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Destaques

Sobre Reler Livros

Reler um livro era como tocar um tecido que você já usou várias vezes, como se fosse pela primeira vez. A textura parecia diferente; o cheiro não era o mesmo; Era impossível não imaginar na palavra que circulava pela mente: diferente.  E por que esperar pelo impossível igual? O leitor não era o mesmo. Um intervalo de tempo considerável havia se passado. O personagem que costumava ser o favorito talvez agora seja outro. O texto que escreveria a respeito do livro talvez jamais fosse igual. Era um diferente leitor, um diferente livro, uma diferente interpretação. Ler pelo mero prazer era diferente de ler pensando na resenha que escreveria em seguida. Escolher o livro de forma aleatória era diferente de já tê-lo em mente. Reler era diferente de ler, mas sobretudo, era uma nova forma de leitura: os detalhes que antes não chamavam a atenção, agora pareciam brilhar nas páginas. Não estava no mesmo lugar em que estava quando o leu pela primeira vez. Sua pele não era a mesma, tampouco seu céreb

Resenha: Outro Dia – David Levithan

O livro Outro Dia (Another Day) é a continuação de Todo Dia (Every Day), trilogia do escritor norte-americano David Levithan. Enquanto o primeiro livro se focou no ponto de vista de A, uma entidade que todos os dias acorda em um corpo diferente e se apaixona pela Rhiannon, o segundo livro é narrado em primeira pessoa pela garota e de como esse envolvimento com A influencia sua maneira de enxergar o mundo e confrontar suas próprias verdades. O livro foi publicado originalmente pela Alfred A. Knopf (Random House Children’s Books), em 2015, nos Estados Unidos, e no Brasil, a tradução foi publicada pela editora Galera Record, em 2016.


Rolou um vídeo sobre o livro Outro Dia lá no meu canal do YouTube. Para quem gosta de vídeos, vou deixar aqui embaixo. Se você, como eu, também gosta de resenhas em texto, pode continuar lendo abaixo.



Todo Dia e Outro Dia são livros complementares. Quando comecei a ler o segundo livro, fiquei surpreso desde o início. Alguém poderia dizer que não tem muita graça ler a história, já que há uma similaridade entre as tramas. Ao trocar o foco narrativo, tudo se transforma. David Levithan sabe muito como usar a escrita para envolver o leitor, ambos livros são quase uma aula de escrita criativa e do poder da ficção que se conectar com as emoções de acordo com os narradores e personagens.

Rhiannon vê sua vida ficar de cabeça para baixo quando ela conhece A. A reciprocidade dos sentimentos que os dois alimentam é encantadora. Mesmo sem ter um corpo fixo, A se apaixona pela garota e mesmo tendo a possibilidade de todos os dias acordar em um lugar diferente, perto ou longe dela, A escolhe se fazer presente, mesmo que através de uma simples mensagem. Este modo sincero que eles se tratam faz toda diferença.

"Justin me ama e me odeia tanto quanto eu o amo e odeio. Sei disso. Nós temos pavios curtos, e nunca deveríamos tentar acendê-los. Mas, algumas vezes, não conseguimos evitar. Nós dois nos conhecemos bem demais, mas nunca é bem o bastante" – Outro Dia, David Levithan (tradução de Ana Resende)

A protagonista é levada a se encarar por dentro. Ao lidar com uma alma ou uma pessoa que todos os dias está no corpo de uma pessoa diferente, Rhiannon acaba questionando a própria vida, desde a relação que ela construiu com o próprio corpo e a maneira que os outros a percebem, como os seus relacionamentos. Ela namora Justin, um rapaz cheio de problemas e preconceituoso. Enquanto os amigos de Rhiannon tentam fazê-la notar que o relacionamento dela está fazendo mal a ela, a garota simplesmente não enxerga. Somente a partir do momento em que ela percebe que estar com outra pessoa pode ser uma experiência transformadora e plena, ela se dá conta do quanto o namoro com Justin é cheio de falhas e incompletudes, de uma maneira que está mais próxima de um relacionamento tóxico do que de um relacionamento cheio de amor e alegria.

Essa noção de como nossas vidas são guiadas por nossos corpos nos possibilita refletir bastante sobre como nos relacionamos com os outros. Mesmo gostando do A, Rhiannon não tem como contar para a família e para os amigos quem é a pessoa pela qual ela está apaixonada, já que a mesma não possui um corpo fixo. Isto acaba criando muitos conflitos internos na protagonista e fazendo ela duvidar ainda mais dos sentimentos que ela nutre por A e até quando conseguirá mantê-los vivos.

"Há muitas coisas que podem mantê-la em um relacionamento [...] O medo de estar sozinho. O medo de perturbar a combinação de sua vida. A decisão de se contentar com algo que está bem, porque você não sabe se você pode conseguir algo melhor. Ou talvez haja a crença irracional de que isto vai melhorar, mesmo que você saiba que ele não vai mudar" – Outro Dia, David Levithan (Tradução minha)

Outro ponto levantado no livro é a questão do amor, o encontro de almas apaixonadas e os preconceitos. Apesar da Rhiannon amar A, ela não sabe como fazer para lidar com a condição do outro personagem. A não tem um gênero sexual definido, podendo acordar no corpo de garoto ou de garota, mas a Rhiannon prefere imaginá-lo como um rapaz. David Levithan sempre traz uma mensagem de empatia bacana, mostrando a importância de aceitar os outros, especialmente LGBTQ – logo, essa atração pela alma do outro, independente de como ele é por fora, também vem para agregar na diminuição do preconceito, mostrando que o amor muitas vezes está mais ligado ao interior do que ao exterior.

Será que só o amor é suficiente para manter duas pessoas juntas? Rhiannon e A precisam encontrar respostas. Além dos problemas pessoais da protagonista, A também lida com seus próprios conflitos. O primeiro livro da trilogia se tornou um best-seller mundial e fez tanto sucesso que levou a sugestão por parte da Random House Children's Books. Talvez só a história do A já pudesse ser envolvente o suficiente e nem tudo precisa ser respondido, mas em Todo Dia e Outro Dia somos levados a enxergar nossas próprias verdades e a aceitar que mais do que uma emoção, o amor romântico é uma construção social e ao mesmo tempo somos movidos por linhas invisíveis, que nos aproximam e nos distanciam dos outros.

"Você gosta dele porque ele é um garoto perdido. Acredite em mim, eu já vi acontecer antes. Mas você sabe o que acontece com garotas que amam garotos perdidos? Elas ficam perdidas também" – Outro Dia, David Levithan (Tradução minha)

De editor de livros infanto-juvenis para autor bem-sucedido de ficção voltada para o público jovem adulto (young adult), David Levithan continua nos encantando com suas palavras. Sua familiaridade com a arte de contar histórias e todos esses anos trabalhando com um público fizeram ele acertar em cheio nas tramas, adicionando não só elementos que esses leitores sentem vontade de ler, mas também levantando algumas discussões. Outro Dia vai além do entretenimento e mostra a força da literatura de conectar histórias, memórias, sonhos, significações e nos faz mergulhar em assuntos que nem sempre são discutidos entre familiares e amigos, como os relacionamentos tóxicos, preconceitos, como somos vistos e vemos os outros e a relação direta entre o amor próprio, o amor genuíno e o amor romântico.

A última vez em que conversei com o David Levithan ele disse que estava escrevendo o terceiro livro da trilogia e que não havia uma data confirmada da publicação, mas que a data provável era Setembro de 2018. Aliás, fica aqui a minha gratidão ao David Levithan que me enviou este exemplar autografado junto com outros três livros (para quem não viu, eu mostrei em um vídeo lá no meu canal do YouTube) – dos livros enviados, já li Another Day e You Know Me Well. Estou bastante curioso para ler How They Met and Other Stories. Lembrando que o livro Todo Dia está sendo adaptado para o cinema. Estou bem ansioso!


Sobre o autor – David Levithan também figurou na lista de mais vendidos do prestigiado New York Times. Editor de livros infantis, é autor, ainda, de Garoto Encontra Garoto, Dois Garotos Se Beijando, Todo Dia, Outro Dia e de Nick e Norah —com Rachel Cohn —, que inspirou o filme homônimo.

*Ben Oliveira é escritor, blogueiro e jornalista por formação. É autor do livro de terror Escrita Maldita, publicado na Amazon e do livro de fantasia jovem Os Bruxos de São Cipriano: O Círculo (Vol.1), disponível no Wattpad.

Comentários

  1. Que bacana esse livro ,fiquei com vontade de ler ele ,boa resenha ,bem estruturada e organizada ,gostei do blog ,vi suas obras ,confesso que me apeguei nos contos <3 .
    Sucesso
    Bjos

    https://recordandodetalhes.blogspot.com.br

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    Respostas
    1. Oi, Mayra! Muito obrigado pela visita. Fico feliz que tenha gostado da resenha. Sou suspeito, mas Outro Dia é um livro que me tocou bastante e me fez refletir sobre os relacionamentos. Sou muito grato!
      Beijos

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  2. Oi amei seu blog já li Todo dia e outro dia estou louca para ler o terceiro vou acompanhar seu blog para saber quando estará disponível para venda.
    Bjs

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    Respostas
    1. Oi, Camilla! Muito obrigado pela visita. Fico feliz que tenha gostado do blog. Quando tiver mais informações sobre o terceiro livro, publicarei por aqui. Se você está ansiosa pela adaptação do filme de Todo Dia, vale a pena ficar de olho na página do Facebook do David Levithan. Ele compartilhou fotos com os autores e a equipe responsável pelo filme: https://www.facebook.com/David-Levithan-139042149485971/
      Beijos

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