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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: A Visita – Alex Francisco

Minha leitura desta semana de carnaval foi o livro A Visita, do dramaturgo e escritor Alex Francisco, publicado pela All Print Editora, em 2013. O texto foi escrito originalmente para o teatro e é difícil ler sem ficar imaginando os personagens atuando no palco – a barreira entre a dramaturgia, os personagens e a vida real se dissolve e fica evidente conforme o autor faz seus apontamentos e a trama se desenvolve.


Logo nas primeiras páginas, o leitor é apresentado aos personagens da peça, sendo que os principais são Dalmo e Tales. A narrativa é dividida em três atos e várias cenas. Pelos primeiros diálogos e cenários, descobrimos que um dos personagens foi condenado a 12 a 30 anos de prisão.

“Eu amei. Eu amei com o coração (bate no peito), com a alma. Mas acho que nem você aceita meu jeito de amar, né? (fita o chão) Não tá escrito naquela sua bíblia, né não?”.

Assim que descobrimos que é Dalmo quem está preso – não é nenhum spoiler, já que a informação está na orelha do livro –, ainda falta saber quais foram os motivos que o levaram até ali. Outro ponto importante é a visita inesperada de Tales que não só pega Dalmo de surpresa, mas também o leitor. Então, o casal aproveita o tempo juntos para matar a saudade e reviver vários momentos de alegria e dor, prazer e solidão, amor e separação.

A narrativa nos leva para o presente (cela do presídio) e para lugares fora da prisão onde os caminhos de Dalmo e Tales se cruzaram. O leitor é levado pela onda de nostalgia do casal gay. E a cada cena, somos presenteados com mais uma peça do que aconteceu. Alex Francisco consegue instigar bem o leitor a cada início, meio e fim de cena, nos deixando suspensos por seus fios, nos balançando de dentro para fora pelas reviravoltas e nos preparando para o clímax.

Enquanto o tempo vai passando, Dalmo se preocupa com Tales: Como o homem que ele ama vai fazer para sair da prisão, sem que ninguém o veja? Ele não quer que o namorado passe pelas coisas ruins que ele teve que aguentar lá dentro.

“Eu lembro muito bem dessa sua vergonha. Desse medo que você tinha de que os outros descobrissem que você é gay. Você tinha muitos problemas para se aceitar, lembra?”.

Com uma boa dose de realismo, A Visita não se foca somente no amor gay, mas entre uma série de problemas que estão relacionados à homofobia (seja ao preconceito da sociedade ao aceitar, como a homofobia internalizada), o comportamento de quem não se aceita e inconscientemente é levado ao caminho da autodestruição, a violência física e sexual, o abuso de substâncias, como drogas e álcool, os estereótipos (todo gay é promíscuo, entre tantas outras generalizações que quando se tratam de heterossexuais é considerado normal, mas quando se trata do público LGBT é vulgarizado).

Embora o clímax da história proporcione um momento libertador, esqueça o clichê do viveram felizes para sempre – se bem que nas histórias com temática gay, geralmente, acontece o contrário. Da mesma forma que a trama se desenvolve de maneira ora romântica, ora ácida, o leitor sente essas diferentes emoções misturadas à revolta.

A jornalista e romancista Vânia Coelho faz uma síntese ótima no prefácio do livro sobre o sofrimento de Dalmo, que não é só dele, mas de muitos homossexuais do mundo todo: “Uma personagem perdida por amar, perdida por querer e, perdida pelas mãos dessa mesma sociedade que pune e vigia, exatamente como o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) havia previsto em seus livros e textos teóricos sobre o quão louca e demente é a sociedade em que vivemos”.

Além de Dalmo e Tales, os personagens ao seu redor também influenciam os seus destinos. O pai de Tales, Inácio não só não o apoia, como é diretamente relacionado ao sofrimento imposto ao casal. Quantos gays sofrem por causa de suas famílias, seus preconceitos e medo do que os outros possam pensar do que pelos problemas reais? A família que machuca não só quando toma ações drásticas como colocar o filho para fora e tratá-lo mal, mas também diante do silêncio, do fingimento.

“Eu não aguento de tanta saudade, Dalmo. Ficar longe de você tá me matando a cada dia. (pausa) Será que cê ainda não entendeu isso? Que é horrível ficar longe de você?”.

O final do livro me deixou com uma pulga atrás da orelha, não por esperar que as coisas se revolvessem magicamente, mas por causa do diálogo entre Dalmo e Tales, no qual o segundo declara: “Gosto de pensar que a vida sabe o que faz”. Assim como na vida real, nem sempre as coisas terminam como nós esperávamos – o que não deixa de ser um ótimo exercício de aceitação de nossas próprias limitações e do que foge aos nossos controles.

Difícil mesmo é chegar até a última página e ficar com desejo de assistir ao espetáculo – bom para quem mora onde a peça é apresentada! Acredito que como o texto é voltado ao teatro, a atuação dos personagens e suas falas transmitem mais emoções e o impacto é maior. A narrativa de A Visita é bem ágil e as informações são dadas ao longo dos diálogos. A intervenção do narrador é mínima se limitando aos movimentos dos personagens sobre o palco e a descrição cenográfica: os holofotes são de Dalmo e Tales que nos arrebatam com sua história de amor e superação, com uma dose de tristeza e a certeza de que a sociedade ainda precisa melhorar muito.

Sobre o autor – Alex Francisco é jornalista e escritor. Autor das peças Os Deuses do Olimpo (destaque da Mote 2002), Fashion, do livro-reportagem Castelo – Páginas de Uma Vida, e roteirista de Desert e À Flor da Pele. É repórter da revista ShowTV! do Agora São Paulo (Grupo Folha).

Gostou da recomendação de leitura? Não deixe de compartilhar o post! O livro A Visita pode ser comprado no site do Submarino e da Americanas

Para ficar por dentro das novidades do livro e suas apresentações teatrais, curta a página no Facebook: https://www.facebook.com/avisitaoficial/. O livro também está presente no Skoob – maior rede social para leitores do Brasil!

Comentários

  1. Ben! Que honra ter meu primeiro livro resenhado por ti. Venho acompanhando o blog na expectativa de, um dia, ver uma de minhas obras passar pelo seu olhar honesto e cuidadoso.
    Esse dia chegou! Que felicidade! Muito obrigado por permitir que seus leitores conheçam o universo "A Visita".
    Vida longa ao seu trabalho!

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    1. Oi, Alex! Li com muito prazer A Visita. Lembrando do bate-papo de autores e ouvindo você falar do seu livro, aumentou ainda mais a minha curiosidade. Já tinha recebido alguns releases sobre a apresentação teatral, mas como ainda não tinha lido o livro, ficava complicado escrever sobre o assunto.

      Espero que os leitores curtam bastante o seu livro. Precisamos que esses assuntos sejam lidos e discutidos na sociedade, sem 'segmentar o leitor'. Afinal, a homofobia é real e não acontece somente dentro do meio gay (apesar de existir muita homofobia internalizada)

      Abraços e muito obrigado pelo feedback!
      PS: Adicionei A Visita à lista de livros gays brasileiros! (Post do blog)

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  2. Vou procurar esse livro!
    Adorei a resenha e a história parece intrigante!
    Parabéns Alex pelo livro.
    E Parabéns Ben pelo blog! `^^´
    Abraços!

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    1. Oi, Allan!
      Fico muito feliz que tenha se interessado pelo livro. Tenho certeza de que o Alex Francisco também vai se alegrar!
      Que sua leitura seja prazerosa.
      Abraços! Muito obrigado por sua visita. Volte sempre!

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  3. Oi, Allan!
    Que alegria saber que ficou interessado em "A Visita".
    Aproveito para te fazer um convite: acompanhe nossa página no http://www.facebook.com/avisitaoficial. Lá você pode ficar por dentro das novidades do livro, da peça e ainda conhecer nossa loja virtual.
    Torço para que Dalmo e Tales possam ser boas cias. em sua leitura.
    Forte abraço!

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  4. Preciso ler mais livros com temática gay. Com tanta coisa boa por aí. Saber que se trata dp enredo de uma peça é também muito animador, pois os diálogos devem ser bem interessantes. E com a ambientação num presídio então.. deve tocar em muitos temas não só polêmicos, mas delicados. Sem falar na saudade que devem sentir um do outro. Quanto ao que você disse sobre a reação hostil de algumas famílias, acho que nenhuma violência externa é pior do que essa. E adorei essa capa, remete um pouco a dso livro "Duas Mulheres" de Martina Cole, que tem uma temática parecida.

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    1. Oi, Ronaldo! A variedade de narrativas com personagens gays está aumentando bastante. Antigamente, era muito limitado ao gênero de autoajuda ou quando tinha ficção envolvida, vinha acompanhada de uma dose de moralismo.
      Acabei de pesquisar a capa do livro e realmente lembra. Fiquei curioso sobre o livro. Ainda não o conhecia.
      Abraços! Obrigado por suas visitas. Continue com o bom trabalho no seu blog.

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    2. Oi, Ronaldo! Fico feliz em saber que ficou animado com "A Visita".
      Também não conhecia "Duas Mulheres", mas fiquei curioso pela história. Muito obrigado pela dica de leitura.
      Venha conhecer mais sobre o livro e a peça em http://www.facebook.com/avisitaoficial.
      Forte abraço!

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    3. Opa, Alex. Vou dar uma olhada na página do face sim. Parabéns pelo lançamento.

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    4. Muito obrigado, Ronaldo!
      Forte abraço.

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  5. Opa, vai entrar pra listinha desse ano, também pra resenhar :)
    Pena não poder ver a peça!

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    1. Oi, Lorena!
      O espetáculo deve ser muito emocionante! Ainda que não seja uma obrigação, é importante esta força que os blogs literários dão para os autores nacionais, principalmente com temática gay. Para que as obras continuem circulando e chegando aos leitores. É uma pena que muitas pessoas só valorizam quando os livros não estão mais acessíveis! Muito obrigado por sua visita!
      Abraços e parabéns pelo seu blog!

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    2. Oi, Lorena!
      Já estou curioso para ler sua resenha.
      Desde já, muito obrigado pela força e pelo espaço.
      Não estamos em cartaz atualmente. Mas, no link abaixo, dá para ver algumas fotos da peça.
      https://www.facebook.com/media/set/?set=a.537709823024790.1073741847.103813559747754&type=3
      Abração!

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  6. Adorei a resenha! A Visita vai entrar imediatamente para a minha lista, fiquei com muita vontade de lê-lo. Beijos
    http://chuvacobertaelivros.blogspot.com

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    1. Oi, Fernanda!
      Agradeço pela visita e comentário. Fico muito feliz em saber que se interessou pelo livro.
      Abraços

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    2. Oi, Fernanda!
      Que felicidade saber que gostou da resenha e que ficou interessada no livro.
      Forte abraço!

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