Psicose (Psycho) é um desses livros que eu gostaria de ter lido muito antes de ter assistido ao filme, o que seria bem difícil, já que a obra foi publicada originalmente em 1959 e em 1960 foi adaptada para o cinema pelo diretor Alfred Hitchcock, sendo considerado um thriller clássico, o qual eu perdi a conta de quantas vezes assisti. Esta semana li o livro de suspense escrito por
Robert Bloch, com tradução de
Anabela Paiva, de 240 páginas, publicado pela
DarkSide Books, em 2013, e a experiência continua maravilhosa.
O romance é narrado em terceira pessoa e se foca na história de Norman Bates, o dono de um motel em uma rodovia que já não é tão usada e costuma receber menos visitantes. Mary Crane está de passagem, tentando fugir, em busca de um futuro com o homem por quem está apaixonado e mantém um relacionamento à distância. O encontro entre os dois é o pontapé inicial da trama, que movimenta o núcleo principal dos personagens e começa a expor o lado sombrio de Norman.
Para quem já assistiu ao filme, não há muitos segredos nas reviravoltas, mas acaba sendo interessante imaginar quais foram os recursos utilizados pelo autor para prender o leitor e criar o efeito de suspense a cada capítulo. Fica claro o quanto somos influenciáveis pelo narrador, quem não faz ideia da história de Norma Bates, a mãe de Norman, talvez não se dê conta de como essa relação entre os dois personagens é explorada através das palavras. Mesmo narrado em terceira pessoa, algumas vezes o leitor consegue acessar a mente de Norman, tornando a leitura mais envolvente.
“As mães são às vezes dominadoras, mas nem todas as crianças se deixam dominar. Nem todas as viúvas e nem todos os filhos únicos se emaranhavam nesse tipo de relação. A culpa era tanto dele quanto dela. Porque ele não tinha iniciativa”
Com o desaparecimento de Mary, um investigador, o namorado e a irmã da mulher tentam encontrá-la e seus caminhos se cruzam com o Bates Motel. Norman está mantendo um segredo sobre sua Mãe. Aliás, é interessante observar a maneira que o narrador destaca o nome dela e como o personagem se comporta em relação a ela, em um tom de submissão e como sua personalidade oscila conforme ele se sente sob pressão.
Norman Bates é um personagem fascinante, para quem gosta de investigar a mente de assassinos. Aliás, ele foi inspirado em Ed Gein, um homem que foi preso em Wisconsin (EUA), em 1957, por ter assassinado duas mulheres e também tinha uma relação doentia com sua mãe – caso que também inspirou os filmes O Massacre da Serra Elétrica (1974) e O Silêncio dos Inocentes (1991), segundo nota explicativa do livro.
“Ela começou a rir. Parecia que cacarejava; e ele sabia que, se ela embalasse, não ia parar mais. A única maneira de fazer com que parasse era gritar mais alto do que ela. Uma semana atrás, Norman não teria ousado. Mas já não era a semana passada, era agora, e as coisas eram diferentes”.
Lila Crane consegue ganhar algum destaque no livro por sua ousadia e inconformismo com a falta de informações do investigador e da polícia sobre o paradeiro de sua irmã, Mary. A impetuosidade de Lila dá uma acelerada no ritmo da narrativa, equilibrando os momentos de ação com as memórias de Norman, ajudando a pintar o quadro total da trama. Quanto mais provamos do passado de Norman, mais instigados ficamos a beber de sua essência e compreender um pouco da linha do tempo de como ele chegou ao seu estado atual e o que aconteceu com as pessoas ao seu redor, para ele se tornar um homem tão solitário.

Uma das minhas partes favoritas do livro é a que Lila dá de cara com a biblioteca de Norman e encontra livros sobre ocultismo, bruxaria, parapsicologia e satanismo, obras que em um primeiro instante parecem incompatíveis com o personagem e/ou o local em que ele vive. Robert Bloch brinca com esses estereótipos e com as aparências das pessoas, mostrando que qualquer um é capaz de fazer algo inesperado, independente do que as suas máscaras pareçam. Muitas peças do quebra-cabeça são encaixadas até o final do livro, enquanto múltiplas possibilidades de leituras ficam em aberto sobre até que ponto Norman pode ser visto como um monstro e como os seus traumas do passado foram determinantes para a piora de sua condição.
“Passou o dedo pelo fio da navalha. Estava afiada, muito afiada. Tinha de ter cuidado para não se cortar. Sim, e teria de escondê-la quando terminasse, trancá-la num lugar em que a Mãe não a pudesse pegar. Não podia deixar algo afiado assim ao alcance da Mãe”.
Muitas pessoas elogiam Psicose, como um dos melhores filmes do Hitchcok, esquecendo que mesmo com a genialidade da direção, fotografia e trilha sonora da época, por trás da adaptação há o romance de Robert Bloch. Após ler Psicose e tentar imaginar um contexto antes de ler a obra, não é tão difícil notar porque Alfred Hitchcock ficou tão fissurado para transformá-la em filme e comprou centenas de exemplares do livro para que os espectadores não soubessem quem era o assassino, até que passasse a época de exibição de Psycho nos cinemas. Aliás, a série Bates Motel está aí para provar que ainda há muito para ser explorado nas narrativas envolvendo Norman e os segredos de sua família.
Não poderia de deixar de comentar o projeto gráfico da DarkSide. Não é preciso ir tão longe para entender porque muitos leitores babam pelos livros da editora. As ilustrações são mimos que ajudam a deixar a experiência da leitura ainda mais prazerosa e sinestésica.
Sobre o autor – Robert Bloch (1917-1994) foi um escritor norte-americano de terror, fantasia e ficção científica. Autor de centenas de contos e mais de 30 romances, tornou-se mundialmente conhecido com Psicose (1959), adaptado para os cinemas por Alfred Hitchcock. Teve como mentor H. P. Lovecraft, um dos mestres das histórias de horror e mistério, grande incentivador do trabalho de Bloch, com quem chegou a trocar cartas, além de ter sido um dos mais jovens membros do Lovecraft Circle, círculo de amgios do escritor. Colaborou com revistas pulp no começo da carreira, como a Weird Tales, além de escrever para fanzines de ficção científica e fantasia. Foi um prolífico roteirista para cinema e TV por mais de trinta anos, tendo escrito dez episódios para a série de suspense e mistério Alfred Hitchcock Apresenta (1962-1965), o roteiro do remake de O Gabinete do Dr. Caligari (1962), de Roger Kay, e três roteiros originais para a série Star Trek (1966-1967). Ganhou o Hugo Award (pelo conto That Hell-Bound Train), além do Bram Stoker Award e do World Fantasy Award.
Sobre a tradutora – Anabela Paiva equilibra trabalhos como jornalista, consultora de comunicação e pesquisadora. É autora do livro A Dona das Chaves (Record, 2010), escrito em parceria com Julita Lemgruber. Apaixonada pelo Rio de Janeiro, onde vive, gosta de estudar a história e os problemas da cidade e se orgulha de transitar entre fronteiras sociais e urbanas. Seus familiares a consideram a espectadora ideal para os filmes de terror e suspense, pois costuma dar pulos da cadeira nas cenas mais assustadoras.
O livro Psicose pode ser comprado em diversas livrarias e e-Commerce, como Submarino, Americanas e Livraria Cultura
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