são casal Tomas e Tereza. Milan Kundera nos ilumina com tantas verdades sobre a condição humana, que além da trama, temos a impressão de que o narrador escreve um ensaio sobre a vida diante de um período de opressão e transformações sociais, políticas e econômicas.

"Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é. Em compensação, a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres como insignificantes".

Tomas conhece Tereza após uma série de acasos. Ele a ama, mas ainda assim não consegue abrir mão da sua compulsão sexual – o médico está sempre com uma mulher diferente e entre suas amantes uma das quais ele nutre um sentimento forte está Sabina. Ele tente separar o amor sexual do amor romântico, enquanto a frágil Tereza sofre com essas traições, ao mesmo tempo ela é incapaz de ficar longe dele e se consola com seu cãozinho chamado Karenin.

Sabina não só tem um caso com Tomas, mas com Franz. Se pudesse defini-la em uma palavra, assim como o próprio narrador o faz, escolheria traição. Enquanto muitas pessoas gostam de carregar o peso dos relacionamentos, ela prefere a leveza – a insustentável leveza. Ela é uma artista que gosta da dualidade, de retratar em diferentes planos e expor o que a sociedade tenta esconder. O que ela mais gosta em Franz, além do fato de ele já ser casado, é do seu amor erótico.

"Não existe nada mais pesado que a compaixão. Mesmo nossa própria dor não é tão pesada quanto a dor co-sentida com outro, por outro, no lugar de outro, multiplicada pela imaginação, prolongada por centenas de ecos".

Milan Kundera cria contrastes interessantes entre os personagens, não só porque suas personalidades são diferentes, mas por termos acesso às suas identidades, às suas condições de existência – suas palavras-chave –, aos elementos que tocam suas almas, seja para as preencherem de luz ou a afundarem no mar de escuridão. Através de uma sobreposição de narrativas e pontos de vista, observamos as mesmas situações de maneira diacrônica.


Outro ponto interessante é a métrica do texto. Além de o leitor ser transportado pelo tempo, condenado a ver e rever as causas e consequências de cada ação, o escritor equilibra os diferentes elementos – do início ao final do romance, os personagens estão conectados.

Ao desenrolar da trama, não ficamos somente presos nas narrativas psicológicas – o narrador conta como o contexto histórico e social influencia a vida dos personagens. Numa Tchecoslováquia invadida pela Rússia, Tomas, Tereza, Sabina e Franz acabam passando por uma série de escolhas e acasos. O que cada um deles busca é a leveza do ser, a felicidade, a tentativa de sobreviver diante do peso da vida – entre os extremos, leve demais, pesado demais, os personagens principais se veem arrastados pela força do destino, dos poderes e das certezas.

"Mas o que é trair? Trair é sair da ordem. Trair é sair da ordem e partir para o desconhecido. Sabina não conhece nada mais belo do que partir para o desconhecido".

Apesar do livro A Insustentável Leveza do Ser proporcionar uma boa dose de entretenimento e reflexão, são nas últimas partes que o leitor sente o peso das palavras afundar em seu peito. Nesta mistura de ritmos, do grave e agudo, Milan Kundera conduz a narrativa como um regente de orquestra que sabe o momento certo de preparar a plateia até que esteja preparada para uma explosão de emoções. Uma verdadeira catarse para a alma.



Sobre o autor – Milan Kundera nasceu em Brno, na República Tcheca, em 1929, e emigrou para a França em 1975, onde vive como cidadão francês. Romancista e pensador de renome internacional, é autor, entre outras obras, de A insustentável leveza do ser, A brincadeira, Risíveis amores, A identidade, A ignorância, A cortina e O livro do riso e do esquecimento, publicadas no Brasil pela Companhia das Letras.

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